Tenho acompanhado a recomendação da oposição ao poder dominante para que os seus potenciais eleitores votem e que fiquem, no local, de vigia no momento da contagem dos votos. Uma recomendação que encontra eco numa fala que é atribuída a Joseph Stalin, líder soviético, a saber: "Quem vota e como vota não conta nada; o que conta os votos é que realmente importa".
Será a melhor estratégia? Não sei. Lembrar que na sala de aulas, em dia de teste ou exame, existem também vigias e nem por isso um impedimento para a ocorrência de fraude académica.
E tomando o exemplo da vigia em dia de teste ou exame, recordo-me de um meu professor que depois de ficar meia hora na sala, optava por sair e avisava antes que seria por apenas quinze minutos. De regresso a maioria já estava por finalizar as respostas, mesmo os que não tinham ainda respondido a nenhuma pergunta antes da sua saída. Com este professor era sempre assim.
Há uma semana cruzei-me com o dito professor - há década e meia que não o via - e soube dele que a saída por quinze minutos era a metodologia que encontrara para que os seus alunos estudassem e que ele tivesse bons resultados.
Segundo o admirável professor, o acto de o estudante preparar a cábula e a certeza de que terá uma oportunidade para usá-la durante o teste/exame produzia efeitos tremendos na melhoria da performance dos alunos e a dele. Desta experiência, uma outra máxima: “A vitória prepara-se, a vitória organiza -se”.
Não foi Stalin quem disse esta máxima, mas acredito que tenha sido da combinação desta máxima com a do Stalin em que o meu professor, por acaso formado na então União Soviética, tivera a divina inspiração metodológica para os seus bons resultados. Dito isto: quem conta os votos? “É quem prepara e organiza a vitória”, responderia o meu professor.
Nando Menete publica às segundas-feiras
I
A vontade de urinar era tão grande que o motorista da camioneta foi freando o seu veículo até esta imobilizar-se completamente a berma da estrada.
Saiu e correu para a mata, largou um jato de urina para a moita, já aliviado, quando fechava a braguilha eis que se depara com alguém que o mirava com olhos esbugalhados.
Assustou-se, deu um recuo com dois passos, mais movido pela curiosidade voltou a posição inicial, trocaram olhares até que mais uma vez o temor tomar conta de si.
O ser desconhecido tinha a cara muito ressequida, com certeza de muitos dias ao relento, o cabelo crespo estava completamente desgrenhado e pousavam moscas que zuniam imparavelmente, aparentava ter uns vinte e poucos anos. Tinha o rosto oval, pálpebras descaídas, o olhar vítreo desarmava quem o mirasse.
O olhar estranho continuava impávido a foca-lo, decidiu então, abalar logo dali, voltou a assumir o comando da sua camioneta de quatro toneladas, e afastou-se rapidamente do local.
Só voltou a parar na esquadra policial do bairro “floresta” na periferia da cidade para relatar o estranho caso do homem com olhar ameaçador que o espreitava.
A policia intrigada com o relato acorreu de imediato para o local explicado pelo motorista, depois da devida perícia recolheram-no e trataram logo de o levar para o hospital central de Quelimane para ter os devidos cuidados que este merecia.
O médico de serviço recebeu o estranho trazido pela polícia e orientou os seus colegas no sentido de o proverem de melhores condições que se adequavam ao seu tratamento.
Os técnicos da FRIZA Lda, empresa que ganhara o concurso público depois de evidentemente enluvarem os funcionários do UGEA, apareceram na manhã de segunda-feira no sector de manutenção do hospital para procederem a reparação do sistema de frio da morgue.
O pessoal de sector de manutenção haviam garantido aos técnicos da “friza” que as condições estavam criadas para que estes laborassem tranquilamente. Três frigoríficos faziam parte de sistema de conservação de cadáveres dos seres que desencarnavam na cidade e arredores.
Compressores, termóstatos foram trocados nos primeiros dois frigoríficos e os técnicos avançaram para trabalhar no terceiro. O técnico chefe fazia as devidas afinações aos aparelhos reparados, para flexibilizar o trabalho pediu que os seus dois colegas iniciassem com o desmontagem das peças que iriam ser substituídas no terceiro.
- Ahhhh! – uma dupla gritaria, bastante estridente foi disparada pelos técnicos quando se depararam com algo bizarro dentro da câmara frigorifica.
Os funcionários da morgue que se encontravam nas redondezas a tomar o pequeno almoço acudiram prontamente aos alaridos, chegaram manuseando seus pães e badjias e encontram os técnicos aterrorizados.
II
Quando a noite adentrava os moradores dos bairros circunvizinhos do cemitério da cidade eram abalados por um ser, que diziam os visados ser um anómalo desprovido de cabeça, que andava acompanhado pelo seu ajudante de campo, este servia de interlocutor entre as reivindicações do homem sem cabeça e os moradores visitados.
“Ele quer a cabeça dele” – dizia o seu ajudante de campo.
O anómalo falava por gestos furibundos deixando os visados mortos de susto.
A empreitado nocturna do estranho ser e o seu ajudante acontecia amiúde logo que escurecesse, o primeiro acto do evento era um assobio emanado em decibéis hipnotizadores, depois ouvia-se um bater na porta do morador que iria receber a visita.
O pânico já havia capturado a cidade, e para o cúmulo havia uma crise na rede de distribuição eléctrica da cidade.
A recessão económica agredia as contas dos comerciantes da cidade e arredores, os mais prejudicados eram os “barraqueiros”, os seus clientes recolhiam cedo para as suas casas, por conta do terror protagonizado pelo homem sem cabeça e seu ajudante.
Uma assembleia geral dos anciãos dos bairros atacados foi realizada numa sala disponibilizada pela autarquia da cidade, um “nyanga” vindo de Inhassunge auxilio-os para averiguações inerentes a solução para o questão que os assombrava.
Um decreto para afastamento das incursões malignas do estranho ser foi aprovado por unanimidade, sob comando do “nyanga” devia-se sacrificar uma galinha cafreal e colocar a cabeça do animal na parte interna da porta principal e no chão do principal acesso a casa devia-se fazer um círculo com um “X” no interior.
III
Depois de recuperam o fôlego os técnicos iam tendo focos de lucidez que lhes permitia usufruir da sua racionalidade. Os funcionários da morgue depois de gargalharem até não puderem mais, recobram a serenidade.
Então um dos técnicos que vivia no bairro da periferia do cemitério afirmou:
- O dono dessa cabeça esta a sua procura! – afirmou aliviado.
Nos dias que se seguiram foram de procedimentos para encerrar o inédito caso que engolia a periferia e já se arrastava para a cidade.
A burocracia para exumação foi prontamente atendida, a vereação dos cemitérios da autarquia, sabia da porção de terra que guardava o corpo.
Numa tarde lúgubre de sábado, procedeu-se a reconstituição do corpo e o reenterro.
O desmoronamento do Textáfrica de Chimoio jamais será um caso isolado, está inserido num contexto em que todo o futebol moçambicano perdeu o entusiasmo dos tempos. Ou seja, nos primórdios da independência nacional, o nosso país era um imenso alfobre futebolístico, com tendência a inesgotável, mas é reduntante dizer isso. Era um transbordante estendal com jogadores de topo, talhados naturalmente para grandes exibições em qualquer parte do mundo, e eles mostravam esse talento nos campos sempre abarrotados, e assim, todos nós acreditávamos que na senda de Eusébio, Coluna, Matateu, Vicente, Matine e outros tantos, seriam estes a embarcar em outros voos. Enganamo-nos!
Jogadores como Orlando Conde, Ângelo Jerónimo, Chababe, Luís Siquice, Terezo, Chinguia, Guiló, Cifrónio, Babarriba, Lóngwè, Marcos I, Marcos II, para citar apenas alguns exemplos dentro de um manancial vibrante sem fim que Moçambique já teve, terão sido injustiçados pela história, impedidos de brilhar noutras galáxias. Fecharam-lhes as portas da luz, então não tiveram outra saída que não fosse a resignação, mesmo assim sem perder a dignidade. Levantaram, em ocasiões infinitas, o Estádio da Machava e muitos outros campos espalhados pelo país, até que as pernas sossobraram. Deixando para trás o seu labor indelével, que será recordado para sempre.
Porém, o que nós não sabíamos e nem esperávamos, era que esses “craques” seriam a última carrada, pois, depois deles os dias de sol começaram a fenecer, até hoje que não temos certeza do futuro, a não ser que Reinildo Mandava reacenda a chama da nossa esperança e fazer-nos acreditar, novamente, que Moçambique é um país de grandes jogadores de futebol.
Nesse tempo de ouro nem sequer precisávamos de televisão, não tinhamos. Bastavam-nos os relatos de João de Sousa, Anuar Mussagy, Saíde Omar e o Domingos Naene para que, na impossibilidade de estar no terreno, acompanhassemos tudo em grupos de amigos, gritando em delírio como se também estivéssemos lá. Eram tempos de glória, corporizados por finas coqueluches. Conheciámos a todos pelos nomes e acreditávamos nas suas capacidades de tornar as partidas em poesia que será declamada do Rovuma ao Maputo. Para gáudio do próprio futebol.
Não haverá nenhum jogo no Estádio da Machava que não seja precedido de romaria. As pessoas, na falta de transporte, iam a pé, ocupando literalmente as bermas das estradas que vão dar ao vale do Infulene. A festa era exalada antes de o jogo começar, numa postura de pátria nunca vista. A Federação Moçambicana de Futebol tinha os seus “sócios” com “bancada-sol” reservada para que o remoínho ressurgisse. Outros, que não terão acesso ao recinto, vão se pendurar nos postes de electricidade lá fora. Mas esse é o resultado da força que o futebol tinha nesse tempo.
Depois, provavelmente a partir dos finais de oitenta e princípios de noventa, a euforia que dava sentido à nossa vida começou a esboroar-se. Fomos ficando sem a quem seguir como ídolo. Os campos foram perdendo o chamaris. Mesmo com a construção do Estádio Nacional do Zimpeto, não haverá motivo para lá ir, salvo em pouquíssimas ocasiões, mais por aliciamento da publicidade, do que propriamente pela crença de que teremos os nossos jogadores a cintilarem. Não é o “Zimpeto” que joga, são os jogadores. Que entretanto já não nos fazem acreditar no futuro.
Pode ser que os procedimentos de justiça na vara comercial do Tribunal Superior de Londres estejam a ser transparentes para as partes envolvidas – juiz Robin Knowles conferencia com todos sobre o avanço do processo e é assertivo nas suas decisões quando as comunica aos directamente interessados – mas o Tribunal Superior de Londres, dizia, não está a ser transparente para a sociedade moçambicana, a principal vítima do calote de 2 mil milhões de USD – com custos estimados para Moçambique na ordem dos 11 mil milhões de USD (ver Custos e Consequências das Dívidas Ocultas para Moçambique Edson Cortês, Aslak Orre, et. al – 2021- Bergen & Maputo: Chr. Michelsen Institute/CIP).
Os efeitos colaterais do calote podem ter custado a Moçambique USD 11 biliões – quase todo o PIB do país em 2016 – e quase 2 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, diz o estudo.
O que está em causa em Londres são os interesses (e o futuro) de milhões e milhões de moçambicanos, e não apenas os interesses e o futuro de uma meia dúzia das elites políticas locais envolvidas na trama. E, em certa medida, os interesses da sociedade moçambicana não estão representados em Londres.
O juiz Knowles devia saber que nem sempre os interesses imediatos dos representantes do nosso Estado correspondem aos interesses estruturantes da sociedade moçambicana. Há um desfasamento entre Sociedade e Estado. O Estado representa, muitas das vezes, uma pequena minoria elitista virada para a acumulação e enriquecimento à custa da sociedade. Foi o que aconteceu com o calote.
De como que a sociedade moçambicana não está necessariamente representada em Londres.
A nossa PGR ainda precisa de mostrar que pratica a transparência, pois a mesma PGR que convocou uma conferência de imprensa há dias, onde disse quanto já gastou com escritórios de advogados em Londres, nunca convocou uma conferência de imprensa para dizer quanto gastou com o escritório Mabunda Inc. em Joanesburgo, para tentar trazer Manuel Chang para Moçambique. Quanto foi?
A PGR foi assertiva quando anunciou o acordo entre o Estado e o Credit Suisse (UBS), mas agora parece que voltou a cobrir-se do mesmo véu de secretismo que sempre vestiu.
Ontem, de Londres chegou um despacho da Reuters dizendo que Moçambique desistiu de uma parte significativa da sua reclamação contra o construtor naval franco-libanês, Privinvest, citando o advogado Jonathan Adkin (Serie Court), que representa a PGR no caso contra a turma do Iskandar Safa. Jonathan Adkin disse que Moçambique desistia da reivindicação de mais de 800 milhões de USD da Privinvest por “perdas macroeconómicas”.
Mas Moçambique abdicou porquê mesmo? Qual foi o racional? Quais os ganhos? No caso do Credit Suisse, o ganho foi um extensivo cancelamento da dívida, de cerca de 600 milhões de USD. E no caso vertente? Qual foi o quid pro quo? Isto não foi ainda explicado detalhadamente nem por Adkin e muito menos pela nossa PGR.
A Reuters citava, também ontem, o advogado da Privinvest, Duncan Matthews, dizendo que Moçambique abandonou o caso contra a Privinvest porque era "inútil" e teria levado a um interrogatório "profundamente embaraçoso" das testemunhas arroladas pela PGR.
Quem são as testemunhas de Moçambique no caso contra a Privinvest?
Das incidências de ontem, o mais espantoso foi o que veio vertido num despacho da Lusa, que rezava assim: o grupo naval Privinvest prescinde de chamar o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, como testemunha no julgamento sobre o caso das dívidas ocultas de Moçambique no Tribunal Comercial de Londres. “Concluímos que não vamos envolver o Presidente Nyusi”, afirmou Duncan Matthews, advogado da Privinvest, falando ao Tribunal.
O que se está a passar em Londres? Moçambique prescinde da Privinvest e esta prescinde da sua obsessão de arrastar o Presidente Nyusi? Como assim? Há um acordo secreto em curso entre a PGR e a Privinvest? Se há, onde é que ficam os interesses da sociedade nesse eventual acordo? Este acordo é uma consequência directa do acordo com o Credit Suisse? Terá o Credit Suisse exigido que assim fosse?
A Privinvest confessou ter subornado (se bem que eles falem em taxa de sucesso) funcionários do Estado moçambicano e do Credit Suisse (estes confessaram em sede de justiça americana que receberam subornos). Ou seja, a Privinvest esteve no centro do calote. Ora, ao abdicar do processo contra a Privinvest, não estaria a PGR também retirando toda a substância ao caso local das “Dívidas Ocultas”?
Se o principal caloteiro, corruptor activo, é perdoado por Moçambique, por que razão quem recebeu suborno, esteve na planilha do Boustani, comprou carros e casas, vai ser mantido em prisão? Falo dos Ndambis, dos Nhangumeles desta vida e companhia.
Ou, depois das eleições autárquicas, vai todo o mundo ser liberto por seus prazos de prisão preventiva estarem precludidos há demasiado tempo? E de repente fica todo o mundo impune, mas nada muda na vida dos milhões de moçambicanos que foram as principais vítimas deste calote. Abdicamos de cobrar a Privinvest, mas continuaremos a pagar milhões e milhões de uma dívida odiosa. Será este o nosso fim? Afinal, o que está a acontecer em Londres?
Assinaram-se os acordos gerais de paz, em 1992, e até hoje nunca ouvi uma mínima voz humildando-se e pedindo desculpas pelos horrores dessa estúpida guerra. Ninguém, até hoje, já procurou mediadores para preparem os acordos de pedido de desculpas às milhares de famílias destruídas e fuziladas em nome do desenvolvimento, democracia e marxismo. Ninguém!
Quem já pediu desculpas ao Rogério Dimande, meu antigo professor, que foi higienizado as duas mãos por uma catana, enquanto assistia aos seus pais sendo deslocados vivos por uma corda para as profundezas de uma latrina? Quem já pediu desculpas a mim, pelos setenta e tal familiares meus fuzilados no Massacre de Homoíne?
Não falo da Frelimo, da Renamo, do Governo, falo do pedido de desculpas que nunca ouvi, falo das acusações que todos trocam sem se dar um minuto para arrancar a dentadura do silêncio e colocar entre as gengivas uma simples frase: “pedimos desculpas a todos pelas mortes”.
De 1992 até cá, quem já se humildou, quem já condecorou com um pedido de desculpas a milhares de crianças, que hoje são pais, que cresceram sem saber o peso, a doçura das palavras pai, mãe na boca? Como alguém que nunca teve um pai pode ser um pai?
Em outros feriados, assistimos condecorações, distribuição de medalhas de mérito e coragem, graduação infantil de heróis. E hoje, 04 de Outubro, quem merece tudo isso? Haverá coragem de chamar todas as vítimas dessa guerra, sacudi-las o peso da morte e enchê-las de condecorações, medalhas e certificados? Haverá coragem de reconhecer que são heróis as crianças que cresceram sem pais, as viúvas que envelhecem sem saber dos corpos dos maridos e as famílias que até hoje tentam ter paz?
Haverá coragem de pedir desculpas a milhares de crianças que foram armadas e obrigadas a matar, aos massacrados e queimados vivos que nem em Roma foram chamados para pelo menos dizer: “vamos pensar no vosso pedido de desculpas”. Podia falar dos massacres, das mulheres estupradas e assassinadas, das mulheres que hoje criam filhos que fizeram nas matas em troca de um naco de segurança, mas falo de um simples pedido de desculpas.
A guerra civil acabou, mas quem já confessou que matou e pede desculpas? Quem, dos fazedores da guerra civil, já parou um minuto para confessar um pecado, um crime e apontar uma vala comum qualquer que ajudou a cavar? Quem desses chefes já parou um instante para orar, não pela democracia, não pelo desenvolvimento, não pelo marxismo, mas pelas pessoas que matou. Quem, embezerrado de arrependimento, pediu desculpas pelas minas que serraram pernas e transformaram em pó a vida de muitos moçambicanos? Quem já se humildou?
“Em termos mais objectivos, Moçambique não conhece a PAZ desde o ano 1498, altura em que os portugueses escalaram o país, pese embora, a exploração e expansão efectiva se tenha dado no século XIX. A Luta para a Libertação de Moçambique teve início a 25 de Setembro de 1964 e os Acordos para a Independência a 07 de Setembro de 1975.
Depois do Colonialismo Português, seguiu-se a Guerra patrocinada por estrangeiros, mas que eram os moçambicanos a matarem-se uns aos outros. Esta guerra teve início a 30 de Maio de 1977, cujos acordos definitivos foram assinados a 06 de Agosto de 2019 entre o Governo de Moçambique e a Resistência Nacional Moçambicana, o chamado Acordo Definitivo de Paz".
AB
Moçambique conheceu o início da ocupação portuguesa em 1498, mas seria no Século XIX que inicia uma exploração intensiva das colónias africanas, devido à perda de influência no Brasil e na Índia. É preciso notar que desde a ocupação portuguesa em 1498, Portugal nunca tinha enfrentado uma revolta digna desse nome, sendo em 1961 a primeira vez em que há uma insurreição armada em Angola. Em Moçambique, a insurreição armada teve início a 25 de Setembro de 1964, na nortenha província de Cabo Delgado.
A luta de Libertação Nacional teve como seu presidente o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane e seu vice-presidente o Reverendo Uria Simango. Por motivações que, sendo relevantes, não serão abordados nesta reflexão sobre “os difíceis caminhos para a paz em Moçambique”, a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique e o Governo Colonial Fascista Português viriam a assinar o Acordo de Lusaka em Setembro de 1974, que deu lugar à declaração de cessação de guerra a 08 de Setembro de 1974.
Nos acordos de Lusaka, entre a FRELIMO e o Governo Colonial Fascista Português, estabelecia-se o calendário da Independência Nacional, que passava pela criação do Governo de Transição, que teve como líder Joaquim Alberto Chissano. Como disse antes, a insurreição armada foi declarada pelo Dr. Eduardo Chivambo Mondlane e os Acordos de Lusaka foram assinados por Samora Moisés Machel, sendo seu vice-presidente Marcelino dos Santos.
A independência Nacional viria a ser proclamada a 25 de Junho de 1975, pelo Presidente da FRELIMO, Samora Moisés Machel, e a designação do Estado Moçambicano seria a de República Popular de Moçambique. Esta decisão da FRELIMO criou alguma instabilidade no seio da comunidade portuguesa que receava pelas relações com o novo Governo e estima-se que aproximadamente 170 mil portugueses se teriam retirado de Moçambique, sendo que alguns foram para Portugal e outros refugiaram-se nos países vizinhos como a África do Sul, Rodésia de Ian Smith e Malawi. Seria, precisamente, na Rodésia de Ian Smith onde decidem organizar-se para lutarem contra a independência de Moçambique.
Desta decisão, resultara a criação da RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana, que teve como seu primeiro líder André Matade Matsangaissa. Esta guerra tem início a 30 de Maio de 1977 e o apoio logístico foi patrocinado pela Rodésia de Ian Smith. Repare que o início da Guerra entre o Governo da República Popular de Moçambique e a RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana acontece em menos de dois anos de independência nacional. O suporte humano foi totalmente moçambicano, começou com um pequeno contingente e muito rapidamente atingiu números astronómicos!
No ano de 1980, a Rodésia de Ian Smith colapsa e a ZANU proclama a independência. A Rodésia passou a chamar-se Zimbabwe e a RENAMO foi obrigada a retirar-se daquele território para a África do Sul do Apartheid. Com a intensificação dos combates, o Governo de Moçambique decide estabelecer o Acordo de Paz com o Regime da África do Sul do Apartheid, que foi assinado a 16 de Março de 1984. O acordo previa, entre outros, a cessação do apoio à RENAMO por parte da África do Sul, o que não chegou a acontecer, pois, a África do Sul intensificou o apoio e a RENAMO por esta altura chegou aos 20 mil homens. Veja abaixo os alvos preferenciais da RENAMO e o trabalho que o Presidente Samora Moisés Machel realizou em contrapartida.
“A Renamo atacou um grande número de entidades governamentais, tais como administrações distritais, escolas e hospitais. Além disso, destruiu também várias estradas e vias de comunicação. Estas acções tiveram um enorme papel desestabilizador na economia, uma vez que não só obrigaram o governo a concentrar importantes recursos numa máquina de guerra, mas principalmente porque levaram ao êxodo de muitos milhares de pessoas do campo para as cidades e para os países vizinhos, diminuindo assim a produção agrícola.
Em Dezembro do mesmo ano (1986), o presidente Samora Machel teve um encontro internacional em Lusaka, Zâmbia, com Hastings Banda, Kenneth Kaunda e Robert Mugabe, presidentes do Malawi, Zâmbia e Zimbabwe, respectivamente. Machel conseguiu convencer Banda a cessar o seu apoio à Renamo. Na sua viagem de regresso a Moçambique, o Tupolev Tu-134, avião cedido pela União Soviética no qual Machel viajava, junto com muitos dos seus colaboradores, despenhou-se em Mbuzini, nos montes Libombos, localizados em território sul-africano próximo à fronteira com Moçambique. O acidente foi atribuído a erros do piloto russo, mas ficou provado que este tinha seguido um rádio-farol, cuja origem não foi determinada. Este facto levou a especulações sobre uma possível cumplicidade do governo sul-africano. Então, Joaquim Chissano foi eleito como o sucessor de Machel. Chissano era Ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1975”.
In Wilkipedia, Enciclopédia Livre, Guerra Civil em Moçambique
Com a morte do Presidente Samora Moisés Machel e sua comitiva, nas colinas de Mbuzini, na África do Sul, a Frelimo decide indicar Joaquim Alberto Chissano para Presidente da Frelimo e da República Popular de Moçambique e este continua com as políticas de busca de Paz iniciadas pelo Presidente Samora Moisés Machel e intensifica a aproximação com a Renamo, o que culminaria com a indicação de Delegações de Alto nível por parte do Governo de Moçambique, liderada por Armando Emílio Guebuza e da parte da Renamo por Raul Domingos que em Roma trabalharam para o alcance da Paz, cujo acordo seria assinado a 04 de Outubro de 1992.
O Acordo Geral de Paz teve como protagonistas o Presidente da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, e o Presidente da República, Joaquim Alberto Chissano. Um dos passos importantes que o Governo teve de dar foi a Revisão da Constituição da República, abrindo espaço para a economia do mercado e o multipartidarismo em Moçambique. De referir que já estava em curso a implementação do PRE - Programa de Reabilitação Económica, em que o Estado Moçambicano abdicou da gestão da economia, cedendo ao sector privado e, na área de habitação, a APIE- Administração do Parque Imobiliário do Estado vende as casas aos seus inquilinos, de entre vários condicionalismos impostos pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
O Acordo Geral de Paz também abriu espaço para as eleições periódicas, no caso, de cinco em cinco anos. As primeiras aconteceram em 1994, ganhas pela Frelimo e seu candidato Joaquim Alberto Chissano, tendo ficado para atrás Afonso Dhlakama da Renamo. Nas segundas, a Frelimo e Joaquim Chissano voltaram a ganhar e a Renamo e Afonso Dhlakama voltaram a perder. Nas terceiras, o candidato da Frelimo foi Armando Emílio Guebuza e da Renamo continuou Afonso Dhlakama, que voltaria a perde-las mais uma vez, tendo perdido nas seguintes, igualmente, com o candidato da Frelimo Armando Emílio Guebuza.
Na segunda derrota para a Frelimo e Armando Guebuza, Afonso Dhlakama decide retirar-se da Cidade Capital para a Cidade de Nampula e, posteriormente, para as matas de Sofala onde reiniciam as hostilidades militares, em 2012 e viria a assinar o Acordo de Cessação das Hostilidades Militares a 05 de Setembro de 2013 com o Presidente Armando Emílio Guebuza. Nas eleições seguintes, a Frelimo teve como candidato Filipe Jacinto Nyusi, que viria a ganhar copiosamente e a Renamo de Afonso Dhlakama instala um “braço-de-ferro”, recusando reconhecer os resultados e exigindo governar nas Províncias onde, alegadamente, tinha ganho as eleições. Isso não foi aceite pela Frelimo e seguiram-se negociações que culminaram com o Acordo entre o Governo e a Renamo, tendo sido protagonistas Filipe Jacinto Nyusi e Afonso Dhlakama.
Este Acordo não teve muito sucesso, do ponto de vista da sua implementação. Não irei aqui entrar em detalhes, mas o certo é que a Renamo e Afonso Dhlakama continuaram a protestar o que culminou com o retorno às matas da Gorongosa. A circulação Sul-Centro-Norte era quase impossível, funcionava à base de escolta que, não poucas vezes, era atacada e várias pessoas mortas e meios materiais destruídos, entre bens públicos e privados. Ainda assim, o Presidente Filipe Nyusi manteve o compromisso de Paz e continuou à procura de Afonso de Dhlakama para negociar o fim das matanças, tendo iniciado com trégua por tempo determinado, renovado creio que duas vezes e depois viria a trégua por tempo indeterminado, que abriu espaço para encontros entre o Chefe do Estado e Afonso Dhlakama nas matas da Gorongosa.
Enquanto gozávamos as tréguas por tempo indeterminado, o povo moçambicano viria a ser abalado pela Notícia da morte do Líder da Renamo Afonso Macacho Marceta Dhlakama nas matas. Foi uma morte natural, por doença, a 03 de Maio de 2018, e seguiram-se momentos de incerteza. Mas muito rapidamente a Renamo reorganizou-se e indicou o General Ossufo Momade como seu coordenador interino, no Congresso da Renamo, realizado na Gorongosa, com participação de 700 Delegados e 300 Convidados em Janeiro de 2029. Ossufo Momade é eleito presidente, nestas eleições, derrotando Elias Dhlakama que ficou com 238 votos, Manuel Bissopo com sete votos e Juliano Picardo com cinco votos, Herminio Morais retirou a sua candidatura.
As eleições foram contestadas de forma veemente e dessa contestação surgiu a ala militar que desafiou a Renamo de Ossufo Momade e ficou nas matas, considerada a ala dos Generais. Esta ala não teve sucesso político, no entanto, foi usada para “divisão” da própria Renamo, o que fez com que perdesse as eleições de 2019 de forma marcante. Devido a esta continuação das hostilidades, o Governo foi obrigado a assinar outros dois Acordos com a Renamo, tendo sido protagonistas o Presidente da República Filipe Jacinto Nyusi e o General Ossufo Momade. Trata-se do Acordo de Cessação das Hostilidades Militares a 01 de Agosto de 2019 e do Acordo de Paz Definitiva, a 06 de Agosto de 2019.
Não haja dúvidas que o real fim das hostilidades militares é celebrado com a chegada ao fim do processo de DDR – Desmobilização, Desmilitarização e Reintegração dos Homens residuais da Renamo que se encontravam espalhados pelas várias bases criadas durante o período de Guerra. Isso aconteceu a 23 de Junho de 2023, ou seja, a nossa busca de Paz é incessante e continua com a reintegração dos homens da Renamo na sociedade, o que, até hoje, pode-se considerar de bem-sucedido.
Adelino Buque