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BCI
quarta-feira, 26 dezembro 2018 05:39

Carta

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Estamos arrumando a nossa casa para melhor exercemos a democracia no nosso país. Isso é certo e espera-se que avancemos num mecanismo de participação em que todos acreditem. É isso que se passa na nossa casa. Mas nós não vivemos fora do mundo. Esse mundo não começa fora das fronteiras. Houve um tempo em que essa linha de fronteira demarcava o “dentro” e o “fora”. Não é mais assim. Um amplo e poderoso sistema de comunicações faz que o “fora” viva dentro de nossa casa.

Esse mundo “exterior” atravessa vive sobressaltado por algo que ele mesmo não tem capacidade de entender. Eis o que parece evidente: um certo modelo de democracia entrou em profunda crise. Esse modelo assentava nos clássicos partidos políticos, nos sindicatos e todo o sistema de poder exercido em representação de forças políticas bem conhecidas. Tudo isso está agora severamente abalado. Um pequeno grupo de descontentes parece hoje possuir mais força de mobilização que um partido político de tradições históricas. A Europa é um caldeirão onde essas forças subitamente emergentes parecem abalar não apenas os regimes mas a própria ideia da democracia. Grupos sem nome nem identidade definida (com os “coletes amarelos”) fazem estremecer os governos bem mais do que qualquer convencional força da oposição. A própria natureza da “oposição” necessita ser questionada nas actuais condições.

 

E hoje há debates apaixonados e intermináveis sobre aquilo a que já se chama a “morte” da democracia tal como a conhecemos. Uns dizem que são os próprios pilares do sistema democrático que devem ser questionados. Outros defendem que se trata apenas de repensar um formato que se deixou envelhecer. Talvez o mais importante, para nós, seja pensar numa das mais óbvias lições desta crise: é que ela acontece porque os políticos se deixaram embrulhar num estereótipo que os classifica como corruptos, venais e incapazes. Esta generalização é grave não tanto porque não seja inteiramente verdade mas sobretudo porque, ao desclassificar os políticos, se desclassificou a própria política. E a política é o nosso modo de fazermos juntos a sociedade onde vivemos juntos. Ao lançar ao lixo a “política” acabou por se espalhar a ideia que ela é, por essência, uma coisa suja. E assim se convida os cidadãos a abandonar a cidadania, se encorajam as pessoas a entregar aos “políticos” que restam a gestão do nosso bem comum.

 

Esta desmoralização da política é apenas a ponta de um novelo que é espesso. Precisamos urgentemente de salvar a política. Precisamos de consolidar o direito de participar. Precisamos de políticos de mãos limpas que moralizem a gestão dos governos e o controle dos interesses públicos. E precisamos de enfrentar o debate sobre a crise da representatividade partidária nas condições concretas de Moçambique. Se não o fizermos seremos, uma vez mais, acordados quando o leão já estiver dentro de casa.

Sir Motors

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