Os americanos são exímios na "real politik". Ontem no rescaldo das eleições, a embaixada local dos EUA emitiu um comunicado prometendo trabalhar com Nyusi. Vêm aí cinco anos de uma etapa "transformational" para Moçambique, dizem. É claro que o gás entra aqui na equação, embora os redactores do comunicado evitassem falar do que estará por detrás dessa transformação. Mas todo o mundo sabe: o gás do Rovuma. O que não se sabe, mas suspeita-se, é que quem vai tirar maior benefício do gás é o capital estrangeiro, e a Exxon não escapa.
No dia da confirmação de Nyusi, numa cerimónia apagada, os yankees disseram que os delitos eleitorais foram graves, numa pretensa solidariedade com a sociedade civil, a oposição e alguma observação eleitoral. E agora? Agora esperam que o Governo melhore a gestão das eleições, imprimindo transparência. Nada mais! A política, na sua versão mais cínica, segue dentro de momentos.
A América abandonou os condicionalismos do passado. Agora dorme abraçada à Ponta Vermelha. Esse casamento estratégico para Washington e de conveniência para Filipe Nyusi já estava anunciado. Há poucas semanas, os americanos acenaram com o MCC (Millennium Challenge Account), dinheiro a fundo perdido de apoio ao desenvolvimento, que foi cortado a Moçambique por comprovada corrupção.
Ninguém foi responsabilizado. Mas seus critérios assentam na transparência. E justamente quando ela (a transparência) é uma miragem na gestão dos dinheiros públicos, incluindo processos eleitorais (o pior de todos foi a recente eleição), a América premeia Maputo com esse fundo.
É óbvio que isso decorre de seus interesses estratégicos e não dos interesses do povo de Moçambique. Daí o episódio bizarro da revelação em Brooklyn, pelo FBI, de um New Man sem rosto, num golpe de misericórdia que remete para a geopolítica: o Canal de Moçambique, fundamental na presente guerra imperialista.
Nunca no passado Moçambique esteve tão vulnerável aos apetites do capital ocidental (a saga das “dívidas ocultas” foi instrumental para a erosão de nossa capacidade negocial no plano na cooperação internacional) e nunca os americanos ofereceram almoços tão grátis, despidos das habituais condições de democratização e anti-corrupção. Pior, nunca se viu tamanha complacência americana para com a corrupção e a má-governação eleitoral em Moçambique.
Seus interesses jogam mais alto.
De modo que a expressão "transformational" deve ser bem analisada. Há que ficarmos atentos para discernimos até onde vai a pura essência de um casamento consumado com noiva vestida em saia justíssima, e qual será o verdadeiro "quid pro quo" de Washington e seus potentados empresariais em Moçambique.