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domingo, 15 julho 2018 13:06

O arrepio de Teodato Hunguana ou a Frelimo “Lite” entre a lucidez e a cumplicidade

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De tempos em tempos, os representantes da corrente “lite” da Frelimo acenam cá para fora e dão conta de que existem e estão atentos e podem ser uma força de contestação quando a Frelimo “hard core”, a corrente radical, que dirige o Estado, tende em inverter a marcha do progresso. Sem poder, a corrente “lite” ocupa os espaços mediáticos, lançando sinais de reprovação quando a Frelimo radical tenta empurrar o país para o caos.


Teodato Hunguana surgiu semana passada em momento oportuno criticando a chantagem da Frelimo radical ao protelar os novos comandos legais inerentes à recente revisão constitucional, que visam “aprofundar” a descentralização. Ele se descreveu como estando arrepiado. E disse que o aprofundamento da descentralização era fundamental para a consolidação do Estado moçambicano e não tinha de depender do interesse de um único partido. Nesse mesmo dia, Filipe Nyusi (o PR, que se situa no campo da Frelimo radical) estava acertando com a Renamo um arranjo para a desmilitarização, agora sem a chantagem parlamentar.


A Frelimo “lite”, onde se encaixa uma boa franja de militantes herdeiros da vertente moral da personalidade de Samora Machel, tem surfado entre a lucidez e a cumplicidade. Ela esteve lúcida quando em 2014 bloqueou a intenção de Armando Guebuza em se reproduzir no poder depois de dois mandatos. Ela forçou aquelas tristemente célebres eleições internas, ganhas por Nyusi. Foi bom para a democracia interna, apesar da evidência de compra de votos. Nessas eleições, a candidata representativa da corrente “lite”, Luísa Diogo, foi derrotada.


Mas meses depois, ela, a corrente “lite”, tinha de impor novamente seu tom. Em 2015, quando Afonso Dhlakama se começa a rebelar, e o constitucionalista macabramente assassinado Giles Cistac, um francês que se naturalizara moçambicano, defende a possibilidade de um aprofundamento da descentralização dentro do actual quadro constitucional, a Frelimo radical prefere a via armada. A corrente “lite”, através das vozes de Óscar Monteiro e Jorge Rebelo, surgem carimbando a posição de Cistac, em mais um assomo de lucidez, criando na sociedade o sentimento de que ela não estava órfã, que havia vozes dentro da Frelimo capazes de enxergar longe e espalhar seu altruísmo.

Mas não foi assim com a crise da dívida oculta. Aqui a corrente “lite” optou pelo silêncio cúmplice. Sua proximidade relativamente ao massivo procurement militar e ao processo decisório de finanças públicas (com actores assumindo altos cargos na banca privada, na supervisão e regulação do sector financeiro, no sector de auditoria, e no parlamento, todos eles também envolvidos de uma forma ou de outra na contratação da divida) sugere que seus mais dignos representantes tiveram conhecimento, em tempo real, do que se estava a passar. Mas ficaram calados. Nenhum representante desta corrente veio a público denunciar o que estavam a assistir. Havia riscos? Sim. Mas havia também alternativas: vazar a informação para a sociedade. Ninguém fez isso.


Hoje, todos olham de esguelha para o guebuzismo e evitam denunciar a inércia do PR Filipe Nyusi na reparação do problema, através da responsabilização. A cumplicidade por omissão desta corrente da Frelimo só pode ser minorada se ela permitir-se trazer mais evidências dos contornos do endividamento, incluindo conexões que levem à pistas sobre quem encheu os bolsos com os 500 milhões de USD que o relatório da Kroll mostrou terem desaparecido. Os seus assomos de lucidez ajudam na moralização da política em Mocambique mas sua herança vai também estar pintada de negro por causa desta omissão cúmplice. Uma cumplicidade arrepiante.

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