No país das panelas eram as panelas que definiam o 'status' do seu povo. Os que tinham panelas gigantes eram os mais temidos e respeitados. Depois haviam aqueles que tinham as panelas médias, que trabalhavam para os donos das panelas grandes. Haviam também os que tinham panelinhas, que andavam no desenrasque da vida. Por último haviam os sem-panela, esses eram apenas os enfeites demográficos e estatísticos. Na verdade os sem-panela eram o trunfo para os donos das panelas gigantes conseguirem mais panelões em forma de ajudas e donativos da comunidade internacional.
Havia um adágio popular que dizia que 'no país das panelas quem tem panelão é rei'. Os reis, os proprietários das panelas gigantes eram os manda-chuva e não gostavam de críticas. Quem ousasse criticar ou pensar diferente era-lhe arrancada a panela, por mais pequena que fosse. Por isso, haviam milicianos que controlavam os gestos e as falas da população. Esses eram também conhecidos como 'lambe-panelas' ou 'lambe-botas' ou 'lambe-c*s'. Ou seja, esses eram 'lambe-qualquer-coisa'; para eles, o mais importante era lamber. Esses não tinham panelas próprias, não lhes interessava. Preferiam lamber caldeirões alheios a ter que cozinhar e lavar loiça. A preguiça de cozinhar era tanta que preferiram esconder repolho no lugar do cérebro.
Dizia eu que um dia o país das panelas viu-se mergulhada numa grande e devastadora confusão. Tudo começou quando um ano antes, Deus enviou um dilúvio sem precedentes à terra das panelas. O Idai, como era chamado, devastou áreas habitacionais e de cultivo destruindo tudo e todos. Fala-se de milhares de mortos e desaparecidos. Foi daí, então, que os reis emprestaram quatro das suas panelas gigantescas aos sem-panela que viviam num centro de acolhimento. Os caldeirões eram geridos pelo Excelentíssimo Senhor Administrador do distrito onde os sem-panela foram acolhidos. Os utensílios foram usados até os sem-panela retomarem a sua vida normal de não ter panela própria.
Reza a história que 600 dias depois, no tempo do confinamento compulsivo, dois panelões sumiram. Ou seja, não regressaram aos seus donos. As vasilhas foram procuradas, mas nunca achadas. Os reis enviaram ao administrador uma missiva de resgate das panelas grandes, e nada. O chefe do distrito nunca deu resposta, apenas o silêncio de confissão. Era praticamente uma declaração de guerra.
O SERNIC foi acionado para investigar o sumiço das caldeiras. O Parlamento foi forçado a criar uma comissão de inquérito para averiguar o caso. O comandante em chefe das Efe-Dê-Esse ordenou a retirada de todo o contingente militar que se encontrava em Cabo Delgado para fazer buscas na residência do administrador de Maringué, onde se supõe que as super-panelas estejam escondidas. O Chefe do Estado fazia discursos à nação a cada meio-dia. Uma comissão da Ó-Eme-Eme foi enviada para vasculhar as partes íntimas da primeira dama do distrito, ao mesmo tempo que os filhos do administrador estavam a ser interrogados na sede da Ó-Jota-Eme.
Era o caos total. A SADC foi informada e milhares de soldados e especialistas em resgate de utensílios domésticos foram enviados. Uma força conjunta da União Africana já estava na despensa do administrador com ímanes. O Parlamento Europeu foi chamado a fazer o seu posicionamento. Os Capacetes Azuis da ONU já tinham montado as suas tendas no quintal do palácio distrital. A Ó-Eme-Esse falava da necessidade de observância de um intervalo mundial para a Covid-19 porque a preocupação flagrante e imperiosa eram as panelas gigantes do I-Ene-Gê-Cê. O Vaticano já tinha enviado o Bispo de Roma para benzer o quintal do palacete de Maringué.
Enquanto isso, os Estados Unidos acusavam a Rússia de ter desviado as caldeiras. A Rússia dizia que não iria mais aceitar essas acusações. O Conselho de Segurança da ONU falava de intromissão da Rússia e seus aliados em assuntos culinários alheios.
Era tudo uma grande confusão. Um turbilhão. Não sei como isso acabou, só sei que o país continuou o mesmo... das panelas. Não era de surpreender: o camarada Administrador queria apenas se sentir rei.
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