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segunda-feira, 12 outubro 2020 05:41

Stélio Craveirinha, peço perdão!

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Dizem que perdeu a vida, ontem, um cidadão chamado Stélio Craveirinha. Dizem que era moçambicano. Dizem que nasceu em 1950. Dizem que era filho de José Craveirinha, o nosso poeta-mor. Dizem foi um atleta e amante ferrenho do atletismo. Dizem que participou dos Jogos Olímpicos de Moscovo, em 1980. Dizem que alcançou a fasquia dos 6,94 metros nas eliminatórias do salto em comprimento. Dizem que foi um recordista. Dizem que foi o primeiro treinador da Lurdes Mutola, a nossa Menina de Ouro. Dizem que também treinou a Argentina da Glória. 

 

Tudo isso está a ser dito agora que ele morreu. Homenagem 'post mortem'. Um currículo patriótico e nacionalista sendo promovido no obituário. E as pessoas querem que os moçambicanos chorem a morte deste patriota e nacionalista que perdeu a vida no anonimato assim como choraram a morte do basquetista norte-americano. Hoje, Stélio Craveirinha inundou os noticiários. Daqui a pouco havemos de ver mensagens do Chefe do Estado exaltando a sua memória. Até dos dirigentes desportivos. Vai ter um funeral cheio de gabarolices do Estado.

 

Como é que um cidadão com o pedestal do Stélio, como hoje se fala, não era conhecido? Eu - modéstia a parte - sou um cidadão informado, mas nunca ouvi falar do Stélio. Um homem que marcou o desporto nacional morreu aos 70 anos sem um único parágrafo para a posteridade. Hoje, dizem que 'o desporto moçambicano perdeu uma das suas figuras emblemáticas e carismáticas que muito contribuiu para o desenvolvimento do atletismo nacional'. Palhaçada!!! Que 'figura emblemática'!!! Quem 'emblemou'?! Quando?! Como?! Carismática?! Aí é?!

 

Não conseguimos promover os feitos do Stélio em vida, mas temos a coragem de gastar o erário público construindo estátuas de um indivíduo que foi desconfiado de ter disparado o tiro inaugural da guerra libertária. Desconfiado porque agora temos sérias dúvidas desse tiro de abertura. Hoje é apenas um indivíduo suspeito de ter iniciado uma guerra que já tinha iniciado. Se calhar estamos a exaltar narrações sobre um fulano que as zero horas daquele histórico dia de Setembro estava a beber 'cabanga' algures nas margens do Rovuma e sequer chegou a ir a tal emboscada. Pois é! Não conseguimos dar ao Mister Stélio a sua mais do que merecida página na nossa história (desportiva) quando a imprensa pública passa a vida a reproduzir epopeias mal contadas de heróis gananciosos. 

 

Dói a alma, juro! Gostaria de falar do Stélio com a mesma propriedade que falo do Samora, do Guebuza, do Mondlane, do Chipande, do Nhangumele, da Lurdes, do Eusébio, do Chang, do Chissano, do Malangatana, do Salimo, e doutros 'heróis'. Pelo que se conta, Stélio Craveirinha é um professor. Gostaria de mandar um 'RIP' encharcado de emoção como aquele que mandei ao Kobe Bryant. Aqui na pátria a(r)mada, até a nossa Menina de Ouro só brilha em períodos de campanha eleitoral. Somos especialistas em apagar histórias e pintá-las quando nos convém.

 

Infelizmente, Mister, muitos dos nossos heróis foram deliberadamente arrancados das páginas da nossa História. Talvez, por isso, as nossas enciclopédias estão repletas de heróis que têm medo de ir à África do Sul. Heróis que não conseguem olhar para Mahindra de frente. Na verdade, os nossos livros de História são autênticos mandados de busca e captura. Os nossos compêndios de História deviam já vir com uma ordem de prisão para os personagens na contracapa.

 

Enfim, desfrute do seu eterno descanso Mister Stélio! É lhe merecido, depois de longas corridas e altos saltos. Peço perdão, professor, por não ter te conhecido! É o país... onde morres ainda vivo. O país do politicamente correto. 

 

- Co'licença!

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