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terça-feira, 15 setembro 2020 06:10

Emboscadas comunicativas

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O Estado deve resgatar o seu papel de fonte credível e privilegiada de informação sobre o teatro das operações de Cabo Delgado. Quando o assunto é a guerra de Cabo Delgado, a opinião pública deve recorrer a fontes governamentais e estatais, assim como o faz com a Covid-19. Quem quiser saber algo sobre a Covid-19 sabe que é só esperar a hora do jornal da noite para se informar. Ou seja, há um esquema informativo criado (caracterizado pela rotina, legitimação, tipificação e profissionalização) que dá credibilidade a informação anunciada. Essas características criam aquilo que se chama de 'contrato social' com o povo. 

 

Este 'contrato social' faz com que, por exemplo, as pessoas vejam a senhora Rosa Marlene, o senhor Samu-Gudo, o senhor Ilesh, etecetera, como os detentores de informação credível e legítima. Por exemplo, se você disser que hoje houve mil casos positivos e disser que foi a doutora Marlene que disse, ninguém vai perguntar mais nada. Significa que a informação veio de uma fonte credível e legítima.

 

Ora, o que o nosso Estado tem feito em relação a Cabo Delgado é aquilo que eu chamaria de emboscada comunicativa. O Estado lança uma informação e foge; manda uma indirecta e desaparece; responde a uma informação veiculada nas redes sociais e some; dá uma meia-informação e baza. O Estado não comunica; ele ataca as comunicações dos outros e desaparece. O Estado não informa; ele dispara contra as informações dos outros e foge. O Estado não criou ainda o seu próprio esquema de comunicação com o povo. Não há um fluxo de informação claro, credível e legítimo. Ou seja, o Estado especializou-se em fazer guerrilha contra a opinião pública. Especializou-se em fazer emboscadas comunicativas e esconder-se no segredo do Estado. O Estado assalta o que os outros dizem. O Estado virou o bandido da história. 

 

Sobre o vídeo que viralizou ontem nas redes sociais o Estado não sabe o que dizer. Só sabe dizer que aquilo é condenável e que o povo deve se manter vigilante. Não assume nem desmente as atrocidades cometidas contra aquela pobre mulher. Neste momento, deve estar a decorrer uma conferência dos 'cabeças de repolho' para prepararem uma emboscada contra o vídeo. A estratégia, desta vez, será de ameaçar e culpar as pessoas que partilharam e comentaram o post. Aqueles que colocaram 'laike' serão todos notificados pela dona Buchili. Com um pouco de azar, vão dizer que o celular que filmou é do Bispo Dom Luíz Fernando Lisboa e aqueles jovens fardados são acólitos da diocese de Pemba. 

 

Manter as pessoas informadas não significa publicar informações classificadas ou secretas. Não significa publicar esquemas, tácticas ou estratégias militares. Não! Significa disponibilizar uma equipa de técnicos e profissionais para sanarem as dúvidas sanáveis, para responderem as perguntas respondíveis. Sempre tendo em conta a sensibilidade da informação, evidentemente.

 

Hoje em dia, sobre Cabo Delgado, o Estado moçambicano passou de vítima para suspeito devido ao seu descaso. O silêncio deliberado faz do Estado/Governo um cúmplice. Assim parece que o Governo tem algo a esconder e os insurgentes têm alguma razão de se insurgir. Morreu a verdade. A cada informação veiculada e a cada vídeo publicado morre a verdade por asfixia. E com a verdade morre também a confiança e a esperança do povo.

 

Eu estudei Jornalismo com gajos do Ministério da Defesa, até do SISE. Haviam até gajos do Quartel General. Sei também que alguns se especializaram dentro e fora do país. É hora de chamar esta gente. O Estado deve rever a sua forma de se comunicar com a opinião pública... sem arrogâncias. O Estado deve parar com esta guerrilha informativa. O Estado deve parar com estas emboscadas comunicativas. O Estado deve parar de se confundir com o bandido da história. 

 

- Co'licença!

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