Queria escrever-te uma carta de amor, daqui onde me encontro contemplando o mar da minha imaginação, mas estou vazio por dentro, encharcado pela demora do teu beijo. Estou por de cima da calçada. Desesperado. Ardem-me por dentro as palavras sufocadas neste caminho que já não sei para onde vai. Quero gritar e sinto medo do desiquilíbrio. Faltam os carrimões, e não tenho nada nas mãos senão o formigueiro criado pelas incertezas. Se eu cair para este lado, serei devorado pelas chamas. Se cair para aquele lado, a almofada do meu corpo serão os corpos frios das serpentes. E agora, meu amor!
Este silêncio está-se tornando um sismo. Cada vez que tento a repetição das canções buriladas pela solidão, para ver se espanto a ansiedade que me caustica, a minha voz vacila mais profundamente. Não oiço nada. Nem o murmúrio do mar. Nem o vacalizar inaudível do meu próprio coração. Nem nada. O que sinto são as espigas de aço. Perfurando-me. Danificando-me a alma ardente do teu amor. Acho que tudo isto é a chegada do fim.
Não saio da calçada. Não consigo sair. Cada vez que tento, aumentam as labaredas do silêncio que me lavra. Sem misericórdia. Vejo os corvos rindo-se de mim neste momento em que desejo escrever-te a carta que pode ser a derradeira. Não oiço nada, meu amor. Nem o cantar sinistro do vento que muda o rumo das gaivotas. Mas eu mantenho nas mãos o papel e a caneta, sem a certeza de nada. Aliás a única certeza que tenho é de que vou ruir. Essa é a única certeza que eu tenho.
Meu amor! Até o blues, que sempre me fortificou em noites de medo, silenciou-se. Era o blues que me inspirava, e agora não consigo escrever nada. Nem uma carta para ti. Estou aqui de cócoras, como um guarda-redes de hóquei em patins, e o meu stick é a caneta que trago numa mão, entretanto sem conseguir riscar o papel que seguro noutra mão. Tremo nos fundamentos do meu ser. O vento está quase a derrubar-me. Sibila as estrofes do inferno, com garrafas explodindo sangue no lugar de champanhe.
E agora, meu amor! Agora que o silêncio se transformou em sismo! E agora! Resta-me esperar pelo destino que o vento vai-me dar. Se me empurrar para este lado, serei devorado pelo fogo. Se me empurrar para aquele lado, também serei devorado pelo fogo. O pior é que nem posso fugir.
Meu amor!
Essas boladas das dívidas ocultas, Odebrecht, Embraer, I-Ene-Esse-Esse e quejandos são novidade para nosoutros. Os Changs, Leões, Setinas, Zuculas, Helenas e filhos&esposas limitada não são de hoje. Estavam mesmo aqui ao lado maracutaiando e comendo a vida com colher grande e sendo aplaudidos.
O pior é que os acólitos do sistema faziam cortinas de ferro na mídia à essas roubalheiras a troco de vinhos e promessas de cargos. Alguns são esses académicos que hoje acordam publicando cartas de indignação extemporâneas.
Dizia eu, os gatunos de amanhã estão hoje na forja sendo esculpidos. Posso garantir que amanhã um ministro vai entrar na "djela" por conta dessa bolada de camiões de transporte de passageiros que foram apresentados na semana passada. Aquilo é bandidagem fria e seca. Só não vê quem não quer. Aquilo não difere das dívidas ocultas. Aquelas carroças não diferem daquelas pranchas de surf adquiridas para pescar atum no mar-alto que hoje desfalecem inertes ali no porto.
Os mesmos acólitos que hoje defendem que aquelas carroçarias são uma grande súbida na vida dos moçambicanos, amanhã estarão envergonhados quando os nomes dos mentores desta iniciativa estiverem em parângonas na imprensa como arguidos. Foi assim com as dívidas ocultas. O grupo que ontem defendia, na imprensa, as boas intenções dos termos de referência daquele negócio, hoje é o primeiro a dizer que o pepino podia ter sido um pouco mais fino.
Não estou a dizer que a população não devia usar estes camiões. Nada disso! Só estou a dizer que colocar uma tomada e internet no "mai-love" não devia ser motivo de júbilo. Não devia ser algo de pompa com ministro a dar a cara. O governo pode dar mais do que isso. O governo pode melhorar as vias de acesso e pode oferecer melhores carros. O governo pode melhorar a mobilidade do cidadão.
Estes camiões são uma vergonha. Não se deve elitizar sofrimento. Nos anos 90 andavamos naquilo e os governantes andavam em Peugeot-504 (que era muito!). Hoje que os governantes andam em últimos gritos de carros com cara de avião o povo não pode ser prendado com apenas uma tomada para carregar celular no mesmo pobre e desconfortante "mai-love". Se se investigar os contornos daquele negócio, vão-se encontrar outros Changs, Nhangumeles, Ndambis, Pearses, Privinvests e companhia.
Aquilo é mafia pura. É uma guengada. É prova de um crime público que vamos testemunhar amanhã. É sempre assim. "Ai-am-telingue-yu!"
- Co'licença!
- O que te mete mais medo?
A pergunta era para mim. Ignorei. Era noite. A guerra dos 16 anos ainda ecoava na cabine do camião Scania que me levava ao distrito de Massingir, província de Gaza. Foi no período entre o Acordo Geral de Paz (1992) e as primeiras eleições (1994). Um papo com o Motorista e o Ajudante sobre os horrores da guerra tornava o eco mais presente. E sempre que passássemos de um local conhecido por alguma atrocidade durante a guerra eu sentia saudades da cidade capital.
- A resposta? Insistiu o Ajudante.
Continuei calado. Confesso que estava com medo de uma emboscada. Era tempo de paz, mas ainda uma incógnita. Perante o meu silêncio restava o Motorista. Este respondeu que não tinha medo de nada, pois os longos anos de estrada e de guerra haviam congelado os seus sentimentos. Uns segundos depois da resposta ele teve que aplicar todos os dotes de condução para imobilizar o camião diante de um repentino corte da estrada. Um senhor corte. Era o início de outros e tantos cortes até poucos quilómetros antes da Vila de Massingir. “Quem fez isto estava muito zangado". Anotou o Motorista.
Depois da lenta travessia pelos sucessivos cortes o Motorista disse que testemunhara cortes semelhantes na zona de Chibabava, província de Sofala. Em seguida cada um foi arrolando histórias reais da guerra dos 16 anos. Umas distantes e outras próximas. O Ajudante mostrou marcas de balas no seu corpo. Eram marcas profundas de combates travados quando esteve incorporado no exército governamental. De tanto ouvir episódios de bravura do Ajudante acabei por achar que estava protegido e já não me ocorria uma possível emboscada durante a viagem.
- E tu? De que tens medo? Era o Motorista que questionava ao Ajudante.
- Tenho medo de caneta. Respondeu prontamente o Ajudante.
- Caneta? Insistiu o Motorista, espantado com a resposta.
-Eu quando vejo uma caneta tremo. Fico com muito medo. Repisou o Ajudante.
Para ilustrar o âmago da sua resposta o Ajudante pegou uma caneta e pediu que respondêssemos quem era mais forte. Pelo tamanho não havia nenhuma dúvida de que era ele, o Ajudante. A caneta mal se via na sua mão. "Só pode ser feitiço". Concluiu o Ajudante enquanto - respeitosamente - guardava a caneta no porta-luvas. Não cabia na cabeça dele de que uma caneta tão longe – em Roma, Itália – fosse capaz de parar a guerra em Moçambique que durante 16 anos a força dos homens e das armas não conseguiram.
"Que a paz seja eterna!”. Foram as preces do "tchim-tchim" pela paz e em nome da caneta que a trouxe e também pelo momento da matinal entrada na Vila de Massingir.
PS: Veio-me à memória este episódio porque esta semana também passei a ter medo de caneta, sobretudo a que foi usada na assinatura do Acordo da Paz Definitiva no passado dia 06 de Agosto: temo que seja a mesma das assinaturas do Acordo Geral de Paz (1992) e do de Cessação de Hostilidades (2014).
Companheiros, confesso que algo me possa ter escapado e, aprioristicamenente, peço desculpas por isso: a assinatura, ontem, do “Acordo de Paz Definitiva e Reconciliação Nacional de Maputo” terá significado, automaticamente, a restrição de alguns direitos fundamentais, em particular a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa? Noto, sem esforço, situações claras de ataques verbais, “vilipêndio público”, acompanhados de catalogações como “inimigos da paz”, dirigidas em particular a cidadãos, jornalistas e órgãos de informação que, mesmo saudando, naturalmente, a “paz definitiva” manifestam reservas quanto à sua sustentabilidade, sobretudo enquanto não se estancarem os aspectos que podem estar na origem de situações ou de ausência de paz efectiva ou de paz pobre. Bem, me dirão que os que “descarregam” sobre os que manifestam as já citadas reservas, a coberto da própria Constituição da República, estão também a exercer a sua liberdade de expressão. Gostaria de ser ingênuo, sobretudo estando por demais claro que todos os “descarregadores” pertencem ao mesmo clube político. A razão, diria o filósofo, tem, pois, razões que a própria razão desconhece!!!
Cada vez mais avultam seminários sobre “fake news”, onde se discute toda a teoria à volta da matéria. Nos eventos são feitas generalizações e, raramente, são apresentados casos concretos de “fake news” produzidos pela imprensa profissional. Aliás, o principal culpado para a profusão do fenómeno são as “redes sociais” e o cidadão comum que, hoje, por via das redes, pode emitir o seu “noticiário”.
Esta semana, a comunicação social moçambicana e alguma estrangeira replicou uma “fake news” a todo o vapor, num golpe inocente contra a sua credibilidade. E muitos leitores não se aperceberam da mentira, dada a voracidade com que hoje se consomem notícias. Os mais atentos riram-se. Eis os factos.
Na passada terça-feira, o “Notícias” publicou um artigo dando conta do acórdão do Tribunal Superior de Recurso (TSR) respondendo a um recurso de três arguidos das “dívidas ocultas”, Ndambi Guebuza, Sérgio Namburete e António Carlos do Rosário, interposto em Fevereiro, solicitando liberdade provisória sob a alegação de que sua prisão tinha sido ilegal. O artigo do “Notícias” era claro, mas não especificava que o acórdão se referia a uma acção imediata da defesa após a legalização da prisão preventiva dos arguidos pelo juiz Délio Portugal.
Na mesma terça-feira, a notícia correu viral. Uma vastidão de jornais, tendo como base o texto do “Notícias”, escrevia que o TSR tinha recusado um alegado pedido de “habeas corpus” dos visados. “Negado mais um pedido de “habeas corpus” de Ndambi Guebuza”, foi um dos títulos num jornal estrangeiro, citando a Lusa. A notícia sobre a recusa de “habeas corpus” percorreu meio mundo, com ecos na imprensa estrangeira. Mas essa replicação do artigo do “Notícias” estava deturpada. Construiu-se uma mentira. Uma verdadeira ”fake news”. A Lusa foi um dos órgãos que embarcou nesse noticiário, eventualmente induzindo os jornais portugueses que replicaram o seu texto, o qual referia taxativamente ao pedido de “habeas corpus”.
Mas o facto é que o TSR não decide sobre “habeas corpus”. Quem decide é o Tribunal Supremo (TS). O TSR estava apenas a reagir a um recurso à prisão preventiva, de Fevereiro, quase cinco meses depois. Ou seja, a menção ao “habeas corpus” foi inventada. Na verdade, o TS tem em mãos, desde 25 de Julho, um recurso extraordinário de “habeas corpus”, interposto por alguns reclusos depois da expiração dos prazos da sua prisão preventiva a 24 de Julho. Mas, apesar de estar sujeito a um prazo constitucional de oito dias para decidir sobre esses pedidos, até ontem o TS não o tinha feito.
O que terá induzido os jornais a concluírem que a decisão do TSR era sobre este pedido de “habeas corpus”? Não sabemos! O facto é que a “fake news” sobre uma alegada recusa de “habeas corpus” pelo TSR a Ndambi e companhia tornou-se viral. E foi uma “fake news” criada e replicada por órgãos de grande respeitabilidade nacional e estrangeira. (Marcelo Mosse)