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ME Mabunda

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terça-feira, 15 novembro 2022 12:29

Os bolseiros moçambicanos no estrangeiro

Um post no Facebook, há uns três meses, a pedir informação a quem a tivesse sobre o paradeiro de um amigo na infância que, a partir de uma das escolas secundárias do distrito de Chibuto, fora para Cuba, em 1977, prosseguir os seus estudos, o Firmino Salvador Mabasso, valeu-me uma grande aproximação formal à Associação dos Antigos Estudantes em Cuba. Grande mesmo, se bem que com muitos deles já desenvolvera uma grande relação de amizade e de cordialidade. Agradeço o acolhimento, consideração e tratamento. Espero, porém, o deferimento do meu pedido de ser membro honorário da Associação!

 

De tal sorte que acabei sendo um dos convidados ao colóquio havido em Maputo, no dia 12 de Outubro, que serviu para assinalar o 45º aniversário do envio dos primeiros 1200 estudantes para aquele país da América Latina ‘ uma vez mais, o meu profundo agradecimento. Sobre esse evento, há poucas semanas passei aqui o resumo.

 

Desde então, ando sem muito sono. E o que me inquieta é que de lá fiquei a saber, de entre muitas outras coisas importantes, que, ao longo de todo o processo, 17 mil compatriotas foram parar na terra do Grande Fidel Castro, em prossecução de estudos em várias áreas. Estes tantos moçambicanos para lá foram, estudaram e quase todos, senão todos eles mesmo, voltaram ao país e deram o seu contributo. Uns, nas ‘diversas’ áreas em que foram formados… outros, nem tanto. Pelo que se disse, estes quadros estão espalhados por todas as áreas e por todos os distritos do nosso país. Até aqui, tudo muito bem. O que já me atravessa a garganta é a sensação que tenho de que o país não fez (e não está a fazer) o devido aproveitamento dos tantos quadros que mandou para Cuba… e não só!

 

Vezes sem conta, foi-nos dado a conhecer que a quantidades consideráveis de compatriotas foram atribuídas bolsas de estudo para diferentes países do globo. Para todo o Mundo. Cuba foi um deles. Mas lembro-me de ter ouvido também sobre a ida de estudantes para RDA - não aqueles que para lá foram trabalhar, como mão de obra -, mas os que foram prosseguir estudos, formar-se em diversas áreas também! Creio que existem/existiram às centenas! Para a URSS (para os macacos velhos); para a China, a República Popular; para a Bulgária, Jugoslávia, Checoslováquia, Hungria, Polônia e Romênia - alguma desta nomenclatura só os macacos velhos e que vão entender!… para todos estes sítios mandamos estudantes para se irem formar. Às centenas e centenas. Para Índia, Europa, África, Ásia… para todo o lado, mandamos a nossa juventude estudar. Até aqui, maravilha! Tudo muito bem! Para desenvolvermos o nosso país, precisamos de gente bem formada, com conhecimento, com saber, com ciência e este (o saber/a ciência) não conhece país de proveniência!

 

As questões que me avacalham a cabeça são: temos dados estatísticos destes envios todos nalgum lugar? Temos alguma base de dados que nos diga quantos jovens mandamos para que país ou países? Estudar o quê? Todos regressaram? Que aproveitamento o país fez/faz desses compatriotas? Há memória institucional sobre todos estes processos? Se temos, está depositada onde? No caso de existir, pesquisadores e ou o público em geral podem ter acesso?

 

Lembro-me de ter ouvido que em Cuba, na União Soviética e na RDA mandamos formar os melhores agentes dos serviços secretos que um país pode ter. Mas também mandamos formar militares de grandes qualidades e capacidades. Fizemos o devido aproveitamento? Podemos ter feito, no devido momento e a idade não para… mas, continuamos a fazer - há coisas que independentemente da idade as pessoas podem continuar a fazer? Já não têm proveito nenhum? Não têm? Parte daqueles 17 mil estudantes já não tem proveito? É isso mesmo? Como é que não têm se o país foi apanhado de surpresa numa guerra fratricida de terrorismo? Ninguem, mas ninguem mesmo, foi capaz de alertar o pais que vinha ai o terrorismo que hoje nos mata a alma, mas… temos gente formada e desmobilizamos!

 

É certo que os mandamos para casa a comprar a paz com a Renamo, mas nada obsta que esses quadros fossem recolocados nas especialidades que o país muito continua a precisar.

 

Continuamos com imensos desafios de desenvolvimento, na educação, na agricultura, nas indústrias e… nos hidrocarbonetos! E dizemos que não temos pessoas formadas! Há uns anos, ouvi que estávamos a mandar estudantes para Angola, para irem estudar petróleos… onde estão? Voltaram? Foram colocados onde? Nunca mais ouvimos nada…Não que o Estado deva empregar todos os quadros a quem dá bolsa de estudo, mas que fizesse o devido aproveitamento… para além do necessário registo!

 

Sem base de dados, sem registo estatístico sério, científico,  sem cadastro profissional, não faremos muita coisa neste nosso desiderato de desenvolvimento do nosso Moçambique!

 

ME Mabunda

terça-feira, 08 novembro 2022 07:50

Graça Machel!… pois, ela e só ela!

MoisesMabundaNova3333

Surpreendeu todo o mundo no último congresso dos camaradas na Matola. Melhor, falando brasileiramente, todo o mundo foi pego de surpresa na última reunião magna do partido sexagenário. Não foi por menos!

 

  • O quê? Ela pediu para se retirar o nome dela das listas? Não é possível isso!…

 

Esta foi a reacção, de total incredulidade, de muitos dos seus camaradas, presentes ou não na Escola Central do Partido naqueles dias 24 a 27 de Setembro passado. Até hoje, pouca gente acredita que ela foi capaz disso; pensa-se que terá havido… mão estranha (não externa) orquestrando. Mas rezam as narrativas jornalísticas que, de jure e de facto, ela solicitou que seu o nome não fosse incluído nas listas de candidatos a membros do Comitê Central. Consta nas crónicas que as razões, essas, não as apontou, guardando-as só e somente para si.

 

Crónicas de escárnio e de mal dizer, no entanto, que infelizmente pululam entre nós, atribuem-lhe a frase “se não posso falar, então não participo”! Chegaram mesmo a pôr as palavras entre aspas, como se se tratasse de citação ipsis verbis. Tamanha criatividade: ninguém indica/ou onde, quando e em que circunstâncias exactas ela terá pronunciado aquelas palavras. Produção e hábitos  de mentes férteis em esterilidades, fossilizadas, que não enxergam e nem conseguem imaginar que uma mente humana possa entender e solicitar deixar de fazer parte das listas de candidatos a posições internas do partido.

 

Uma indignação somente explicável pela obsessão cega e doutrinal que graça entre nós e da qual não nos conseguimos libertar, de nos mantermos nas posições/cadeiras quase até… à morte; ou até sermos empurrados! Com efeito, quantos camaradas que, estando acima dos oitenta anos (para não dizer 75, ou 77 como a Graça) - idade própria para mais e bom repouso - não estão ali a acotovelar-se com jovens na disputa da posição de candidato a candidato? Imensos. Quase todos. Muitos, mesmo doentes, coxeiam para ali!... Nas nossas cabeças e no nosso modus faciendi, não cabe a ideia de um auto-afastamento voluntário para uma vida menos intensa, sem empurranços, ou cotovelanços, de menos corre-corre. Preferimos morrer ali nos corredores da Escola Central. Daí a indignação quando a Mamã Graça solicita não ser mais incluída nas listas internas de candidatos.

 

Algo que é um grande e bom exemplo de conduta social, é visto como um acto de capitulação, de desistência, resignação… de tsukulanço (para os que sabem xangana). Massinguita! Para nós, está de muitos parabéns a nossa Mamãe, a nossa fonte de inspiração. Este devia ser o procedimento normal. Temos que aceitar que não somos, nem seremos eternos… as forças acabam. E temos que dar lugar a outros!

 

Mas esta não é a razão desta crónica. A razão aqui chamada é mais um fabuloso “contra-mão” justamente protagonizado, uma vez mais, pela Mamã Graça Machel!

 

Decorria, em Maputo, no dia 12 de Outubro, o colóquio de celebração dos 45 anos do primeiro envio de estudantes moçambicanos a Cuba. Havia para aí dois painéis para abordarem, cada um de sua perspectiva particular, o tema. Terminara o primeiro painel, portanto, tinham intervindo para aí seis oradores, além dos seis que tinham tomado a palavra na sessão de abertura - portanto, haviam falado para aí umas dez pessoas. Todas elas, na sua parte de epítetos,  não se tinham esquecido, nem se espreguiçado de dizer, alto e bom tom, “Sua Excelência aqui”, “Sua Excelência acolá” - já que havia muitas “excelências”, mas sobretudo figuras que no passado exerceram funções de estado - e mais “Sua Excelência isto e aquilo” e Sua Excelência Graça Machel, Antiga Ministra da Educação e Cultura… e mais isto mais aquilo!

 

Após terminar o primeiro painel, é chamada ao palco para receber um galardão em reconhecimento da sua contribuição em todo o processo de envio de estudantes para Cuba. Sempre com o seu riso e sorriso, recebeu o presente e, com ele nas mãos… a xingove xi dibe mutchovelo (o gato entornou o caldo)!

 

Não tinha sido ainda convidada a usar da palavra, mas, perto do palanque, apoderou-se do micro e disse, “já que estou aqui [no pódio], vou aproveitar dizer duas, três coisas…” E tomou um ar sisudo, aquele que lhe é característico, mas nem por isso a sua voz perde/u o familiar traço sibilante: “Essa coisa de Sua Excelência aqui, Sua Excelência acolá… já estou cansada… estou cansada! DEIXEI DE SER MINISTRA HÁ MUITOS ANOS, MUITOS! DEIXEI DE SER SUA EXCELÊNCIA HÁ VÁRIOS ANOS… PEÇO, POR FAVOR, QUE DEIXEM DE ME CHAMAR SUA EXCELÊNCIA! CHAMEM-ME TÃO SOMENTE MAMÃ GRAÇA!… MAMÃ GRAÇA! OUVIRAM?!...POR FAVOR!” - e, com o seu olhar acutilante, desafiou a plateia por alguns instantes, como se quisesse perceber se alguém tinha dúvida ou contestava. Depois, seguiu dizendo a segunda e a terceira coisa que tinha.

 

Toda a audiência ficou, naquele instante, estarrecida, hipnotizada!

 

Que Granda sabedoria da Senhora Mamã Graça Machel! Que Granda Graça Machel! Tal como na “batalha campal” para se estar nas listas internas de candidatos a candidatos, muitos morrem por quererem que se lhes continue a chamar de Sua Excelência… não conseguem enxergar que já não estão em exercício, não são mais o que eram... Interessantemente, ao longo do colóquio, houve, inclusivamente, até, quem não preferisse ser chamado de antigo dirigente, mas que se lhe chamasse como se lhe chamava na altura!… A nossa sociedade, lamentavelmente!

 

Parabéns, Mamã Graça Machel! Pela sua humanidade, humildade e simplicidade! É claro que continuaremos a chamar-te Sua Excelência, não porque exiges, não porque fazes questão, mas por reconhecer e assumir a sua grandeza, o seu carisma, humanidade e, não menos importante, a sua humildade!

 

A grandeza das pessoas está também e sobretudo nestes valores sublimes; autoridade e legitimidade não se capitaneam, jamais são fascistas, nem precisam de ser vigiados ou auto-vigiados permanentemente! São naturais! E o reconhecimento é também natural!

 

ME Mabunda

MoisesMabundaNova3333

O 12 de Outubro deste ano foi um dia triplamente especial! Foi/é o Dia do Professor Moçambicano. Foi o dia em que, no distante ano de 1977, os primeiros 1200 estudantes moçambicanos partiram para Cuba para prosseguirem com os seus estudos. E, terceiro, neste ano, passam precisamente 45 anos depois da “façanha”, desse acto extraordinário protagonizado pelos governos cubano e moçambicano, dirigidos na altura, respectivamente, por Fidel Castro e Samora Machel! Neste dia, há 45 anos, os dois chefes de Estado visitaram, pela primeira vez, as “escolas moçambicanas" em Cuba. E esta foi, diga-se em abono da verdade, a primeira experiência no mundo inteiro de envio de estudantes secundários de um país para prosseguirem estudos num outro!

 

Conforme diria o Eng. Castigo Langa, antigo professor em Cuba, durante a visita do Presidente Fidel Castro a Moçambique, a 21 de Março de 1977, o Presidente Samora Machel solicitou ao seu homólogo o envio urgente de professores. Considerando todas as dificuldades que o país enfrentava, nomeadamente a exiguidade de infraestruturas escolares, falta de material didáctico, grande dispersão das crianças, o presidente Fidel Castro entendeu que não seria suficiente enviar professores e, por isso, ofereceu-se a abrir escolas em regime de internato, inteiramente dedicadas às crianças moçambicanas. Tratava-se de um gesto de grande nobreza, uma vez que Cuba não é um país rico. Era o profundo sentido de solidariedade para com outros povos que explicava tamanho sacrifício.

 

Mais pela passagem do 45० aniversário da ida dos primeiros estudantes para Cuba, houve um interessantíssimo colóquio numa das salas de conferências da cidade de Maputo, reunindo mais de 200 pessoas, entre os próprios estudantes, docentes moçambicanos que foram destacados para aquele país, antigos dirigentes e outros em exercício e convidados. Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Graça Machel, Júlio Braga, Zacarias Kupela, Castigo Langa, Tobias Dai, Hama Thai e o actual Embaixador de Cuba em Moçambique são algumas das personalidades que faziam a sala.

 

O leit-motiv do evento foi, como bem disse o Professor José Castiano, um “cubano” por excelência também, olhar para o passado com os olhos postos no futuro. E a questão fulcral foi: qual é o legado deste “glorioso” passado para as gerações futuras? Sobretudo quando, como diria Aniceto Dimas, Coordenador da Comissão Organizadora das Celebrações dos 45 anos da Criação das Escolas Moçambicanas em Cuba, esta geração espreita a terceira idade!

 

O gosto pela pesquisa e o inconformismo na conquista do saber; o sentido de missão, de cumprimento do dever; o amor ao trabalho; o patriotismo, saber viver para a Pátria, ser útil à sociedade através da elevação da consciência política; a solidariedade, o desenvolvimento da empatia; o colectivismo, espírito de equipe, coesão de grupo; e o internacionalismo são alguns dos valores supremos que os 17 mil moçambicanos que se fizeram às terras de Fidel Castro trouxeram/trazem como legado para o país, nas palavras de Dimas. Valores que, de uma ou de outra maneira, vão lamentavelmente escasseando na nossa actual Sociedade.

 

Para o Professor Eduardo Sitoe, a relevância e especificidade do modelo adoptado nas escolas moçambicanas em Cuba radica na clara visão da UNESCO de que “devemos aproximar as pessoas e reforçar a solidariedade intelectual e moral da humanidade, através da compreensão mútua e do diálogo entre culturas”. Outrossim, o cerne desta filosofia residiu na ideia de ter professores cubanos e direcção cubana, mas escolas moçambicanas e a formarem estudantes moçambicanos, uma formação humana integral que garante o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões.

 

E o impacto é claramente incomensurável, segundo o Professor Sitoe. Os moçambicanos formados em Cuba estão em todos os cantos deste país, em diversas áreas de actividade e em diferentes níveis de responsabilidade; todos os estudantes moçambicanos em Cuba são PATRIOTAS; e Samora queria que a oportunidade de ir estudar fosse dada a crianças, pobres mas promissoras, filhos de operários e camponeses. A ideia era deixar a mensagem de que, com a Educação, é possível mudar o destino de crianças e das suas famílias e, por via disso, transformar para melhor o nosso destino colectivo, como Nação e como País.

 

O debate e contribuições foram imensas e riquíssimas - pena que a cobertura jornalística foi parca e desfocada. Quase todas as figuras de proa intervieram e deram as suas ideias, valiosíssimas, sublinhe-se. Uma das ideias foi a do Dr. Edgar Cossa de construção de uma lápide no Parque de Campismo, local onde todos os 1200 estudantes provenientes de todos os distritos do país se concentraram e se despediram do Governo a caminho de Cuba.

 

Intervenção mais emotiva foi a da… Mamã Graça Machel… doutro modo não seria!... Naquela sua sempre voz sibilante e sem papas na língua, declarou-se vigorosamente discordante da colocação de que a "geração cubana”, estando a espreitar a terceira idade, tem somente que transmitir o legado, entregar o testemunho. “Nao aceito isso… o país tem desafios muito grandes, a pobreza absoluta graça em 45 por cento dos moçambicanos; ainda temos regionalismo e tribalismo devastando este país… e vocês falam de estar a entrar para a terceira idade… eu tenho 77 anos, mas ainda estou a lutar e vocês… Vocês, com toda força que têm: estão em todos os distritos do país; estão formados em várias áreas de saber; ocupam diferentes cargos e posições em várias áreas da vida do país… não, não! Não aceito… isso me atravessa a garganta! Vamos lá continuar a dar o nosso contributo a este país!"

 

Uma mensagem muito clara, concisa e directa, inspirada, talvez, em Marcelino dos Santos, o poeta Kalungano, que uma vez disse: “Enquanto houver revolução por fazer, não há tempo nem espaço para morrer”!

 

Muito obrigado, Mamã Graça, pela mensagem cristalina! Fazemos dela nossa!

 

ME Mabunda

terça-feira, 25 outubro 2022 12:53

Sobre o Fundo Soberano

O Governo submeteu há dias à Assembleia da República um projecto de lei que cria o Fundo Soberano, na expectativa de o ver debatido e aprovado ainda nesta sessão que começou na primeira semana de Outubro corrente.

 

Está de parabéns o Executivo, porquanto a pressão do tempo era/é enorme: este mesmo mês de Novembro, Moçambique vai começar a receber os primeiros valores decorrentes da exploração dos seus recursos naturais, especificamente do gás natural da chamada Bacia do Rovuma e não existe até ao momento qualquer instrumento que norteia a aplicação desses valores, bem como dos valores decorrentes de mais valias em diferentes situações de exploração dos nossos recursos, como os casos de vendas ou trespasses de acções entre as multinacionais exploradoras dos nossos recursos. Já tivemos trespasses na Bacia do Rovuma e em Tete e muitos de nós não estão informados sobre a aplicação desses fundos.

 

Portanto, é imperioso que haja um instrumento que oriente a aplicação dos valores que vão ser recebidos com a exploração dos nossos recursos naturais, sejam receitas de exploração, ou impostos e ou mais valias decorrentes de transações diversas. E este instrumento orientador devia/deve reflectir a vontade colectiva dos moçambicanos. O mote aqui é que os recursos naturais pertencem aos moçambicanos, a todos os moçambicanos e, assim sendo, devem/deviam ser estes a estabelecerem a geometria da sua exploração, bem como da aplicação dos dividendos decorrentes dessa exploração. A lei do Fundo Soberano deve ser inclusiva, albergar as aspirações de todos nós, e não apenas daqueles que neste momento estão no comando, pois, como estamos todos de acordo, os recursos naturais, bem como os proventos da sua exploração, são de todos nós moçambicanos e, assim sendo, devem beneficiar a todos os moçambicanos e às gerações vindouras. 

 

Talvez devido à pressão do tempo, o Governo tenha apressadamente esboçado o draft da referida lei e submetido ao parlamento. Aceito que houve auscultação a diferentes sensibilidades nacionais, mas acho que deve haver mais auscultação e, se possível, haver explicação pública de como tal auscultação foi realizada, quais essas sensibilidades e como foi o processo. Inclusão e participação, é tudo quando se apela.  Não podemos somente ver no jornal que há um seminário sobre isto e aquilo e que… o Banco de Moçambique vai apresentar isto mais aquilo!

 

Olhando para o draft propriamente. A justificativa do draft submetido devia ser mais bem trabalhada. Como está, só espelha grandemente a pressa que se tem em encontrar um instrumento legal que balize as nossas actuações. A parte introdutória deve ser de uma grande solidez, abrangente, universalizante, bem alinhavada, apontar de forma clara e inequívoca que se trata de um instrumento que visa regrar sobre os proventos da exploração dos recursos naturais de Moçambique no seu todo e não apenas da dos blocos A ou B “e outros” ou “etc.”

 

Em termos de conteúdo. Julgo aceitável a ideia de que os proventos devem ser divididos pela utilização presente e futura. Isto é, uma parte reforçar o orçamento do Estado actualmente e a outra ser conservada e ser aplicada em empreendimentos virados para o futuro. Não abono é a ideia de que todos os valores deveriam ir para o Fundo Soberano. O nosso Orçamento de Estado ainda é deficitário e, por isso, financiado ou apoiado por instâncias estrangeiras, o que de alguma forma cerceia a nossa independência, soberania e autonomia. As nossas necessidades são imensíssimas e, portanto, não seria de uma mente sadia que, estando-se a passar fome numa casa e obtendo-se alguma renda, esta seja conservada para gerações vindouras.

 

Onde tenho sérios problemas é no que diz respeito à utilização do exacto Fundo Soberano. O draft da lei sobre o Fundo Soberano fala de uma "política de investimento do Fundo Soberano” a ser definida pelo Governo… Ou seja, vai ser aberta uma conta do FS no Banco de Moçambique na qual se vai depositar uma parte dos fundos provenientes da exploração dos recursos naturais, os quais serão utilizados de acordo com a “política de investimentos” a ser delineada pelo Executivo. Discordo.

 

Minha visão é que devemos definir aqui e agora o que fazemos com o Fundo Soberano, a parte que irá para a conta a ser aberta no Banco de Moçambique. A lei sobre o Fundo Soberano deve estar completa e estar completa significa que deve também especificar o destino dos valores a entrarem. Não acho que devamos ser como a maioria dos criadores de gado do nosso país, que se contenta apenas em contemplar a quantidade de cabeças que tem no curral e está à espera de ver o que vai fazer com elas… tipo nós que só vamos ver o saldo da nossa conta e não temos ideia clara do que fazer com aqueles fundos… que até são magros… estamos à espera de decidir o que fazer com eles. Não. Esta questão tem que estar fechada já. Tomarmos uma decisão colectiva e consensual sobre onde aplicar os fundos provenientes da exploração dos recursos naturais.

 

Já agora: acho que o Fundo Soberano deve ser aplicado na construção e reabilitação de infra-estruturas, só e somente só. Por infra-estruturas, quero dizer estradas estratégicas e estruturantes, isto é, as primárias e secundárias, pontes estratégicas, nacionais, regionais e provinciais; linhas férreas regionais e nacionais; e barragens e centrais eléctricas de âmbito nacional e regional. Penso que um país com excelentes infra-estruturas será um bom “legado” para as gerações vindouras.

 

Espero que a Assembleia da República lime bem esta parte. Não pode ficar em aberto onde aplicar o Fundo Soberano. E a AR pode, igualmente, proceder a uma auscultação mais alargada a complementar a já feita pelo Governo, mesmo que isso implique que a lei venha no próximo ano.

 

ME Mabunda

quinta-feira, 20 outubro 2022 18:14

Fikani

MoisesMabundaNova3333

Fikani! Alguém me explica o que esta palavra, noção, conceito ou processo quer exactamente dizer no contexto em que está a ser (foi)  aplicado? Qual é mesmo o conceito? O que se pretende efectivamente? Um movimento, uma força que vise relançar o turismo em Moçambique, ou que? Em Moçambique, ou na região sul?…

 

Curiosamente, ‘fikani”, na língua Xangana, uma das minhas duas línguas maternas (Xangana e Português), quer dizer ‘chegais’; é o imperativo do verbo Xangana ‘Ku fika’, correspondente ao verbo ‘Chegar’ na língua portuguesa. Imperativo subsume uma ordem, ‘cheguem’! É, portanto, um comando, uma instrução!

 

Não que eu esteja contra qualquer que seja a coisa. Mas também, não porque esteja a favor. E mais ainda, não porque seja neutro. NÃO. Pura e simplesmente, gostaria era de perceber de que se trata; ou de ter percebido de que se estava a tratar... Não podia ser, por dever intelectual e moral, contra, ou a favor, ou ainda neutro com relação a algo que não perceba…

 

Admito que, apesar de ser um viciado leitor de notícias, este processo - acredito que seja um processo - pode ter-me passado ao lado - distração ou negligência são parte dos atributos de um humano! Sendo esse o caso, acho, então, que há-de ter passado ao lado de muitos compatriotas não “viciados em ler jornais”! Trocando em miúdos: se uma informação sobre um processo desta envergadura passou ao lado de um “caça-notícias”, como é que não há-de ter passado ao lado de quem… lê por ler, não obcecado de notícias?

 

Do nada… pimba… ‘Fikani’! De um dia para o outro, passamos a ser bombardeados com o ‘fikani’ aqui, ‘fikani’ acolá!… ‘Fikani’ Moçambique!… que não é um correspondente efectivo do apelativo, em português, ‘cheguem’!… nao e, nao!

 

Decisões desta envergadura precisam ser socializadas. Não podemos surpreender os cidadãos com estes termos, ou iniciativas, processos, movimentos, etc.; e, logo a seguir, pretendermos que colaborem, sejam intérpretes, divulguem, sejam embaixadores (campeões) de ideias, conceitos ou processos que desconhecem e… não menos importante, não foram envolvidos na sua arquitectura! É justamente por isto que, não poucas vezes, belíssimas iniciativas morrem no berço e desamparadas!…

 

Temos de aprender bem, e compreendermos, o que significa inclusão, participação, socialização no processo de convivência social. Todos os dias dizemos de boca cheia que somos ou pretendemos uma sociedade de inclusão, onde os cidadãos são achados no processo de discussão dos assuntos sociais… onde os indivíduos são envolvidos, engajados, consultados…

 

Muito gostaria de ter visto a ministra do Turismo a lançar uma campanha… sei lá qual seria o nome… de preparação de uma iniciativa… chamada ‘Fikani’… para o que solicitava ideias, contribuições, participação, etc., etc. Isto, sim, seria o que se chama de SOCIALIZAÇÃO!

 

Mas… ok… para todos os efeitos, FIKANI!

 

ME Mabunda

A empresa Caminhos de Ferro de Moçambique acaba de presentear os citadinos e provincianos de Maputo com automotoras e carruagens de transporte de passageiros. Já não era sem tempo!... Relançou linhas que estavam interrompidas há anos a fio e lançou algumas outras novas e introduziu novas paragens.

 

Lançou ou relançou as linhas Matola Gare-Maputo-Matola Gare; Marracuene-Maputo-Marracuene; Boane-Maputo-Boane. Isto é, do centro da capital para as redondezas! Na linha Matola Gare - Maputo - Matola Gare, faz paragens nos bairros Malanga, Infulene, Machava, Liberdade, Daniel e Matola Gare; na linha de Marracuene-Maputo-Marracuene, para em Cabine “B”, Infulene, Bairro do Jardim, Mavalane, Gare de Mercadorias, Bairro Ferroviário, Dona Alice, Romão, Chicabele, Albasine, Jafar, Papucides e Marracuene!

 

Trata-se, sem dúvidas, de um grande alívio, há muitíssimo tempo esperado e desejado, para todos os maputenses, moradores nesses bairros e trabalhando na cidade de Maputo, ou, o contrário também, morando na cidade e trabalhando nalgum desses bairros. Grande alívio igualmente das muitas enchentes que se verifica(va)m em qualquer que fosse a paragem! É, sem sombra de dúvidas, uma grande alternativa aos “chapas”, my loves e, mesmo, aos autocarros. Uma alternativa segura, prática, firme e rápida: de Maputo para Matola Gare, a viagem dura 31 minutos; de Maputo para Marracuene, 56 minutos; e para Boane uma hora e 9 minutos! Melhor que isso não pode haver!...

 

A empresa CFM retomou igualmente o transporte de passageiros Maputo - Chicualacuala - Maputo, interrompido devido à pandemia do coronavírus e anunciou a retomada da linha de Ressano Garcia e depois Nelspruit. Sem dúvida alguma, um grande passo para o desenvolvimento da nossa economia. A circulação de pessoas e mercadorias é o sangue… de uma economia!, como dizem os estudiosos da área.

 

Não sei como certificar esta suposição…, mas estou muito convencido que as enchentes nas paragens em Maputo vão reduzir ou já reduziram consideravelmente; e certíssimo que os utentes das linhas de Chicualacuala e Ressano Garcia voltam a dispor de uma muito boa opção de transporte no lugar dos desconfortantes “chapas”.

 

Tudo isto é muito bom para Moçambique, para o nosso espírito e alma: dói - a mim dói bastante - ver enchentes e enchentes em cada paragem, nossos compatriotas esperando uma eternidade ou guerreando por um meio para chegar ao serviço ou para  regressar a casa após uma jornada bem dura. Gostava que a empresa CFM, mais cedo do que tarde, nos desse estatísticas destes transportes que acaba de introduzir. Quantos passageiros levou por mês, para onde, qual foi o percurso com mais utente, etc.

 

Os cidadãos já podem evitar os malditos “my loves” e chapas, muitas vezes responsáveis por acidentes de viação, e saírem e voltarem condignamente de e para as suas casas! Outrossim, podemos dar uma saltadinha a Chicualacuala… comprar gado bovino! 

 

Está de parabéns a empresa Caminhos de Ferro de Moçambique. Isto, sim, ajuda o país a crescer, porquanto contribui para o aumento da produção e da produtividade. O trabalhador já pode chegar a tempo e horas, ou mais cedo, ao seu local de produção, bem disposto e bem aprumado! Ao contrário da caótica situação com os my loves! E, inversamente, já dá para chegar a casa mais cedo…

 

No entanto, da empresa CFM pedimos e esperamos muito mais. Os desafios dos transportes no nosso país são gigantescos e precisam de soluções muito esforçadas, de muito sacrifício e ousadia. Bastantes mais moçambicanos precisam dos seus produtos - precisam deslocar-se a destinos com facilidade, ou transportar/enviar mercadorias. Sabemos que em breve vai levar alegria às regiões centro e norte do país, disponibilizando automotoras e mais carruagens de transporte de passageiros e de carga. Gostaríamos de ver, o mais rapidamente possível, (sor)risos em Sofala, Manica, Zambézia e Tete; risos e sorrisos na populosa Nampula. Tal como em Maputo, gostaríamos de ver abrangidos os grandes destinos tradicionais, mas também outros novos e a abertura de mais estações! Moçambique merece.

 

Pedimos, humildemente, duas coisas mais: (i) que retome outras linhas que outrora serviram a economia de Moçambique; e (ii) que construa mais linhas férreas pelo pais.

 

Se reconstruisse e reintroduzisse a linha Quelimane - Mocuba - Quelimane, seria um grande contributo para o impulsionamento da economia da província da Zambézia e da zona centro no geral. Ou uma linhazinha partindo de Chicualacuala para… Inchope! Estaríamos a começar a ligar, ferroviariamemnte, o nosso belo Moze!...

 

Sonhemos, Irmãos.

 

ME Mabunda

terça-feira, 11 outubro 2022 09:26

Um pouco de hipocrisia

MoisesMabundaNova3333

Dia 4 de Outubro corrente, celebramos o que chamamos de Dia da Paz. É e será sempre um dia especial para os moçambicanos. O dia em que pusemos formalmente fim a hostilidades militares entre nós. É o dia do Acordo Geral da Paz assinado em 1992. Faltou, nesses entendimentos, a componente “e reconciliação”, que só veio a ser acrescentada anos mais tarde. Provavelmente, por não termos acrescentado, logo no começo, esta componente fundamental na vida humana, a reconciliação, é que depois fomos o que Teodato Hunguana chama de “país de acordos”! É que já vão… quatro - Acordo Geral de Paz, Acordo de Cessação das Hostilidades, Acordo de Paz Definitiva e Acordo de Paz e Reconciliação Nacional de Maputo…

 

Ouvimos, como não deixaria de ser, uma procissão interminável de todo o tipo de discursos, intervenções e ou comunicações, a começar com a comunicação do chefe do Estado na Praça dos Heróis. Foi muito bom ouvir todas aquelas mensagens bastante apelativas - mau grado, não terem deixado, como se queixa ele, o presidente do MDM discursar na cerimónia, ou terem alegadamente invadido o seu espaço no local onde decorria a cerimônia: quem ganha com questiúnculas destas justamente num dia que reputamos de paz, sagrado?

 

Todos os discursos convergindo na pregação da e pela paz, enfatizando que precisamos da paz como do ar para respirarmos, vivermos. Ouvimos muito bem de todos os grandes actores da nossa sociedade que é imperioso regar a paz todos os dias com temperos tipo tolerância, inclusão, aceitação do outro, respeito pelas liberdades fundamentais; precisamos cultivar uma convivência social sã e justa. Outrossim, ouvimos não poucos discursos denunciando, em tom grave, factores que perigam (ou que podem perigar) a paz, os aspectos que devem ser bem acautelados para que tenhamos uma sociedade sadia, justa e harmônica.

 

Falaram autoridades políticas de toda a jaez - autoridades políticas, autoridades religiosas e figuras de proa da nossa sociedade. Não apenas nas cerimónias havidas à extensão do país, mas em entrevistas a vários órgãos de comunicação social - foi tanto palavreado no jornal, tanto, tanto! Falaram e disseram: paz, paz e paz!

 

Afinal, sabemos bem o que devemos fazer para preservar a paz! Sabemos muito bem. Então, por quê não fazemos? Por quê não preservamos? Por quê a perdemos e tivemos que assinar mais do que um acordo?

 

É que, terminados e arrumados os discursos para só voltarem a ser retirados e relidos no próximo 4 de Outubro, voltamos ao nosso dia a dia, ao nosso modus vivendi. E o nosso dia-a-dia é aquela realidade que todos nós conhecemos e muito bem: uma sociedade ainda não inclusiva, uma sociedade ainda discriminatória, uma sociedade ainda não muito democrática, uma sociedade ainda não muito tolerante. Sabemos das queixas sobre a não inclusão, discriminação e intolerância. E ficamos à espera do outro dia da paz e reconciliação… para voltarmos a apresentar as mesmas mensagens!

 

Olhando à nossa volta, que acções concretas fazemos para verdadeiramente promovermos a paz e reconciliação? Temos algum plano ou estratégia de reconciliação nacional? Fazemos? Fazemos o suficiente? Se fizéssemos o suficiente, não teríamos reclamações de exclusão, de intolerância ou de atitudes antidemocráticas!

 

É algo hipócrita gritar “paz, paz, paz” e o que deve ser feito para sua preservação e, logo a seguir, voltar às mesmas atitudes e práticas nocivas que atentam contra uma convivência sadia!

 

ME Mabunda

terça-feira, 04 outubro 2022 14:35

A difícil estrada da reconciliação nacional!

O antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, desafiou Filipe Nyusi, ao empossá-lo para mais um mandato como Presidente do Partido, no último Congresso, para promover a reconciliação nacional não apenas no seio da Frelimo como também entre todos os moçambicanos. Boa coincidência esta. Nesta semana, celebramos, no dia 4 de Outubro, o que se consagrou na História Moçambicana Contemporânea como Acordo Geral de Paz. Foi nesta data que, em 1992, o Governo e a Renamo assinaram, em Roma, capital italiana, este entendimento que viria a pôr ponto final a uma guerra fratricida que Afonso Dhlakama e seus séquitos impunham aos moçambicanos faziam, então, 16 anos.

 

Desafio oportuno, inadiável e imperioso. Não apenas a Filipe Jacinto Nyusi, mas a todos os almoviventes desta pérola do Índico. Estão desafiados todos os membros e simpatizantes da Frelimo a se reconciliarem consigo mesmos; primordialmente, cada um deles individualmente, consigo próprio; segundo, entre eles e, terceiramente, mas não menos importante, entre eles e a sociedade moçambicana em geral, incluindo com indivíduos, formações ou institutos de ideologias ou orientações políticas diversas. O reverso também é uma imperiosidade. Os membros de outras formações e ou institutos devem promover a reconciliação intra e entre eles, mas também para com os “outros” que não fazem parte “deles”, que os excluem, mas que pertencem à mesma sociedade.

 

Não se está aqui a convocar uma comissão nacional de verdade e reconciliação à moda sul-africana ou outra coisa do mesmo índole. Não. Entendo que não há nenhum manual ou modelo de reconciliação a seguir… há a inclusão, a participação, o envolvimento do outro, a convivência sã e a chamada diplomacia silenciosa que faz com que o cidadão se sinta pertença de uma nação. E cada país segue (ou não) o caminho que acha melhor!

 

Está difícil este passo de reconciliação intra, inter e nacional. Basta ver que o antigo Presidente Armando Guebuza não fez por estar nas celebrações e empossamento de Nyusi por ocasião da sua reeleição para Presidente do Partido Frelimo e, até hoje, não consta que tenha endereçado uma mensagem de felicitações sequer.

 

Laivos de ausência de paz de espírito, de reconciliação, de desarmonia total, de exclusões econômicas e sociais e de violências de toda a índole são reportados em vários pontos do nosso querido Moçambique e de diferentes manifestações.

 

Reconciliação é grandemente enformada de paz interior, a paz de espírito, a harmonia, de inclusão e convívio social, de compaixão e de empatia. Tudo menos o que se nos tem dado a ouvir. Ultimamente, muito estranhamente, estão na moda os suicídios, expoente mais alto da ausência de paz espiritual interior! Muito temos ouvido, e bastantemente, sobre casais ou ex-casais que se tiram a vida, ou um ao outro; ou ainda, a de outros, inocentes, filhos ou enteados! Pais que matam filhos, ou filhos que matam os pais por razões que jamais serão plausíveis. Comunidades que matam e ou sepultam vivos outros seres sociais; incendeiam-lhes pneus, ou detonam-lhes inflamáveis. Tudo isto. Televisões e jornais nacionais vivem e abusam destas notícias e reportagens, semana sim, semana sim! Em todas as províncias do país!

 

Na arena social, vemos o que nunca ninguém esperou ver. Escaramuças dentro de igrejas! Violências, psicológica, verbal e física, dentro de um local bastante sagrado! Igreja praticando ou instigando violências contra outras igrejas e ou outros institutos sociais. No lugar de prosseguirem a sua nobilíssima vocação, a promoção da palavra de Deus, digladiam-se feroz e mortalmente! E os pequenos ecrans são onde se julga a autenticidade da palavra divina, não a mente das pessoas que frequentam a igreja!

 

Politicamente, também não estamos a “dormir sono”, descansados tipo khasaa!...

 

Está-nos difícil ultrapassar as guilhotinas impostas do e no passado. Continuamos com dificuldades de aceitar o outro, com ele viver e conviver sãmente; o nosso passado resiste tenazmente. Aceitar, promover, conviver e partilhar todas as oportunidades com o outro continua difícil! Persistimos em encarar o ‘outro’ como estando ao serviço de interesses estrangeiros e/ou estranhos a nós - e, no entanto e não raras vezes, nós mesmos estamos concatenados com institutos nacionais e estrangeiros não tão sagrados e nem dedicados a causas comuns e ou colectivos nacionais. Trinta anos depois, continuamos a ouvir que instituições hoteleiras recusam ceder instalações para que formações políticas nacionais (ainda que fossem estrangeiras) realizem suas actividades. Oportunidades de negócios conhecem cores e famílias!

 

Muito tristemente, e impotentes, acompanhamos as violências verbais e quase agressões físicas nas assembleias, sobretudo as provinciais e municipais. Mas também ao nível mais alto! Nalgumas municipais, por vezes, só falta pancadaria, em pleno século XXI, já que violência verbal e psicológica é o pão de cada dia.

 

A tudo isto pode dar-se o melhor nome que um dicionário pode consagrar, mas menos o que se designa de reconciliação, concórdia ou harmonia social, inclusão ou convivência. Precisamos de nos reconciliarmos, tratarmo-nos como verdadeiros irmãos, vizinhos, concidadãos e pertencentes a uma mesma nação e, por conseguinte, prosseguimos os mesmos objectivos e anseios. Doutro modo, jamais seremos uma nação reconciliada, harmónica e a dançar a mesma música, seja ela tocada em Nampula, Cabo Delgado, Niassa ou Inhambane ou Maputo!

 

A tarefa/desafio colossal que não está apenas à espera da inspiração de Filipe Jacinto Nyusi, mas de todos os moçambicanos, do Rovuma ao Maputo, confissões religiosas, formações políticas e tudo, é esta!

 

A promoção da reconciliação nacional, inclusão e harmonia é dever de todos nós!

 

ME Mabunda

terça-feira, 27 setembro 2022 18:49

O caso do touro do velho Mathe

MoisesMabundaNova3333

Os madodas da aldeia estavam, então, todos ali reunidos. Todos os 18 homens de idades acima dos sessenta anos da aldeia de Nwamati encontravam-se naquele momento ali embaixo daquela colossal sombra da mafurreira, sentados em cima de troncos de árvore grandes feitos bancos desde tempos imemoriais. Aquela era a terceira tarde, desde quarta-feira. As audiências, como dizemos hoje, eram somente nas tardes, das 14:30 para baixo, até não mais de 17:30 horas.

 

Consta que o  velho Nwamati lidera a comunidade há mais de três gerações, tendo o exercício da soberania começado com o seu avô e depois passado para o pai e agora era ele, um homem agora na casa dos 75 anos, estatura mediana, mas com uma vitalidade de espantar.Consta que o  velho Nwamati lidera a comunidade há mais de três gerações, tendo o exercício da soberania começado com o seu avô e depois passado para o pai e agora era ele, um homem agora na casa dos 75 anos, estatura mediana, mas com uma vitalidade de espantar.

 

A bandla lembrava as nossas salas de reunião em forma circular, com o líder no meio. No caso, era uma semi-circular. A cadeira feita essencialmente de paus, mas muito cômoda, do líder constituía o epicentro do semicírculo. De um e de outro lado, eram os bancos de troncos grandes que estavam prostradas no chão, sem precisar de pés ou de bases. Mas sentava-se comodamente e durante horas e horas! Mas o local não servia apenas para a resolução de problemas, mas também para outras cerimônias, como a de ukanhi, e convívios diversos.

 

Pois ali estavam os 18 madodas convocados de forma urgente na tarde quase noite de terça-feira pelo líder Nwamati para dirimir “um problema muito grave e urgente” do recentemente tornado criador de gado bovino Mudaukani na zona. Aliás, diga-se que os 18 velhos ali presentes eram na sua maioria criadores ou de gado bovino, ou de caprino e ovino, ou dos três tipos ao mesmo tempo; ou grandes agricultores, ou detinham outro tipo de influências. Eram, em suma, os mais influentes da região. Incluindo o velho Mathe, na casa dos 70 anos, cinco mulheres, neste caso o réu, na nossa linguagem jurídica portuguesa. Pelo que todos tinham experiência bastante de questões relacionadas com gado, agricultura, problemas sociais, etc. Aliás, alguém só se torna doda se socialmente for influente; caso contrário, mesmo que tenha 90 anos, não é considerado e não entra no clube dos dirimidores de problemas!Pois ali estavam os 18 madodas convocados de forma urgente na tarde quase noite de terça-feira pelo líder Nwamati para dirimir “um problema muito grave e urgente” do recentemente tornado criador de gado bovino Mudaukani na zona. Aliás, diga-se que os 18 velhos ali presentes eram na sua maioria criadores ou de gado bovino, ou de caprino e ovino, ou dos três tipos ao mesmo tempo; ou grandes agricultores, ou detinham outro tipo de influências. Eram, em suma, os mais influentes da região. Incluindo o velho Mathe, na casa dos 70 anos, cinco mulheres, neste caso o réu, na nossa linguagem jurídica portuguesa. Pelo que todos tinham experiência bastante de questões relacionadas com gado, agricultura, problemas sociais, etc. Aliás, alguém só se torna doda se socialmente for influente; caso contrário, mesmo que tenha 90 anos, não é considerado e não entra no clube dos dirimidores de problemas!

 

Mudaukani acabava de ascender ao clube de criadores de gado bovino na zona de Nwamati, graças às já doze cabeças que o filho, a trabalhar nas minas sul-africanas, tinha conseguido comprar com o dinheiro ganho no trabalho nas minas de Tembisa e deixado na guarida dele faziam quatro anos, numa das suas vindas de livi (licença para férias aos mineiros). Começou com sete cabeças e foram crescendo até àquele número. A partir de então, Mudaukani já pertencia ao clube dos verdadeiros madodas. É que, para ser madoda, tinha que ser criador de verdade, ter por aí gado que ascendia a 15, 20 cabeças por um considerável período de tempo e ter, pelo menos, três esposas. Mudaukani acabava de ascender ao clube de criadores de gado bovino na zona de Nwamati, graças às já doze cabeças que o filho, a trabalhar nas minas sul-africanas, tinha conseguido comprar com o dinheiro ganho no trabalho nas minas de Tembisa e deixado na guarida dele faziam quatro anos, numa das suas vindas de livi (licença para férias aos mineiros). Começou com sete cabeças e foram crescendo até àquele número. A partir de então, Mudaukani já pertencia ao clube dos verdadeiros madodas. É que, para ser madoda, tinha que ser criador de verdade, ter por aí gado que ascendia a 15, 20 cabeças por um considerável período de tempo e ter, pelo menos, três esposas.

 

Num belo dia, a pequena manada de Mudaukani foi calhar com a do velho Mathe no rio a beberem água. Mathe tinha mais de 20 cabeças, entre vacas, touros, novilhos e vitelos. Até hoje, nenhum criador revela o verdadeiro número das cabeças que possui. E eis que o touro principal da manada do velho Mathe ataca uma das vacas da manada de Mudaukani. E aí começou a guerra… mundial! O principal touro entra em guerra com o também principal touro da manada do velho Mathe! A guerra foi total e… sem tréguas! A luta foi titânica e nisso o touro do Mathe atinge a perna direita frontal do touro de Mudaukani e parte-a!… e o touro ficou estatelado no rio até…hoje!Num belo dia, a pequena manada de Mudaukani foi calhar com a do velho Mathe no rio a beberem água. Mathe tinha mais de 20 cabeças, entre vacas, touros, novilhos e vitelos. Até hoje, nenhum criador revela o verdadeiro número das cabeças que possui. E eis que o touro principal da manada do velho Mathe ataca uma das vacas da manada de Mudaukani. E aí começou a guerra… mundial! O principal touro entra em guerra com o também principal touro da manada do velho Mathe! A guerra foi total e… sem tréguas! A luta foi titânica e nisso o touro do Mathe atinge a perna direita frontal do touro de Mudaukani e parte-a!… e o touro ficou estatelado no rio até…hoje!

 

Mudaukani, sentindo-se, bastante ofendido, com incalculáveis prejuízos causados, foi apresentar queixa ao líder Nwamati e exigir que o velho Mathe lhe compense o grande dano com outro touro!Mudaukani, sentindo-se, bastante ofendido, com incalculáveis prejuízos causados, foi apresentar queixa ao líder Nwamati e exigir que o velho Mathe lhe compense o grande dano com outro touro!

 

A assembleia dos madodas ali estava a dirimir o problema, já indo na terceira audiência. A assembleia dos madodas ali estava a dirimir o problema, já indo na terceira audiência.

 

O líder ouviu a apresentação da queixa e entregou o caso ao que hoje chamamos plenário! As opiniões dividiram-se. Umas, considerando que o touro do velho Mathe era culpado e, portanto, havia espaço de o touro ferido ser reposto; outras, a considerarem que os pastores são culpados por terem levado as manadas a irem beber água ao mesmo tempo e que portanto deviam ser responsabilizados; e outras ainda a considerarem que o incidente tinha sido fortuito e que não havia nada a fazer. O líder ouviu a apresentação da queixa e entregou o caso ao que hoje chamamos plenário! As opiniões dividiram-se. Umas, considerando que o touro do velho Mathe era culpado e, portanto, havia espaço de o touro ferido ser reposto; outras, a considerarem que os pastores são culpados por terem levado as manadas a irem beber água ao mesmo tempo e que portanto deviam ser responsabilizados; e outras ainda a considerarem que o incidente tinha sido fortuito e que não havia nada a fazer.

 

Aquele era a terceira tarde do que hoje chamaríamos de julgamento do “caso do touro do Mathe”! E a exortação do líder era que naquele dia tinha que sair dali uma decisão, tipo sentença!, pois o caso estava a arrastar-se por muito tempo e havia que se decidir sobre o que fazer com o touro estatelado perto do rio. O ambiente, ainda que houvesse posições divergentes, era calmo e sereno. Próprio de pessoas bem maduras e socialmente responsáveis. Nisso, o velho Nwamati lembra-se de que durante esses três dias de audiência não concedera palavra ao acusado, o velho Mathe!… uma omissão bastante grave, inconcebível e inaceitável! E concede-lha.Aquele era a terceira tarde do que hoje chamaríamos de julgamento do “caso do touro do Mathe”! E a exortação do líder era que naquele dia tinha que sair dali uma decisão, tipo sentença!, pois o caso estava a arrastar-se por muito tempo e havia que se decidir sobre o que fazer com o touro estatelado perto do rio. O ambiente, ainda que houvesse posições divergentes, era calmo e sereno. Próprio de pessoas bem maduras e socialmente responsáveis. Nisso, o velho Nwamati lembra-se de que durante esses três dias de audiência não concedera palavra ao acusado, o velho Mathe!… uma omissão bastante grave, inconcebível e inaceitável! E concede-lha.

 

Calmo, ponderado, com uma fala bastante pausada, o velho Mathe muito não disse senão que “para uma sentença justa e racional devíamos saber porquê os touros lutaram, pelo que devíamos a eles perguntar e daí fazermos o juízo final…”Calmo, ponderado, com uma fala bastante pausada, o velho Mathe muito não disse senão que “para uma sentença justa e racional devíamos saber porquê os touros lutaram, pelo que devíamos a eles perguntar e daí fazermos o juízo final…”

 

O julgamento terminou.O julgamento terminou.

 

ME Mabunda

terça-feira, 20 setembro 2022 07:50

O décimo segundo Congresso da Frelimo

Moçambique e o Mundo vão testemunhar a partir da próxima sexta-feira e até quarta-feira da próxima semana o décimo segundo Congresso da Frelimo, o partido que governa Moçambique desde o distante ano de 1975. Com todas as peripécias e vicissitudes - qual é o país ou nação que não as contém? -, Moçambique mantém-se, desde a proclamação da sua independência, firme, uno e um Estado que vai granjeando respeito pelo mundo: hoje é membro não permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas!

 

Só o facto de o partido estar a governar o país desde 1976 é mais do que suficiente para que o evento que vai de 23 a 28 de Setembro de 2022 não passe despercebido, muito menos ignorado ou secundarizado, ou não se lhe conferir a devida e merecida importância e destaque.

 

Vale recordar também que a Frelimo, a Frente de Libertação de Moçambique, foi o movimento que libertou o país do longo manto do colonialismo português; criou os alicerces para o surgimento da nossa identidade, para o nascimento da Nação Moçambicana, a nossa nacionalidade.

 

Por tudo isto - e por outras coisas mais -, um congresso da Frelimo é algo que merece a atenção do Mundo. E sendo algo que merece a atenção do mundo, há espaço para considerações. Há pano para manga, como dizem os bons falantes.

 

O país está com muitos desafios. Uns, como o terrorismo, novos; outros, nem tanto assim: a pobreza, o subdesenvolvimento, o défice de infraestruturas, fraco crescimento e desenvolvimento econômico, governação deficiente ou má (poor governance) corrupção, entre outros!

 

A questão da unidade nacional, que fez da Frelimo ser Frelimo, continua um dos primeiros grandes desafios: actual, imperioso e inadiável. A formação da Frelimo traduziu a visão comum da imperiosidade da unidade nacional no e do nosso país. Foi uma espécie de convenção nacional sobre a ideia de que Moçambique seria mais soberbo se fosse unido, coeso e indivisível do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico. Este desafio não tem sido fácil, desde os primórdios da formação do movimento libertador. Sabemos que houve guerrilheiros que não o assumiram e se recusavam a ir combater em províncias que não fossem as suas, esperando que a luta armada de libertação nacional chegasse às suas zonas de origem. Ao longo destes 47 anos da nossa independência, laivos de tribalismo e nepotismo têm muitos registos em todos os níveis e instituições e em diferentes regiões da nossa pátria. Os frescos e robustos pronunciamentos dos Generais Chipande e Nihia são os mais eloquentes e ruidosos testemunhos de que o consenso sobre a unidade nacional que esteve por trás da fundação da Frelimo ainda está por alcançar e consolidar.

 

Um outro grande desafio que o país enfrenta tem a ver com a “paz dos espíritos”. Não reina entre nós paz espiritual. Não estamos reconciliados conosco mesmos. As guerras que tivemos dividiram-nos profundamente, mas sobretudo a dos 16 anos. Está difícil assumirmo-nos como verdadeiros irmãos moçambicanos. Os ressentimentos teimam em marcar presença nas nossas atitudes e condutas quotidianas. Continuamos a encararmo-nos como estando a ser usados por forças estranhas e estrangeiras ao nosso país. Daí a democracia efectiva estar a patinar. Enquanto não estivermos em paz espiritual, reconciliados conosco mesmo, dificilmente praticaremos democracia verdadeira, ou algo aproximado; descentralização e inclusão continuarão meros temas de dissertações como o são agora.

 

Não menor, nem menos importante, está o desafio de desenvolvimento do nosso país. Pouco depois da conquista da nossa independência, apostamos em vencer o subdesenvolvimento em dez anos. 47 anos depois, o desenvolvimento, traduzido em bem estar dos moçambicanos em todos os cantos do país, ainda enfrenta muitos obstáculos, continua aposta. As nossas políticas e estratégias de desenvolvimento ainda precisam de ser aprimoradas, precisam de ser mais racionais, racionalizadas e consistentes. Ainda não entendemos que sem vias de acesso funcionais, infraestruturas de qualidade e políticas e estratégias menos amadoras, dificilmente a nossa economia irá florescer; continuamos a saltar de elefante branco em elefante branco, de acessório em acessório e nisso adiamos cada vez mais o sonho do país que libertamos com sacrifício.

 

Por último, mas não porque esgotados os desafios que sonecam à nossa frente, temos a qualidade de governação e a corrupção. A nossa governação ainda continua algo aquém do ideal, do profissional, do irrepreensível. Muitas escolhas, não poucas vezes, reúnem pouco consenso e pouco respeito porque despidas de autoridade e legitimidade profissional, ética e moral; técnica e qualitativamente deixam muito a desejar. Está-nos difícil perceber e executar a velha máxima, segundo a qual, pessoa certa no lugar certo. Tribalismo, nepotismo e amiguismo continuam critérios que enformam muitas escolhas. A corrupção é cada vez mais cristalina. Até “polícias que não têm criação nenhuma fazem xitiqui de cinco mil meticais por semana” à vista de toda a gente que devia estancar e combater. E o seu combate continua algo simulacro.

 

De sorte que, por mais que a Frelimo faça “n” congressos, comitês centrais ou outras reuniões que tais, se não atacar de frente fundamentalmente estes problemas, essas reuniões serão mais do mesmo! Se não for eclética como raramente tem sido, dificilmente o nosso barco transportando o bem estar para os compatriotas será célere!

 

De toda a forma, muito bom congresso aos Camaradas!

 

ME Mabunda

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