No caso de Manuel Chang, ao governo de Maputo pede-se que interceda junto do governo sul africano, através da cooperação diplomática, e solicite informação cabal sobre as razões porque ele foi detido. Não se trata de exigir a sua libertação a todo o custo. Trata-se de buscar elementos para depois informar ao conjunto da nação sobre as razões por que um concidadão foi detido num país estrangeiro onde estava em trânsito. Isto é o mínimo que se pode esperar quando estiver em causa um portador de um passaporte nacional, independentemente do estatuto social desse cidadão. Mas, no caso vertente, o visado era portador de um passaporte diplomático, merecendo também protecção do Estado no quadro da Convenção de Viena.
Um envolvimento público do governo era um mínimo sinal de respeito para com esse passaporte moçambicano. Agora percebe-se que documento de viagem não vale nada. A não ser que o Estado tenha razões inabaláveis para não fazer nada. E é isso que os cidadãos esperam que o governo explique: que nossas autoridades sabem do envolvimento criminal de Manual Chang e, por isso, interferir no processo da sua detenção seria interferir num processo de justiça. Se é isso, também merecemos ser informados. Queremos saber do governo se Chang está a ser acusado relativamente ao escândalo da dívida oculta, como já revelou o seu advogado Rudi Krause. E como as prisões ontem em Londres e na quarta feira em Nova Iorque mostram. O governo tem a obrigação de dizer se há outros moçambicanos em vias de seguirem o mesmo destino de Chang.
Há dias, quando Moscovo anunciou a prisão de um americano por alegada espionagem, Whashington não ficou de braços cruzados. O detido foi visitado por elementos da diplomacia americana. Recentemente, quando nos EUA foi detida uma executiva da Huawei chinesa, Beijing não ficou de braços cruzados. E em poucos dias soube-se detalhadamente do que ela era acusada. Sobre Chang, para além do que foi relevado pela comunicação social, por Krause e pela justiça federal americana, estamos todos às escuras. Há dias, Lindiwe Sisulo, a Ministra das Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, interveio publicamente chamando a atenção dos seus concidadãos para que tenham uma postura correcta quando no estrangeiro. Era uma menção concreta às actividades suspeitas de um sul africano em Moçambique, o senhor Hanekon, preso em Palma por sua alegada conexão com os insurgentes que aterrorizam Cabo Delgado.
Se não são claras as razões por que o governo se remeteu ao silêncio perante a detenção de um deputado da AR e antigo Ministro das Finanças, uma coisa é cada vez mais difícil de esconder: a prisão de Chang não está a deixar ninguém sossegado dentro do executivo e no seio da Frelimo, originando uma batalha figadal, agora ainda em versão proxy, entre duas correntes: uma que aceita a detenção de Chang como um acto de responsabilização e outra que continua a fincar pé na proteção da Frelimo às práticas corruptivas de sempre. Essa batalha está a acontecer agora nas redes sociais envolvendo os principais “spin doctors” do guebuzismo e os pretensos apaniguados do nyusismo.
Esta guerrilha civil entre comentaristas afectos aos dois campos cada vez mais desavindos na Frelimo, nomeadamente o campo de Nyusi (que parece agora celebrar a detenção de Chang como um dos mentores da dívida oculta) e o campo de Guebuza (que está em alvoroço e nervoso com a detenção de Chang como um dos autores materiais da dívida oculta) é uma reprodução minimalista de uma clivagem em dó maior abalando no epicentro do partido no Governo, uma batalha ainda em barulhenta surdina mas prestas a rebentar a escala. Eventualmente, essas clivagens internas podem justificar o silêncio do governo, mas até quando? (Marcelo Mosse)