A deslocação braçal direita pode ter atingindo os 2300 watts de potência e o som produzido, com certeza, alcançou os 80 decibéis; o suficiente para que os mais próximos e nos arredores terem escutado o impacto ocasionado pela chegada da costa da mão da atacante a bochecha esquerda da senhora administradora do distrito de Muaga na região centro de Moçambique. Com os pés descalços firmes no chão, ela posicionou-se de perfil como um boxeador profissional para desferir o ataque.
Um “ohhh” colectivo ressoou profusamente, os populares estupefactos levaram tempo a processar o que estava a suceder.
Tudo aconteceu no auge da celebração da inauguração do fontanário no terreiro da aldeia 4 de Outubro na vila de Muaga,O magote ali presente havia acorrido ao local depois da propaganda radiofónica ter difundido com alguma insistência “amanhã pelas 10h00 a senhora administradora do distrito irá inaugurar o fontenário”
Os populares captaram a notícia com satisfação e alguns celebraram ingerindo cabanga e esperaram ansiosos pelo dia seguinte.
Depois do ululo popular animado com palmas que não paravam de se fazer ouvir, uma segunda salva de palmas foi angariado pelo mestre cerimónia.
A protagonista do acto violento, uma mulher franzina, parecia possuída por um poder supremo que lhe conferia tamanha força.
A tonalidade do rosto da senhora administradora Benilde conferido pelos produtos de clareza ficou alterado ganhando uma cor avermelhada com marcas de dedo da agressora e a sua obesidade que ondulava no vestido de capulana, parecia ter ganho uma magreza instantânea.
Ela, a senhora administradora tinha toda vontade de ripostar, mas ficou submersa num misto de palermice e ódio.
A polícia não demorou a intervir, desarmaram-na dos seus membros superiores, algemando-a, ela ainda esperneou, e um dos seus pontapés atingiu um dos polícias.
- Devíamos todos esbofeteá-la, senhora administradora e não bater palmas! – conferiu a mulher convicta – Eu perdi dois filhos engolidos pelo rio quando carretavam água.
- Abrir fontenários é vosso dever e não nos estão a fazer favor nenhum! – gritou a mulher, fora de si
- Prendam-na! – gaguejou a senhora administradora Benilde.
A revoltosa ainda conseguiu recorrer a mais uma arma, e antes de retirarem-na do local, disparou um grosso escarro que atingiu a dona Benilde na testa.
- Quantos familiares perdemos no rio? – perguntou a atacante e ganhou anuência dos seus conterrâneos.
Semblantes perplexos conferiram a recolha da sua conterrânea pelas autoridades policiais, detiveram-na na esquadra da vila. O auto foi instaurado, e na débil caligrafia do oficial de serviço lia-se “agressão a sua excelência senhora administradora”
O dia ficou refém daquele acto insólito, os aldeãos, uns celebravam a abertura do fontenário e outros a ousadia da dona Mariana Namulile.
A ressaca da dupla celebração do dia anterior fez com que muitos não se descolassem as suas machambas.
E as mulheres que antes iam ao rio, agora caminhavam com os seus recipientes para o fontenário, comentavam sobre os acontecimentos do dia anterior. A manhã já não era a mesma que se haviam habituado, parecia que estava refém do sucedido.
Quando chegaram ao destino perfilaram e a que se posicionava na vanguarda manuseou a bomba e aguardou que a água jorrasse, esperou e nada aconteceu, outra mulher a auxiliou, mas nada, a água continuava a não jorrar. Convocaram então o responsável pela gestão do fontenário. Este fez de tudo mas a água não brotava, o homenzinho não sabia o que dizer nem fazer.
Muitos maridos preguiçosos que aguardavam a chegada das esposas para lhes preparar algo quente ficaram intrigados com a demora destas “não foram ao rio, mas ao fontenário porque demoram” cogitavam alguns deles.
Um e outro venceu a preguiça, pensou numa ralha e dirigiram-se ao fontenário. O mais ousado dos homens antes de proferir o seu discurso autoritário para a sua mulher percebeu da anomalia que ali se operava.
“ Não funciona, enganaram-nos“ – conferiu o homem que vinha com vontade de repreender a mulher.
“ Libertem Mariana Namulile” – gritou o homem e um coro não demorou a fazer-se ouvir.
Saíram marchando em direcção a esquadra da vila.