Como aquele treinador que tem no seu plantel três a quatro muito bons jogadores para uma determinada posição na equipa, tive boas dores de cabeça para escolher o título para esta crónica. Um, bem seria: O silêncio como cumplicidade! Outro: Como o silêncio destruiu o nosso Moçambique! Outro mais: O silêncio como uma poderosa arma de destruição! Mais ainda: De como o silêncio (dos camaradas) hipotecou todo o futuro de uma nação! Mais um: Como o silêncio dos camaradas destruiu o sonho dos moçambicanos (sobretudo dos jovens)! Qualquer um dos títulos arrolados bem traduz a ideia de fundo deste texto: o silêncio ensurdecedor milenar dos camaradas destruiu toda uma bela narrativa, uma lindíssima epopeia libertária, um extraordinário sonho… um partido que prometia tudo a Moçambique, mas… terminou hipotecando, sine die, o desenvolvimento de todo um país! Vamos ao texto.
Muitas vezes, tem-nos sido chamado atenção em como devemos ter muito cuidado com o silêncio de um indivíduo ou de uma instituição. O silêncio é uma arma perigosa. Perigosíssima, por não ter um sentido evidente e preciso. Pode, aparentemente, numa primeira vista, estar a traduzir ou significar ausência de ideia ou iniciativa. Mas pode também ser um sinal de aquiescência, consentimento, ou cumplicidade - há aqui uma proximidade semântica entre estes três conceitos - em relação ao que está em presença/curso. Mas pode ser igualmente um sinal de desacordo, desacordo cobarde, diga-se, porque não manifesto; um desacordo que dá uma margem para se ver aparentemente passivamente o desenvolvimento do cenário até aos limites toleráveis de uma acção em progresso. Nunca se sabe o que vai na cabeça de um indivíduo/pessoa ou instituição em silêncio. Por isso, muitos de nós preferimos lidar com um inimigo declarado do que com alguém que nunca nos diz o que pensa verdadeiramente - vai daí o provérbio “enfrentar o búfalo pelos chifres”!
O nosso maior partido, o partido da nossa independência, o partido das massas, tem -nos proporcionado, sobretudo nos últimos vinte anos, um autêntico boom de um silêncio ruidoso no seu seio, debates faz de contas. Um silêncio que, num ou noutro encontro, foi sendo quebrado ousadamente por uma ou outra voz/vozes, a que, muitas vezes, se apelidaram de corajosos, pois os ambientes eram clara e caracteristicamente menos próprios para intervenções directas, abertas, genuínas (de coração), consistentes (racionais) e… críticas. Reuniões de todos os escalões foram sempre acontecendo, mas vozes madodas, destemidas, acutilantes, consistentes, aquilo que dentro do partido sempre se chamou, e de forma titubeante continua a chamar-se, de “unidade-crítica-unidade”, isso foi sempre uma estória para adormecer infantes (ou para boi dormir, noutros quadrantes). Aqui e acolá, foram surgindo resquícios… (de) Sérgios, Rebelos, Óscares, Teodatos, Kathupas, Teodoros, Graças e Castigos; e pouco menos... O muito do resto, da manada, foi sendo um coro religioso de silêncio sagrado, ou marés de redundâncias das orientações das lideranças, como aquelas que se fazem ao sacerdote… nem sempre racionais, coerentes, lúcidas ou éticas. Autênticos Mestres Tamodas!
É assim que vimos uns bons cinco milhões, agora falamos de seis, de membros bem caladinhos, sentadinhos nas comodidades dos seus benesses, ou na sua pobreza, deixando as lideranças fazerem e desfazerem das suas mentes, crenças, princípios, e das do seu partido, de acordo com os seus interesses. Vimos com olhos compridos, de cinco em cinco anos, congressistas de todos os extractos sociais e proveniências a apenas se orgulharem com voz estridente de terem participado em congressos, mas que nada de substancial articula nesses fóruns - muitos nem sequer (ou nunca) abriram a boca! É assim que fomos vendo no decorrer destes longos anos todos vários comitês centrais mais coristas dos chefes do que debatentes de soluções dos problemas reais da sociedade. É assim que temos assistido a várias versões de comissões políticas autenticados panegiristas de imaginários e fictícios atributos dos líderes de destino. O lema era/é não se pode contrariar o chefe, subserviência religiosa!
Hoje, primeiro semestre de 2024, corolário de todos os corais que foram sempre harmoniosamente entoados dentro do partido, eis nos aqui com o país totalmente absorto na pobreza absoluta: quinto mais pobre do mundo, segundo estatísticas credíveis. De acordo com economistas progressistas, hoje, o país debate-se com cerca de 16 milhões de moçambicanos desempregados - entre adolescentes, jovens e adultos; a economia com poucos sinais de entrosamentos e consistências, largamente caracterizada pela extração e exportação de recursos naturais em bruto e… free ou absolutamente quase free of charge... Eis-nos aqui perante um custo de vida insuportável, apesar de os Celsos da vida apregoarem estridentemente para as Europas do mundo que os moçambicanos têm três refeições por dia e água de fontes límpidas, portanto, límpidas! Eis-nos diante de uma, sem registo na nossa história, insatisfação social generalizada face aos serviços que o Estado oferece - contra ou em violação do contrato social: direito à vida e segurança e tranquilidade, privação ilegal de liberdade (raptos), serviços de saúde condignos, educação, função pública, infraestruturas básicas, serviços bancários de qualidade… e até os justiceiros… os aplicadores da justiça… os causídicos - que estão a caminho de greve! q
Quem diria… os aplicadores da justiça… irem à greve; quem então vai administrar a justiça? Em todos os poros do país só se respira greve…
Pergunto-me: como foi/é possível seis milhões de pessoas se mantiveram/manterem calados/silenciosos/cobardes/cúmplices, eternamente, ante uma gestão político-social contrária aos princípios da organização, danosa e desastrosa como a que temos vivenciado nestes últimos anos? Como foi possível que delegados e delegados a todos estes congressos ou fossem sempre manipulados, ou fizessem vista grossa ante gigantescos e grosseiros desvios de conduta dos seus dirigentes, o que alguém chamou de captura do partido? Como foi possível os comitês centrais se manterem hermeticamente silenciosos ante o descaminho e abandono dos princípios nobilíssimos, sagrados que a Frelimo apresentou inicialmente à nossa sociedade? Permitir que uma, duas ou três pessoas manipulem seis milhões de militantes? Um partido! Um país! Como foi possível? Até imporem a um Moçambique inteiro os seus candidatos? Que mudez e surdez foi essa, a n/vossa? Dirão que o silêncio é intrínseco à disciplina partidária e que as discussões são feitas nos órgãos. Fuga para frente: qual é o significado genuíno, original que nos foi veiculado e ensinado, de crítica-unidade-crítica?
Este silêncio não teve nada a ver com a disciplina partidária. Foi/é um silêncio cobarde, cúmplice, colaboracionista, só explicável na fabulosa abordagem recente do moçambicaníssimo Ungulani ba ka Khosa - um texto inspirador (que inspirou até este texto) que recomendo a todos os compatriotas para uma boa compreensão do nosso percurso político. Jogadas e joguetes de cintura de camaradas (de todos os camaradas?... não sei) à espera de nomeação para cargos de relevância/públicos - tristemente, incluindo individualidades ex-governantes, ou/e de alta renda, com todos os dinheiros destes bancos ou multinacionais, deste Moçambique!...
Estão de parabéns, camaradas!
Eis o país que temos: parado. Regredido. Eis o futuro dos moçambicanos: hipotecado, cheio de dívidas, ocultas umas e desconhecidas outras. Eis os nossos recursos naturais entregues a estrangeiros a preço de banana. Eis a degradadíssima qualidade da nossa vida, segurança, saúde, educação, bem estar, infraestrutural, económica - custo de vida insustentável - e agora até tiraram a capacidade de informação e comunicação (os megas) a este povo sofrido.
Com o vosso silêncio complacente!
ME Mabunda