Certa vez, dei por mim a parar numa padaria sita na Sommerschield, para cumprir com uma das corriqueiras estratégias que são usadas para mobilizar os homens a se fazerem cedo à casa.
Enquanto apreciava para decidir que pão levava, apercebo-me de uma “interessante conversa” que os quatro empregados do local travavam: “Diga-se o que se disser dele, aquele senhor é gente, é pessoa, é humano. Os outros quando chegam aqui nem se preocupam em nos saudar, em saber como estamos e até 10 Meticais de troco levam. Mas ele mostra que é nosso e que sabe que estamos a sofrer”.
O jornalista que mora em mim falou mais alto e, zás, já estava na conversa. De quem estão a falar, amigos (eram três mulheres e um homem, no que prevalece ainda a regra da “primeira classe”)?
“De Ossufo Momade, o Presidente da Renamo”. Certo, disse-lhes. Outro dos quatro toma a palavra: “Diferentemente dele, os outros, até grandes dirigentes, que vem para aqui muitas vezes também, não têm o mínimo de consideração por nós, talvez por sermos elementos do povo. Naquele senhor [Ossufo Momade] nós éramos capazes de votar por nos revermos nele. Não só pelo dinheiro de chapa que nos dá, mas por ser humano, por não ter desprezo connosco”.
Vem este longo, e talvez desenquadrado, intróito, a propósito do Congresso Eleitoral da Renamo, o maior partido da oposição, que decorre desde ontem na pacata vila municipal de Alto Molócuè, na província da Zambézia, quase na fronteira com a de Nampula, através do distrito de Murrupula.
Ainda que seja, desde sempre e até com muita dose de razão, o eterno “saco de pancada” dos jornalistas e dos comentadores políticos, a decisão de a Renamo realizar o seu congresso em Alto Molócuè, que será, certamente, do seu dirigente máximo, sugere que o líder da Renamo pode não ser assim tão politicamente naive como é sempre caracterizado, sem intervalo para teste nenhum de razoabilidade.
Ao reunir os seus na fronteira entre os dois maiores círculos eleitorais do país, que contribuem com 40% dos deputados da Assembleia da República, albergando pouco mais de um terço da população moçambicana, a Renamo pode estar, talvez até sem se dar conta, a dar um inequívoco sinal de “ligação umbilical” com as almas daquelas duas províncias.
Igualmente, pelos dias daquele evento por lá (antevéspera, véspera e os próprios dias do congresso), as mais de 1.200 pessoas (700 delegados, 300 convidados ao congresso e 200 jornalistas, identificáveis e não identificáveis membros das Forças de Defesa e Segurança, etc.) que andam por Alto Molócuè nestes dias estão a dinamizar a economia local como nunca visto.
Só na componente acomodação, na vila talvez toda as famílias estão a ter, directa ou indiretamente, oportunidade de negócio, considerando que a esfera formal de acomodação é muito insignificante para tamanha demanda.
Se cada um dos participantes ou profissionais que para lá se fez, que os estimo no número acima, gastar em Alto Molócuè pelo menos MZN 10.000,00 (dez mil Meticais), no geral os delegados ao congresso, convidados e os demais deixarão ficar, na habitualmente moribunda economia local (passei por lá, pela última vez, há um ano!), pelo menos MZN 12.000.000,00 (doze milhões de Meticais), o que anima a vida de qualquer “assentamento humano” do género.
No campo da disputa da liderança, o “saco de pancada” parece ter tudo para renovar o seu mandato partidário legítima e tranquilamente, por ter com ele, muito provavelmente, talvez 40-50% dos congressistas (os participantes com direito a voto).
Os demais oito candidatos vão ajudar-lhe a dispersar os votos dos 50-60% dos que eventualmente não estejam com ele. Ou seja, a existência de vários candidatos (8, sendo Ossufo Momade o nono) é uma benção para o actual líder da Renamo.
Ainda que alguns candidatos se possam unir numa única frente (o que é muito improvável), tipo na minha amiga Ivone Soares, o “problema” não se veria automaticamente curado, por haver fortes sinais de alguns dos oito serem candidatos preparados pelo próprio Ossufo Momade.
Já agora, sendo o eleitorado moçambicano eminentemente juvenil (perto de 70%), um candidato presidencial jovem, como Venâncio Mondlane, Ivone Soares ou Manuel de Araújo, seria meio caminho andado para a Renamo, diferentemente de Ossufo Momade, que, é bom que se reconheça, não “vende” em quase todos os campos!
Entretanto, tudo indica que ainda não é desta que a juventude vai tomar conta do segundo maior partido moçambicano, quando a Frelimo, o único adversário sério da Renamo, já o fez, com eleição e promoção de Daniel Chapo.
Esta é, a meu ver, a “tripla força” subtil do líder da Renamo, que pode ser um ponta-de-lança oculto, que, se estivesse na casa dos 17-19 anos, ainda iria a tempo de ser preparado para os “Mambas”. Aos que adoram celebrar quando os opositores confiam em “cavalos que não correm”, como diria o Mestre Salomão Moyana, é bom terem sempre presente que, amiúde, o voto é “do contra” e não necessariamente “a favor”.
Não fosse isso, em bairros como Polana, em Maputo, e Palmeiras, na Beira, o vencedor seria sempre a Frelimo e os seus candidatos, pelo perfil dos residentes desses locais, o que muitas vezes não têm sido o caso!