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quarta-feira, 21 novembro 2018 17:46

Contos de Mumemo / Bola de Cristal

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Ouve-se “bola de Cristal” de Olho Vivo numa casa de bloco cru em Memo. São 9 horas da manhã e Ernesto espreguiça-se na sua cama casal. Teve, mais uma vez, uma noite intranquila. Estamos em 25 de Novembro e as taxas de câmbio testemunham o fracasso do metical face ao dólar. O homem levanta-se com a sensação de que a subida do carapau, do dia anterior, será compensada com o excesso de oferta de verdura nos mercados. A realidade, no grossista do Zimpeto, não lhe dá razão. A couve acompanhou o peixe. Dói-lhe, agora, ter experimentado aquela sensação. “Estou de luto”, comenta para os seus botões. 


Não tem sido fácil para Ernesto, o homem de negócios que prosperou com a venda de carros segunda mão. Desde que o esquema dos partidos foi desmantelado, o pequeno negociante não vê a cor do dinheiro. Na sua casa culparam-lhe, primeiro, pela falta de queijo e, depois, pela falta de derivados de frango. Agora falta pão e culpa continua imensamente dele. Ao lado, numa outra casa, Julião sorri pela desgraça de Ernesto. Sob ponto de vista da estética dos bons costumes é indecente festejar o fim de um homem. Como também seria indecente festejar a morte duma criança. Mas isso não impede Julião de celebrar os maus dias de Ernesto. É que a lógica do ódio não se move pela racionalidade e nem pela justiça.


Ernesto julga-se detentor legítimo do direito de festejar a desgraça alheia. Não festeja, como pretende fazer transparecer, o fim dos negócios ilegais do vizinho. Ele celebra, isso sim, a vizinhança no lodo da desgraça. Ele hoje não vai comer e sequer reuniu dinheiro suficiente para o my love, mas esboça o maior dos sorrisos pelo simples facto de partilhar a situação com o vizinho.   Na casa ao lado Ernesto faz contas a vida e pensa nos preços que corroem os últimos pilares da sua dignidade. Começou por ser o chefe do agregado e acaba assim, como um zé-ninguém. Começou com um carro topo de gama e acaba curvado num my love. A prosperidade efêmera e sucumbiu ao cerco contra ilegalidade.  Ciente da incapacidade de realizar o milagre da multiplicação, Ernesto coloca uma corda ao pescoço e põe termo a vida. Já, aliás, estava morto, a partir do momento em que se revelou incapaz de realizar o prodígio de alimentar o seu agregado em época de crise.

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