- Bom dia, mãe! Quanto custa uma 'cabeça de repolho'?
(Silêncio).
- Mãe, 'cabeça de repolho'... é quanto?
(Silêncio). A velhota levantou-se, endireitou a avental a riscas azul que cobria os seus seios fartos e virou-se para a vizinha da banca ao lado esticando o braço direito que segurava um copo de plástico com água fervente.
- Mãe de Djeri, peço um pouco de açúcar aqui.
- Acabou, tia. Era um plastiquinho de 5 meticais. Esses agora estão a piorar. Até val'apena começarmos a fazer chá com matoritori.
- Mas, este repolho não está a venda ou quê?! Afinal, estão a vender ou não estás 'cabeças'?!
- Meu filho, não me arranja problemas. Vai-nos arranjar problemas, meu filho. Você não viu aquele documento? Não ouviu 'pele-menos'?
- Não vi. Mas eu só queria comprar uma 'cabeça de repolho' só. É que documento, mãe?
- Estamos com problema aqui, meu filho. Aquele que chamar 'cabeça de repolho' vai na esquadra. Levaram mãe de Zenzi ali ontem porque falou 'cabeça de repolho' 80 meticais... apareceu polícia... levaram ela na esquadra... repolho também levaram no Mahindra.
- Não estou a perceber...
- Passou um documento que se chama 'circular'. O chefe do mercado mandou para todos assinarem. A 'circular' dizia que ninguém devia chamar repolho de 'cabeça'. O documento diz que é proibido dizer 'cabeça de repolho'. É proibido. Quem falar 'cabeça de repolho' vai parar à esquadra.
- Mas como assim, mãe? Quem fez esse documento... essa circular? Mas porquê? E vocês...
- Não sei, meu filho. Mãe de Djeri, quem escreveu aquele documento de repolho?
- Conselho de Ministros.
- É Conselho de Ministros, meu filho, que escreveu... que proibiu dizer 'cabeça de repolho'.
- Xi...
- É o governo. O governo está a proibir as pessoas chamarem 'cabeça de repolho' isto aqui (apontando para um monte de cabeças de repolho' sobre o balcão da dua banca). Agora é 'bola de repolho'. 'Cabeça de repolho' são umas pessoas que o governo foi buscar não sei aonde que andam nas rádios e televisões. Mas muito muito no 'feicibuque'. São pessoas especialistas em 'ensultar' os outros. São 3 jovens. Esses agora têm direitos sobre o nome 'cabeça de repolho', publicado no Boletim da República e tudo. Explicou a mãe de Djeri enquanto amamentava o seu bebê. Mãe de Djeri era uma jovem na casa dos 20. Parecia muito informada. Falava num à vontade pedagógico.
- Xiii... Afinal!!!
- Sim, mano! 'Cabeça de repolho' já não é para hortículas. Só pode chamar 'repolho' ou 'bola de repolho'. 'Cabeça de repolho' tem donos.
- Está certo! É quanto então essa 'bola de repolho' dele?
- 80. Mas podemos cortar ao meio, se quiser, meu filho. Era a velha com um sorriso meio reservado.
Diz a lenda que foi assim que tudo começou. O 'cérebro' foi substituído pelo 'repolho'. O termo 'cabeça de repolho' virou patente privada de 3 jovens da Pérola do Índico. Agentes à paisana e SISEs passaram a trabalhar na área de venda de vegetais dos mercados para controlo da linguagem verbal dos utentes. Mahindras fizeram história nos mercados grossistas de Zimpeto e Waresta. Bilibiza foi reativado para receber os infractores da etiqueta das culturas folhosas. Passados séculos, esses jovens ainda são lembrados com buquês de repolhos e couves na cripta. Na verdade, o projecto de transplante cerebral descoberto na quarentena pendémica de 2020 havia iniciado há um qüinqüênio atrás. Era o fim da geração depois da viragem e início da geração do repolho, quando o diploma passou a ser enfeite.
E nunca mais se ouviu falar de 'cabeça de repolho' no mercado. Era só na rádio ou na tê-vê ou muito muito no 'feici'.
- Co'licença!