Director: Marcelo Mosse

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BCI

Carta de Opinião

terça-feira, 01 outubro 2019 13:33

Ouvindo a música da natureza no Bistro-Pescador

Estou sentado na esplanada do Bistro-Pescador, nome dado ao restaurante escondido no sossego de um dos cantos da baía da Inhambane. Tenho vindo para aqui, sempre que possível, poucas vezes, não propriamente para beber alguma coisa ou comer, mas para contemplar a ponte que deste lugar se torna peculiar. Não que a infrasestrutura tenha atributos de grande engenharia moderna. Até porque aquilo é obra dos tempos remotos, sem que seja, mesmo assim, uma velharia. Esta obra é o símbolo do passado. Uma fortaleza do espírito bitonga. Provavelmente seja por isso que me arrebata.

 

As águas do mar estão aqui mesmo, perto de nós, beijando os utentes. Por vezes fugindo deles em maré baixa, para depois regressarem em maré alta, num esplendoroso ciclo da natureza que Deus criou. É isso também que me motiva a estar aqui, mesmo que não peça nada para degustar. O café está caro, porém tenho encontrado uma forma de desencantar algumas moedas para pagá-lo, caso contrário vão mandar-me embora. E eu tenho um desejo irreprimível de banhar-me com esta dádiva.

 

Os inabaláveis pilares da ponte, que avultam para suportar a plataforma, vistos daqui, parecem estar dentro de mim, segurando a bandeja das minhas lembranças. Estando aqui, o meu cérebro não se abre às memórias ruins. Aliás, para quem escuta a música da natureza, não tem como dar espaço aos pensamentos nefastos. E eu estou escutando a música da natureza, dançada pelo meu espírito e pelos raros pássaros marinhos que também cantam. É isso que eu procuro a fim de ostracizar a tristeza.

 

- Não vai mais nada, senhor?

 

Quem me pergunta é a garçonete, enquanto retira a chávena de café, já sem conteúdo, e limpa suavemente a mesa. Ela fala leve de tal modo que condiz com o próprio lugar. Com a própria natureza, que estou a observar.

 

- Não, muito obrigado.

 

À esta hora não está ninguém neste espaço. O que não sei é se as pessoas foram-se embra, ou ainda estão por vir. Mas isso não importa. Até porque daqui a pouco vou zarpar. Saciado. E pelo caminho, de regresso à casa, nada me vai abalar porque estou fortificado. O oxigénio enchido nas botijas da minha alma vai dar para os próximos dias. E quando acabar, volto de novo ao Bistro. Assim, sucessivamente.

segunda-feira, 30 setembro 2019 08:24

Vale a pena ver de novo

O título da minha crónica assumidamente imita aquele slogan da Globo que nos remete aos remakes das nossas novelas preferidas e a uma gama variada de clichês a que a vida está sujeita durante o nosso lifetime. Moçambique tem uma história complexa no que diz respeito aos #valeapenaverdenovo.

 

Três deles não valem mesmo a pena, mas não largam o nosso país. A corrupção, as alterações climáticas que geram calamidades todos os anos e a falta de escrúpulos que se vive no mundo da comunicação e eventos. Hoje venho falar do terceiro elemento.

 

Venho falar de Maputo. Terra das Oportunidades. É não é? Aqui pode-se fazer tudo! Não é quase tudo, mas sim tudo. Por isso até usamos a palavra “Maputices”que se lerem bem tem só um significado.

 

Em 2012 iniciei, com mais 2 pessoas um projeto que se chama “Jardins em Festa”. Ficou conhecido em toda a cidade, uma vez que foi inovador naquela altura. Trouxemos festa aos jardins acabados de renovar e que ninguém, até à altura, tinha olhado para eles sem ser para fins comerciais. Instalar restaurantes e fazer mola.

 

Esse projeto oferecia e oferece concertos, espaços para bandas que hoje em dia são super conhecidas nacionalmente e uma nova forma de txilar na cidade. A perspetiva ambiental de preservar e respeitar os espaços verdes foi a palavra de ordem para a implementação do projeto. A Feima tinha acabado de ser renovada com a parceria da AEICID mas não era tão cosy como os jardins.

 

Afinal a cidade é nossa e anima poder dançar nos nossos jardins e ainda perceber que relva se bem estimada é renovada. Não parece nada de novo dito agora, mas há 7 anos era e contámos com a parceria da AMOR que começava a dar os seus primeiros passos na cidade de Maputo e mais uma dezena de parceiros, já que ninguém acreditava que era possível e não houve dinheiro, mas sim 4 jardins cheios durante 4 semanas e o trabalho de apenas 3 pessoas e a boa vontade do Paulo do Gil e a sua equipa.

 

Devido à conjuntura do país a continuação deste projeto cultural e ambiental parou.

 

Há 2 anos, depois de uma ausência física por motivos profissionais da cidade que Amo e da descrença que continuo a ter e que muitos moçambicanos também têm nas instituições públicas e privadas, decidi voltar a implementar, sozinha, o regresso dos Jardins em Festa em Maputo.

 

Até 2018 não tinha acontecido nada de semelhante.

 

Dei por mim a trabalhar dia e noite, durante 6 meses e com muitos nãos à mistura. O normal para um produtor. Tive o sim da Taag, que me fez um desconto na viagem, o sim da Super Bock que me apoiou com um valor simbólico para a realização dos Jardins em Festa no Jardim Dona Berta e no Jardim dos Cronistas, em março de 2018, e o apoio da agência Boost em Angola que me produziu todos os materiais a custo zero. E o teu, Marcelo, da Logos, que nunca me falhas quando me ausento, já são alguns anos nisto. Bem como o do Conselho Municipal que me apoia em toda uma logística difícil que é gerir um festival em várias artérias da cidade .

 

Não tive nenhum espanto quando este fim de semana uma amiga minha me mandou uns vídeos super nices de outros amigos meus que estavam num palco da Feima a tocar. Que Orgulho, senti eu. Também não me espantei quando vi que o evento é em toda a essência igual ao meu. Só não é ao domingo, é ao sábado e ali no horário também muda um só bocadinho... para não ser tão igual.

 

Eu própria não tive uma ideia original quando pensei nos JeF e o propus às pessoas com quem iniciei o projeto por saber que já o conheciam.

 

Inspirei-me no Out Jazz de Lisboa, um projeto levado a cabo a muito custo pelo José Filipe Rebelo Pinto que já viu a ideia dele a ser reproduzida como eu estou a ver agora. Obrigada Zé que até o plano de marketing me disponibilizaste para eu implementar para meu projeto! Mas tal como os acordos de cavalheiros existem, fui ter contigo em 2011 e em 2017 a manifestar a minha ideia.

 

Esta situação fez-me refletir muito e consultar os meus conselheiros antes de escrever. Afinal para que é que servem os meus 16 anos de trabalho em Moçambique e Angola a comunicar marcas, implementar projetos de comunicação e PR como o Verão Amarelo ou o cliente 1 Milhão da mcel, ver a minha cidade a vibrar com a Miss Coconuts e até o Mr. Coconuts, participar no rebranding de um banco como o Millennium bim e da mcel, andar do Rovuma ao Maputo a recolher histórias de superação, outras tão pouco, escrever programas para TV, promover shows de música para não analisar o que se passa com a subida vertiginosa da falta de escrúpulos dos players das grandes marcas e seus parceiros?

 

Como é que uma agência de comunicação produz e organiza o seu próprio evento com a anuência da marca que “patrocina” o evento?

 

O fato de se instalar uma fábrica em Moçambique e mandar para lá alguém que não entende da idiossincrasia do País gerir o marketing, mas por instinto ou “recomendação” só confia “nos seus”?  Deixo aqui o repto para começarmos a refletir na forma como no mercado das marcas e das pessoas nos comportamos com o próximo e com o promotor/gestor cultural local.

 

E desafio todos os responsáveis de marketing e comunicação que dizem que estão à espera das respostas dos PCA’s (que estão nem aí para alguns projetos micro) que inviabilizam futuro e ideias brilhantes só porque não andaste com eles no mesmo colégio. Isto acontece em bancos, cervejeiras, seguradoras, operadoras móveis onde há sempre um não sorridente mesmo sabendo que o projeto é bom, porque o preferem dar a um amigo.

 

Temos de começar a falar disto para a nossa vida profissional não ser pautada por remakes e sim fortalecermos os nossos projetos pelo simples fato de sermos parceiros de negócio e não pedintes. Uma relação profissional pode-se tornar pessoal, mas apoiar algo que sabemos que já esteve em cima da nossa mesa vindo de outra pessoa é unprofessional e um conflito de interesse.

 

Magda Burity   

 

Jornalista

 

Cultural Manager pelo Institut für Kulturkonzepte Hamburg

 

*este texto foi escrito ao abrigo do acordo ortográfico em vigor em Portugal

segunda-feira, 30 setembro 2019 06:03

Samora e Eu (cont.)

Ao fim de quase cinco minutos a porta deixa de bater, dando lugar a um duplo silêncio: o meu e o da batida da porta. E do outro lado da porta uma voz anuncia que o “boss” (Samora Machel) mandou avisar que passará depois das eleições, pois o tempo eleitoral não é propício para visitas que não sejam de caça ao voto. Confesso que a notícia foi um alívio e assim preencho o resto da noite com algumas e pequenas lembranças de episódios urbanos de protesto pacífico nos tempos de Samora Machel.

 

Por muito tempo guardei de pequeno a imagem de um marinheiro branco da tripulação do barco à gasolina que fazia a travessia Maxixe- Inhambane. Da escadaria da porta do barco, o marinheiro contemplava nostálgico as ondas do mar como se estivesse a despedir de algo especial e que também lhe pertencia. Recordo que eu me interrogava: o que será que ele tanto vê nas ondas? Na segunda visita de Samora Machel tive a resposta: eram as ondas da liberdade. As ondas que naufragaram quinhentos anos de domínio colonial. E de certeza que foram as mesmas ondas que depois da independência comprimiram paulatinamente a liberdade conquistada.

 

Na época, à escassez de alimentos se juntou a de liberdade. E uma das formas de protesto foi o significado que o povo atribuía ao nome das marcas dos automóveis que circulavam com dirigentes na altura. Os famosos LADA e NIVA. Estes automóveis, para quem não se lembra ou que não saiba, proviam dos países ditos aliados naturais e socialistas: as defuntas URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e a RDA (República Democrática Alemã). O LADA ao passar pelas artérias da cidade o povo, em voz baixa, dizia: Leva Atrás Dirigente Analfabeto. E a resposta vinha logo no carro seguinte, o NIVA: Não Importa Vamos Andando.

 

Uma outra maneira de protesto urbano foi através do desporto, sobretudo o futebol. Tenho dúvida que era só o bom futebol que justificava as enchentes do Estádio da Machava ou de outro recinto desportivo. Penso que boa parte do público ia ao estádio para viver em pleno 90 minutos de liberdade. E o trio de arbitragem – coitados – era sempre usado como o alvo do destino dos protestos.

 

Outra forma de protesto era não acompanhar o “viva” ou saudar o dirigente. Uma vez, eu e um amigo arriscamos esta opção. Nos comícios orientados por Samora Machel, fora longos e obrigatórios, não se deixava sair até que se anunciasse a retirada do presidente. Uma das vezes, na praça da independência, eu e o tal amigo fomos violentamente impedidos por militares, os célebres “PMs”, numa tentativa inglória de saída. Éramos miúdos e não sabíamos que a liberdade conquistada tinha horário de funcionamento e nem havia excepção de idades.Por conta da dor e de não podermos sair decidimos que da próxima vez que nos avistássemos com o presidente não lhe saudaríamos como gesto de protesto.

 

O dia não tardou. O presidente acabara de receber um seu homólogo (creio que foi o presidente Pinto da Costa de São Tome e Príncipe) e vinham no Jeep presidencial. O Jeep Já por perto, todo o mundo saudava e menos nós. O presidente Samora Machel nota, deixa de saudar a multidão e segura com firmeza a barra do Jeep. Em seguida direcciona e executa um zoom fulminante do seu temido olhar, culminando com a nossa tímida saudação.

 

Por esses tempos e na ex-metrópole, Portugal, um amigo conta que em Lisboa, capital portuguesa, ficou estupefacto com o nível de protesto popular. Numa parede e a propósito de uma visita de Ronald Reagan, na altura presidente norte-americano, estava gravado: “Reagan go home and take Soares with you”. Soares era na altura presidente ou chefe do governo português. Por cá e nos anos oitenta quando rebentou a febre de pichar os muros da cidade (outra forma de protesto) não se chegou a esses níveis. Não imagino algo parecido numa visita ao país de Mikhail Gorbatchev, então alto dirigente da URSS.

 

Outro episódio marcante e que o tal amigo presenciou em Lisboa foi a ousadia de um casal de idosos que lançava impropérios contra uma comitiva governamental em sinal de protesto contra o pessoal que vivia, folgadamente, às custas do erário público. O marido mandava vir e bem alto gritava “seus marqueses de pombal” em alusão a um estadista que marcou a política portuguesa nos tempos da monarquia.

 

A mulher corrigiu o marido, dizendo que a referência estava desactualizada. Para a senhora devia ser: “seu primeiro-ministro, seu deputado, seu secretário de estado”, entre outros cargos da vida pública portuguesa que vivem sugando o erário público. Imagino que o estimado leitor esteja a pensar o mesmo por estes lados da pérola do índico. Acrescente à lista: “seu cabeça-de-lista”.

 

Depois da independência uma das primeiras obras de vulto na cidade de Maputo foi o processo de instalação de cabos subterrâneos da empresa Telecomunicações de Moçambique (TDM). Não me recordo o ano, mas provavelmente depois da morte de Samora Machel. A empresa encarregue da obra foi uma oriunda da Itália de nome SIETTE. Esta empresa foi quem iniciou com a política de abrir buracos na estrada e não tampar. Em protesto e de surdina, o povo dizia que SIETTE significava “Somos Italianos Esburacamos Todo o Tipo de Estradas”. Aliás, outros tipos de buracos, estes de ordem financeira, devem ter iniciado por estas alturas.

 

Já se faz madrugada e oiço o roncar de um carro. É tempo de dormir. Este ronco lembra-me histórias dos mais velhos sobre um outro carro oriundo dos aliados naturais de Moçambique. O ronco inconfundível do não menos famoso UAZ/WHAZ, um carro esverdeado ou da cor de caqui que os mais velhos temiam. Outros tempos.

Já se foi pouco mais de um ano, após a morte do presidente da RENAMO “Dhlakama”. Homem, este, cujo, discurso característico, a maioria guarda-lhe na memória. E no desenrolar do percurso desta formação política (pós, Dhlakama) muitos voltam à história para melhor perspectivar o futuro.

 

            É um facto simples que moveu comigo para escrever este artigo. Penso sobre o futuro que em pouco tempo de esperança dado pela assinatura do Acordo de 6 de Agosto de 2019 entre o Governo e a RENAMO no seu nível mais alto de ambas as partes e que em pouco tempo é contestado por uma parte da perdiz. O que está por de trás dessa facção interna na RENAMO? Será que é movido por uma má gestão do processo das negociações que conduziu as partes à assinatura do Acordo recente?       

 

Bom. Todas as hipóteses podem ser prováveis. Numa das conferências dirigida pelo Afonso Dhlakama nas serras de Gorongosa, (a última quanto ele em vida), no seu discurso abordou sobre o futuro do seu partido. Isto é, pensar na liderança desta formação política, onde, alertou que não se devia apenas centralizar-se na sua pessoa, pois a qualquer momento partiria sem volta e o partido não poderia parar por aí. Alertou ainda que a sua formação é política e democrática; diferentemente da estrutura tradicional. Onde, a sucessão é automática, de pai para o filho.

 

“…tem de se pensar no futuro da RENAMO, a comissão política pode propor quem pode dirigir o partido e se for eleito, eu, até, posso ajudar (…). Mas tem de se propor alguém que nos represente melhor, caso não, seremos envergonhados. Ah eu, ah eu é que estudei muito…ah eu, ah eu sou independente…seremos envergonhados. Temos que propor alguém capaz.” Pelas palavras disse Afonso Dhlakama.

 

Nesse discurso, o líder, ainda deu a possibilidade de haver facção interna movido por vários motivos e em viva voz disse: “haverá alguém que dirá que ele também pode dirigir, e isto, pode criar baixa ao partido”. Apelou ainda, que deveria se tomar cautela e paciência neste processo tendo em conta a complexibilidade da matéria. Esta profecia, hoje, está cumprida.

 

            A RENAMO reuniu-se numa conferência extraordinária, logo, após a morte do seu líder e indicou-se o líder interino para coordenar o partido e em especial o processo negocial da paz efectiva com o governo esperando o congresso que decidiria quem dirigiria esta formação política. O congresso realizou-se e elegeu democraticamente Ossufo Momade ao cargo de presidente da perdiz.

 

Pouco tempo depois, fomos apanhados de surpresa. General Mariano Nhongo acusa o líder de homicídio, promete-o a morte, declara o não reconhecimento do mesmo como líder e avança que a RENAMO juntar-se-ia para eleger seu presidente que levaria ao cabo todo o processo DDR. Os alegados mortos pelo líder provaram estarem transferidos e em vida. Os militares juntaram-se e elegeram Mariano Nhongo numa confusa designação: presidente da RENANO ou líder da Junta Militar da RENAMO (uma designação que penso ser encontrado no dicionário jornalístico para puder informar de forma específica sobre este grupo). Este grupo exige a renegociação do processo de paz e o adiamento das eleições de 15 de Outubro para melhor se preparar e ameaça usar força caso contrário.

 

É visível a olho nu o que Afonso Dhlakama prevera à sua sucessão de liderança. Há facção interna na RENAMO que periga Moçambique no seu todo. E, se este caso não se controlar de imediato penso que as baixas previstas não serão apenas para a RENAMO, mas para o Governo (independentemente dirigido com que partido que for a ganhar as eleições deste ano). Falo do Governo, pois, este vera sobre o bem-estar do povo, o escudo que será usado, e, é imperioso que o Governo esteja presente para aliviá-lo de qualquer mal. Daí, não vejo ninguém de boa vontade que pare para assistir este problema e que diga o problema é da RENAMO. Logicamente o problema é da RENAMO, mas as consequências serão de Moçambique no seu todo. Outros partidos podem tirar proveito disto, conquistando o eleitorado caluniando como afirma JENS ERDMANN em “A calúnia como instrumento da política (1941) ”.

 

O meu apelo é, todas forças vivas de Moçambique como no mundo inteiro têm de fazer a sua parte para que se ultrapasse esse impasse pacificamente. O meu muito obrigado

Nada mais rico e interessante como a possibilidade de " Pensar Moçambique" em momento de campanha eleitoral, entendo aqui por campanha como o 'contrato', namoro, a sedução, o assédio, a troca de mimos e carinhos, os olhos lindos, a exibição de charmes e danças, a busca pela empatia e alteridade entre os políticos e potenciais eleitores, entre os manifestos e os eleitores, entre o debate de 'ideias', entre os partidos com vista a melhor piscar os olhos para os potenciais eleitores, e porque não, entre os propagandistas e as suas capacidades de melhor manipular com recurso as tecnologias de informação aos  potenciais eleitores. 

 

"Pensar Moçambique" já o fizerá Doutor Eduardo Mondlane (1969) no passado, e faz sentido indagar nesta temática em 2019, se sim, como fazê-lo? Pois, o nosso país que se pretende plural carece de reflexões de todas e de todos predispostos em fazê-lo, com ou sem ideologia, com ou sem cores, no final, as lutas dialéticas e epistémicas sobre Moçambique devem ser livres e espontâneas, sem caixas, sem grupinhos e sem donas e donas, até porque as lutas do Doutor Eduardo Mondlane em representação de um grupo plural, que nem sempre foram dentro da mesma panela, continuam presentes e actuais, e hoje com a vantagem de podermos Pensar Moçambique de maneira plural rumo a uma reconciliação, reparem que o silêncio é inimigo não só da paz, mas particularmente da reconciliação.

 

Moçambique é um exemplo natural deste antagonismo, paz e reconciliação. Pensar Moçambique pela sociedade, pela academia, deve ser algo normal, visto que os partidos e os governos não gozam da prerrogativa do monopólio deste debate, até porque a própria cultura de subserviência confundida com respeito pode não ajudar estas duas instituições a procederem e fluírem neste debate. 

 

O desejo e o debate académico 

 

  • Por onde anda a nata e a cereja académica (mais localizada no quotidiano académico)  ou intelectual (mais localizada na sociedade como um todo) moçambicana no espaço dos debates no contexto da campanha?
  • Desejando este grupo pode fazê-lo em segurança?
  • Por onde as 53 Instituições de Ensino Superior (salvo erro), neste momento de barulho construtivo, optaram ou 'optaram' pelo silêncio?
  • O silêncio no lugar da fala em momento de Pensar Moçambique, seria 'normal' ? 
  • Os activistas sociais encontram espaços nas Instituições de Ensino Superior (IES) para Pensar Moçambique?
  • Precisam os debates e as reflexões sobre Pensar Moçambique em época de campanha ter lugar nos hotéis, com tanta infraestrutura boa nas IES?
  • Last, but not least, o que desejam os 'camaradas reitores' face aos debates em prol de uma sociedade autónoma e esclarecida e como reagem os 'camaradas reitores' quando são confrontados por este desejo vindo da nata académica e ou intelectual?

Assumo que o normal e o anormal, assim como a nossa capacidade seletiva depende do contexto e muitas vezes, a geografia do poder tem sido determinante. Mas, em época de campanha ficaria uma luta contra a força do vento tentar justificar a ausência de um 'desejo' por um debate de ideias progressista em prol de Moçambique, não há Moçambique sem ideias, a força braçal tarde ou cedo se ressentirá do vazio de ideias.

 

Os partidos fazem aquilo que melhor conhecem, ou seja, fazem a campanha com base nos nossismos, nos seus euismos, nos seus pessoimos e nos seus meuismos, ou melhor, estão numa panela fechada cheia de ' eu desejo (s)' e como sabem que o mundo deles não procede sem a nossa cumplicidade, entramos numa bola de neve psicanalítica, onde o ' eu desejo' nos é socializado como sendo ' nosso desejo'. 

 

Precisamos desta passividade ' eu desejo versus nosso desejo'? Acredito que esta passividade só ganha espaço com a nossa cumplicidade, visto que a campanha precisa ver vista e percebida não como sinónimo daqueles que fazem política activa, mas e sobretudo de toda e de todo moçambicana\o com interesse em pensar e falar sobre esta temática, respeitando aquelas e aqueles que de forma consciente optam por observar em silêncio, até porque existe uma longa tradição da figura dos ediotes políticos (Grécia antiga). 

 

Mas o interessante e importante é a urgência da classe política perceber que eles devem fazer parte e ser uma força para que o debate académico sobre Pensar Moçambique possa fluir e ser uma prática, libertando assim os ' camaradas reitores' para que estes possam fazer muito bem o seu papel de bem servir rumo a uma academia e sociedade autónomas e com liberdade de expressão. 

 

Existindo académicos e intelectuais com o ' eu desejo social' ou seja, com desejo de debater e pensar em prol do país, imagino que estejam a passar por um conflito interno titânico, uma batalha entre 'falas e silêncios' estruturais e institucionalizados, entre o eu real (silêncio) e o eu ideal (falar). Ouçam, optar pelo silenciamento dos pensamentos, desejos e atitudes, leva as seguintes categorias psíquicas, a saber, 

 

  • Legitima uma forma silenciosa no debate académico e na sociedade;
  • Legitima a cultura do medo;
  • Legitima a cultura de uma sociedade subserviente;
  • Legitima de forma cúmplice que: 1. pensar pode ser perigoso; 2. que pensar diferente pode ser  pecado ou crime; 3. pensar out of the box pode ser um risco;

Estas categorias podem ser vistas de forma societal, ou seja, estrutural (de fora para dentro). Mas na dimensão de indivíduo (de dentro para fora) pode levar aquilo que designamos por desindividualização, e sem deixar de lado os danos na sua psique, a saber: 

 

Vulnerabilidade; Perca de autonomia; Desconfiança excessiva; Passa a agir sempre na reativa; Liberdade muito limitada pelo sentimento de medo e insegurança; Próximo do mundo mental da frustração e ;Consciência inconsistente.

 

Mas no lugar de lutar internamente na mente e com a consciência, o que se pode fazer é criar alianças com aqueles poucos que já passaram por esta fase e valorizam mais a sua consciência do ' eu desejo social'. Não se esqueçam do seguinte, quando nós falamos e somos livres para pensar, encontramos um conforto interno e ajudamos muito a nossa saúde mental. Se notarem, durante os comícios os políticos e os membros, simpatizantes e curiosos trocam muitas gargalhadas, pois, para muitos aqueles momentos são de libertação e de desejos (cruzamos aquilo que ouvimos com os nossos viés).

 

Last, para os 'camaradas reitores' e para os políticos no activo com o martelo da geografia do poder, pensar este momento sem debate seria surreal, pois, para a sociedade, para a academia, não deve existir a seguinte frase 'não é bom momento', para um debate de ideias, sempre é bom momento em prol de um país autónomo e esclarecido. Não há desenvolvimento, não há crescimento sem confronto de ideias e as academias não devem ser vistas como lugares privilegiados do silêncio, o silêncio não deve encontrar espaço nas academias, as mesmas devem ser os verdadeiros celeiros, terrenos, machambas das ideias, estas por sua vez, devem aceitar as culturas dentro delas. Quem trabalha em instituições académicas, deve saber que em momentos de campanha tem uma responsabilidade acrescida perante a comunidade académica e a sociedade em geral. 

 

' As academias não têm cores, nos corações das academias cabem todas e todos '.

 

"Desejo do desejo pelo outro", campanha como desejo

 

A política é uma forma de desejo, que na sua génese se pretende ' eu desejo social'. Os políticos são aqueles que melhores narrativas sabem encontrar para socializar os seus ' desejos ' junto aos membros, simpatizantes e a sociedade como um todo. Pois, a percepção que se tem dos desejos dos políticos e dos seus partidos são importantes neste processo de ' namoro '. 

 

A campanha pode ser percebida como sendo um momento de apetite, um momento de consciência de si que almeja a servidão do outro, um momento onde os partidos políticos querem que eles (comícios, manifestos, músicas, danças) sejam o status quo, onde eles são o centro das atenções. As campanhas necessitam da presença do 'outro ', um outro submisso, obediente, só assim ela alcança os seus intentos, visto que o desejo encontra o seu pilar no outro. Acampanha é um momento de 'dialética' de desejos (Lacan), da reciprocidade (Fanon), ou seja, a busca de ser reconhecido ( Kojéve) e aceite pelas massas. 

 

Em Moçambique, para as Eleições Gerais de 15 de Outubro de 2019, concorrem quatro candidatos às Presidenciais e vinte e seis Partidos Políticos às legislativas e provinciais, que significado têm estes números no desejo do desejo pelo outro? Desejam coisas diferentes para o povo moçambicano? Temos clareza sobre o que eles desejam? Podem estes desejos fluir sem debates inter-candidatos e partidos?

 

No mundo dialético dos desejos, onde o desejo (auto-consciência) reconhece que precisa do desejo do outro (eleitor), para o caso moçambicano, cada candidato presidencial funciona dentro da consciência de si (desejo pelo centro das atenções), com seus manifestos e os quatro precisam da figura e presença do outro para que este seja dominado e satisfaça os seus desejos. Pois a consciência de si necessita da outra consciência, consciência de si mediante o outro e estas consciências interagem, uma como ' senhor' e outra como ' escravo'. 

 

Campanha como desejos deve prever primeiro e acima de tudo um continuun entre o desejo dos potenciais eleitores e os desejos dos partidos políticos (e seus cabeças de lista), significa que estes desejos de forma ética e saudável devem fluir e comunicar. Esta dialética entre os desejos dos eleitores e dos partidos políticos não deve funcionar na lógica " Do Senhor e do Escravo ", onde a relação de dependência em benefício do ' senhor', que sabe que não sobrevive sem a presença do 'escravo'. Mas uma relação com base num continuun entre o senhor e o escravo ou melhor, com base num continuun entre o escravo e o senhor, onde o escravo saiba que ele é o centro das atenções e o senhor tenha consciência de si como um bom servidor. Para tal é necessário vencer o sentimento de medo e o silêncio. 

 

O ' Senhor ' pode funcionar como sol, mas não deve esquecer nunca que o ' escravo' é o protetor solar. O desejo do desejo do outro deve ser humanista e saudável, no lugar de desejos tóxicos. 

 

quinta-feira, 26 setembro 2019 08:31

Sando Lodge: tristeza e desolação

Na verdade este lugar entristeceu-se.  Feneceu. Perdeu todas as molécolas da cumplicidade que se foi enraizando na amizade desinteressada da juventude. E de nós, os sexagenários, já no fim da caminhada, levados para ali pelo contágio da alegria. Sando Lodge era o cântaro em si. Um pote puro. Uma espécie de palco onde todos cantavam e dançavam por dentro, deixando o resto  por conta das emoções. Aqui residia o sinónimo mais profundo da liberdade. Mas o que sobra agora, para o nosso desespero, são os fiapos da última luz deixada pelo entusiasmo de viver.

 

Sando Lodge fica aqui perto da minha casa, ao longo da baía de Inhambane. Já sem as sonoridades do bem estar que nos proporcionava no seu sossego. Sem a brancura das areias, ora pejadas da escória devolvida pelo mar à nossa ignorância. Tudo aquilo que nos dava paz e desejo de estar ali, sucumbiu: o espaço livre  e limpo, agora ocupado por desgraçados casebres, cujos ocupantes sofrem em tempo de marés enquinociais.

 

E se você quiser conhecer o testemunho de toda a poesia tecida ali, no roçagar dos corpos, depois dos copos, esse testemunho somos nós. Que não queriamos mais nada para além da brandura do tempo que nos embalava entre os braços da areia branca  e o peito das águas tranquilas do mar. Era isso que nos movia para o Sando Lodge. E bastava-nos.

 

Agora ninguém procura o lugar. Pior do que isso, ninguém fala dele. Nem o próprio Santana, o jovem tornado eixo pela simplicidade e humildade. Santana era, lado a lado com o Sando Londge, ou por detrás  disso, o mote para todo o júbilo. Agora ficou sozinho, ruminando a nostalgia do tempo que pode não voltar. Jamais. Até os flamingos já não passam perto para  estabailizarem a pressão do coração que se vai esvaindo. E para agravar a tristeza, aí estão as almadias quedadas em maré vaza.

 

O que dói é perceber que apesar do amor que alimentamos durante longo tempo, entre nós e as águas que se despejavam serenas nas areias brancas do Sando Lodge, já não há nada que nos liga. Ninguém quer saber do outro. Nem as noites de luar, que eram uma maravilha observadas a partir dali, nos afagam a dor de termos perdido um dos lugares mais prazerosos da baía de Inhambane. Nem as luzes que cintilam do outro lado, do lado da Maxixe, chegam para espantar a desolação.

 

Talvez um dia alguém cante uma música em homenagem ao Sando Lodge. Quem sabe!