É expectável que uma obra tenha ou comece por um projecto de arquitectura de acordo com os termos de referência do promotor e que cumpra as fases posteriores (projectos complementares - estabilidade, hidráulica- electricidade - e o projecto executivo), incluindo a contratação de um fiscal e do empreiteiro. A obra - depois de aprovada pelas autoridades competentes - inicia e desenrola em ritmo ditado pelas condições existentes (financeiras, materiais, tecnológicas e humanas). É suposto que assim aconteça com o processo de construção das nações. Contudo, nem sempre uma obra é feita de acordo com os ditames dos manuais. E o caso de Moçambique?
“O país é uma obra que nasceu de um projecto concebido - em 1962 - por Eduardo Mondlane (e outros), o primeiro Presidente da FRELIMO, cujo desiderato era a liberdade, a prosperidade e a união de todos (unidade nacional) num imponente edifício que se chama Moçambique. Por razões conhecidas o arquitecto do projecto, Eduardo Mondlane, não esteve na data do seu lançamento (7 de Setembro de 1974, Acordos de Lusaka) e na data do início da obra (25 de Junho de 1975, Independência Nacional).
Hoje, volvidos 44 anos de avanços e recuos no processo de construção, existe a forte percepção de que a obra que se esperava uma empreitada (de acordo com os manuais) descambou para uma típica autoconstrução (fora dos manuais) à boa maneira da pérola do índico. Nada confirmado, mas para o indispensável esclarecimento uma auditoria preliminar foi encomendada em resposta à seguinte questão: até que ponto foram observados todos os procedimentos e empregues os recursos adequados para uma construção sólida e duradoura de Moçambique?
O objectivo central da auditoria passa por obter a opinião profissional e independente da análise dos dados do projecto e dos da sua execução de modo a reflectir o estado da obra e o respectivo risco a 31 de Dezembro de 2019. Prevê-se que do trabalho saia um relatório e a competente carta de recomendações. Estes documentos serão publicados no próximo ano por ocasião dos 45 anos da independência do país. Em 2023/24 será feita uma auditoria completa (final) cujos resultados serão publicados no contexto das bodas de ouro da independência nacional (2025). Uma auditoria forense - havendo razões - será equacionada nos termos a serem acordados.”
Estava a transcrever parte de um documento elaborado pelo conceituado e multidisciplinar turbo-consultor Doutor Fofa. Por coincidência um amigo e o garganta-funda (informador secreto) de alguns dos textos publicados e de certeza de outros que advirão. O nome FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças) foi-lhe atribuído nas andanças das consultorias e de intervenções em conferências e na media, pois sempre que ele inicie ou termine uma análise recorre ao já famoso “nos termos da abordagem FOFA”. Esta frase passou a ser a sua marca. A marca do Doutor Fofa: uma figura eminente e incontornável dos meandros da luta pelo (sub)desenvolvimento sustentável do país.
Coube a este turbo-consultor a empreitada de levar acabo a auditoria. Para tal cobrou (e foi aceite) 10% do Orçamento do Estado (OE) do ano em exercício. Uma pimba de massa como se diz na gíria popular. Na prática um outro ministério. Os argumentos de que o Estado não busca o lucro mas o interesse público e de que um consultor que se preze carece do adequado conforto para estar imune a outras percentagens foram demolidores e favoráveis para a decisão tomada.
Para o pagamento da auditoria foi decidido que a fonte do dinheiro seria directamente do bolso dos moçambicanos. O valor por cidadão, o mecanismo para a sua colecta e a gestão do fundo seriam estudados, apresentados e operacionalizados a tempo do fecho da auditoria no presente ano e prorrogável por mais três meses. Para “um documento soberano, dinheiro soberano” foi a frase de ordem que abriu, dominou e encerrou o debate do “Consórcio Governo-Sociedade Civil” (ainda sem nome), encarregue para gerir o processo da auditoria. Porventura, o início de outros e novos tempos.
Pela primeira vez, em três décadas e poucos anos de carreira de consultadoria, o Doutor Fofa seria pago pelo dinheiro do povo moçambicano. Todavia, o encaixe financeiro e o seu semblante não se encaixotavam com o gostinho da satisfação. Algo do tipo “o que o novo patrão implica como responsabilidade?” passava pela sua cabeça. Uma expressão adaptada da emblemática “o que a liberdade comporta como responsabilidade” - dita (por um afro-americano) a respeito e na altura da aprovação da lei que proibia a escravatura na América - que Severino Ngoenha, filósofo moçambicano, tem-se socorrido em outros contextos e sempre que necessário.
Uma outra e possível razão (de contenção da satisfação) fosse - supostamente - o facto do Doutor Fofa achar que é o 13º da lista dos cidadãos a serem abatidos no âmbito da “Revolta dos Beneficiários”. Para mais informação desta sublevação - a revolta do eterno grupo-alvo do combate contra a pobreza cuja arena são as unidades hoteleiras - o leitor terá que ler o texto https://cartamz.com/index.php/opiniao/carta-de-opiniao/item/2163-a-revolta-dos-beneficiarios do mesmo nome. Para quem leu o Doutor Fofa é o amigo que passou a ter medo de assinar a lista de presenças de batalhas de combate a pobreza.
Para o início do trabalho de auditoria o consultor sugeriu e como parte da metodologia – inclusiva e participativa – um processo de auscultação aos donos da obra (o cidadão/povo). Deste exercício o Doutor Fofa espera recolher contribuições sobre o objecto em pauta. Os dados serão a posterior sistematizados de acordo com a análise FOFA ou SWOT, na língua inglesa, quando se pretende marcar a diferença.
E sem marcar diferença termino o texto ciente de que cada moçambicano está em condições de conduzir a sua própria auditoria/avaliação e emitir uma opinião independente quanto ao facto da “obra Moçambique” ser uma empreitada ou autoconstrução bem como em relação ao estado e risco da mesma a 31 de Dezembro de 2019. Mãos ao cérebro. Saravá!
PS (i): uma obra do estimado leitor (acabada ou em construção) pode servir de ponto de partida para a sua opinião. Aliás, acredito que este final de semana (ou um outro recente) tenha por lá passado com um sobrinho - recém-graduado em área afim - para a devida apreciação (técnica). Aposto que o sensato sobrinho não emitiu a real opinião por culpa do abarrotado “coleman”, penosamente castigado de tanto ser usado como anexo enquanto é o conteúdo principal das visitas à obra. Ademais, caso o sobrinho não tenha pedido o contacto do mestre/pedreiro ou tenha questionado com desdém “quem fez/está a fazer?” aconselho ao “mano” que fique preocupado quanto ao estado e risco da sua obra.
PS (ii): seria recomendável que o fim de um mandato fosse acompanhado por um relatório de auditoria/avaliação independente da governação e a respectiva carta de recomendações. Estes documentos seriam uma ferramenta útil de (a) avaliação do desempenho e adequação ao contexto dos principais órgãos do estado, (b) estruturação do governo e (c) eleição/indicação de titulares de acordo com o perfil do e para o cargo. Para começar o acesso aos termos de referência seria importante. Ou melhor, a consulta pública deveria sempre iniciar pelos termos de referência do trabalho a ser executado. Não foi assim com o Doutor Fofa, mas fica a proposta para ser equacionada no futuro.
Este texto é escrito a respeito da febre de enchimentos que grassa o país. Todo o mundo quer encher alguma coisa: os lábios, os glúteos, os seios, os bicípites e outros músculos, incluindo o músculo que está a pensar. Isto a nível do corpo humano. Por outras esferas: os bolsos, as estatísticas, as facturas, o “chapa”, as urnas de votação, a lista das “marandzas” e por ai em diante. Uma autêntica e veloz corrida aos enchimentos. Na senda, partilho abaixo um episódio interessante (acho) de um dos empolamentos mais procurados da florescente indústria de enchimentos em Moçambique.
Há uns anos um grupo de quatro funcionários de uma instituição da capital do país esteve em Lichinga, província de Niassa, numa jornada laboral. Um bónus de um final de semana pelo meio - intencionalmente encaixado para uns dias extras de ajudas de custo e de lazer com as contas pagas – foi aproveitado pelos viajantes para uma merecida tarde de sossego no Lago Niassa. E já agora: encherem a lista de locais visitados e as redes sociais com as melhores imagens (fotos e vídeos).
Chegados ao Lago e devidamente instalados numa sombra de pau-a-pique os colegas foram passando a tarde na companhia de líquidos nacionais e do delicioso peixe local que é uma das atracções da bela praia do Lago. O ambiente estava agradável e o papo seguia a mesma onda. Cada um foi descrevendo peripécias de viagens anteriores em trabalho e o devido aproveitamento para uns dias de turismo. Um deles contou que certa vez conseguiu enquadrar a família numa dessas viagens de trabalho. Um outro colega disse que fez o mesmo com a diferença de ter enquadrado uma “Emília” e não a família. Em fim, outros enchimentos e com as contas pagas.
A dada altura, um senhor de idade - que por ali zanzava com um saco e ares de quem estivesse em actividades de pesquisa - tomou a direcção dos “vientes” (não da terra/província). Depois de anunciar a entrada, pousou o saco e cumprimentou o grupo com honras militares. Uns minutos depois já estava palavreando sobre a sua vida, ressaltando na fala a troca do “r” pelo “l”. Na sua trajectória sobressai o facto de ter sido, no tempo do governo de Salazar, um marinheiro da armada naval portuguesa. E para quem quisesse tirar a prova dos nove o velho prometeu mostrar a farda e o álbum de fotografias.
Depois de algum tempo a entreter o grupo com a sua história – uma estratégia de “marketing” – o velho exibiu o conteúdo do saco: um suposto produto que tornava resiliente o membro masculino. Segundo as palavras do velho “o membro enchia e não caia” (pressupondo a queda em combate), ditas enquanto mostrava e descrevia outras maravilhas do mágico produto. E para dar mais crédito recorreu da própria experiência, anotando que mantinha a sua mulher – bonita e muito jovem - graças ao produto e por nenhum outro motivo. A-propósito: o nome do tal produto foi ocultado para não influenciar as vendas e o potencial risco de alguns indicadores do sector da saúde sofreram uma subida negativa e considerável.
Encerrada a sessão de “marketing” passou a de certificação do produto. Para tal cada um ligou para familiares e amigos a nível nacional. Muitas chamadas foram para Tete e Sofala, províncias com fama no tipo de produto em causa. Aliás e para recordar, numa das recentes edições da Facim, a principal feira de negócios de Moçambique, foi um produto semelhante – e de uma das duas províncias – que foi o mais procurado, tendo esgotado nos primeiros dias quando não nas primeiras horas.
Concluído o “due diligence” o resultado favoreceu as finanças do velho. Com a aquisição os quatro colegas - animados com o produto e encorajados com o respectivo “no objection” popular - delineiam os respectivos planos e o “casting” para a necessária estreia. Pelo desfecho do “casting” o produto não se destinaria ao consumo caseiro, contrariando a experiência do velho quanto as vantagens do seu uso doméstico. Contudo, as duas abordagens concorriam para o mesmo objectivo: a manutenção.
Cumprido o objectivo da ida ao Lago Niassa e na efusiva solenidade de despedida do velho marinheiro – pela companhia e pelo mágico produto - este fez questão de fazer um aviso à navegação quanto ao uso do produto adquirido. A advertência foi clara e sombria: o produto apenas funciona para situações de complemento (reanimação) e não de falecimento (ressuscitação) do ente querido. (Se) “Molleu, Molleu!”: foram as fulminantes palavras do velho marinheiro enquanto batia em retirada. Uns passos depois, notando que o grupo estava com sérias dificuldades de digestão e para que não ficasse nenhuma réstia de dúvidas, o velho - em tom jocoso e bem audível - enfatizou: Molleu, Molleu!
PS (i): o recurso a certos sectores da florescente indústria de enchimentos pode ser satisfatório em curto prazo e estar a ocultar situações que possivelmente careçam de outro tipo de intervenção e para outro tipo de resultados em médio e longo prazo. Apostar em soluções de ressuscitação talvez fosse melhor e sustentável do que as de reanimação. E pelos vistos ninguém/o país não se dá ao trabalho de investir (não se enche de ideias) para criar as condições necessárias nesse sentido, incluindo o velho marinheiro do Lago Niassa.
PS (ii): num texto anterior e a reboque de eleições que se avizinham, mormente quanto aos polémicos dados e ditos empolados da província de Gaza sugeri, a título de ajuda, aos gestores das eleições (CNE/STAE) que declarassem a inclusão, no recenseamento eleitoral, de dados da Faixa de Gaza (médio-oriente),quiçá, uma extensão ultramarina – e por reivindicar - do antigo Império Nguni (de Gaza). Na sexta-feira passada, a CNE veio a terreiro confirmar os dados de Gaza. Na prática a CNE reiterou a posição inicial que entra (pelo que se consta) em colisão com os dados/previsões do INE, Instituto Nacional de Estatísticas. Resumindo: Tudo na mesma. E na mesma continua também a minha sugestão.
Nessa altura emergia uma panóplia de ouro, composta por jovens que haviam nascido para fazer aquilo mesmo. Foram escolhidos já no ventre das mulheres que os geraram, e a única possibilidade que tinham, nessa condição, era brilhar. Cintilaram mais do que o tempo que os cometas levam a luzir por sobre a terra. E alguns deles continuam a reverberar até hoje. Passado quase meio século.
Tudo aquilo era um turbilhão. Uma cascata cujas águas era a música em si. O que acontecia na cidade de Inhambane, na verdade parecia também uma ramal do pop, ou o pop feito pelos manhambanas. Com o propósito único de fazerem parte da loucura. O kivis, por exemplo, um agrupamento que tinha a base em Nassurdine Adamo, Badru, Dionísio, e Suamado, fazia parte dessa paródia. Eles lembravam, em determinados momentos, sobretudo pela maneira como se vestiam, os Beatles.
Desse alfobre único, alvoreceu ainda o Inhambane 70, uma banda de família que tinha em Manuel Vicente Pires (pai), o próprio badalo para marcar o compasso. Mas foi José Pires (um dos filhos), alcunhado “Quality” pelos amigos, aquele que mais se elevou entre todos os membros do grupo, usando os dedos de veludo para tocar piano ao mais alto nível. Ele marcou profundamente o tempo dos clubes nocturnos na cidade de Maputo, um pouco depois da Independência Nacional, tocando particularmente em lugares como Hotel Polana. E se não chegou ao nível de Nat King Kol, é porque Zé Pires não tem voz para cantar.
Jaco Maria é dessa gesta, e teremos poucas margens de erro se afirmarmos que ele é uma das pedras mais brilhantes de entre todos aqueles que vieram daquela época. Gostava de calças à “boca de sino” puxadas até um pouco acima do umbigo e usava camisas extremamente apertadas. Mas esse era o estilo do momento, trazido um pouco do vertiginoso Jimmy Hendrix. Significa que Jaco provavelmente será o manhambana desse tempo que se tornou mais visível. Se calhar pelo poder cataclítico da voz, onde reside toda a sua alma.
Mas a cidade de Inhambane é fundamentalmente um lugar de êxodo. Todos os que são daqui querem partir, para nunca mais voltar. O Chico da Conceição nunca mais voltou, nem o Magid Mussá. De outros, nem os corpos, na horizontal, como o Nassurdine Adamao. Ficou a história deles que ninguém a conta para os jovens. Já não há matinés dançantes onde o Kivis e o Inhambane 70, alí na Associação Africana, eram o centro da gravitação da juventude.
Outros tempos!
Vestia um capote castanho, umas jeans azuis rasgadas, camisa de seda preta para combinar com a escuridão da noite, o negro de suas botas que custaram a morte de uns crocodilos que coabitam com as gentes do vale do Zambeze e o relógio que sempre usou para controlar as horas nas noites que o marido se divertia com a adrenalina das partidas de futebol no estádio do quarteirão.
Os seus passos seguiam o compasso da música de Eros Ramazzotti, num “Piu Bella Cosa” (A coisa mais bonita) que queria que assim fossem todos os homens e mulheres que com ela cruzaram. Mas as formulas da física estavam em operações em sua mente, havia aprendido que a vida segue um movimento retilíneo uniforme (nascer, crescer, casar, ter filhos e ser feliz para sempre), entretanto, parece que o ultimo estagio não queria sair do mundo platónico das ideias, o que lhe fazia testar o movimento curvilíneo retardado para retardar tudo na vida em nome de uma coisa, a felicidade.
Durante a vida havia escutado histórias de que a sua cor representava o luto, a dor e o sofrimento. Tentava encontrar isso quando olhava para a noite e para o asfalto molhado de neve para onde caminhava naquela brisa de Milão. Recordava-se do último 14 de Fevereiro passado numa praia algures na Grande Africa, aquele dia tao especial, que acordou com a voz doce de um homem que lhe presenteou duas cabeças de alface. “Piu Bella Cosa”, pensou.
`A sua esquerda um reclame escrito o nome do maior monte de Africa ao portão de uma casa também de cor escura. “Bemvenuti a lei” (Seja bem-vinda) – diz um homem alto bem sorridente. A africa tem o sorriso de suas gentes, infelizmente isso não conta nas estatísticas do desenvolvimento, pensou quando viu o seu fratello soltar sorriso e agradecer-lhe por ter vindo.
Bebia um vinho amargo, pois desejava que amargos fossem os vinhos e não a vida. Manjava de tudo que apreciava e dançava as musicas de Wizkid “Are you gonna dance, if I show you my heart” (vais dançar se mostrar-te o meu coração) e ela pensava, “Are you gonna cry, if I show you my secrets” (Vais chorar se mostrar-te os meus segredos).
Nós somos peixes que se afogam no oceano da vida quando os segredos provocam cheias nos subúrbios de nossos corpos, por isso não os deixe que existam quando tiver que se relacionar comigo – afirma um ragazzo que a corteja. Ora, se gostas que a gente fale, prestas um excelente favor a classe feminina, responde.
Não percebo. Percebes sim. Explica-me melhor. Esta certo, deixe explicar-te uma coisa: maior parte das mulheres não são felizes com seus parceiros, fingem orgasmos para preservar a relação e ainda não falam aos parceiros porque temem que os mesmos se zanguem. Assim torno a cometer o mesmo erro há anos sem que seja dito? Sim, se bem que é um pouco ariscado dar lições a um homem sobre o que ele deve fazer, porque te pode ainda matar. Oh! E já alguma vez morreste? Queres saber? Sim. Sou uma ressuscitada e agora bem vacinada. Oh já agora, me fazes um tutorial? Certo, dá-me a tua mão e vamos fazer um teste de paciência, olha que ela é a mãe da vitoria...
Em 2017 li um livro que gostava de partilhar, resumidamente, uma reflexão em torno do mesmo, através de alguns questionamentos no que concerne ao recente debate relativo aos números do recenseamento eleitoral.
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Morten Jerven é pesquisador e em 2013 escreveu um livro que se intitula ''Poor numbers: how we are misled by african development statistics and what to do about it'' [tradução literal: Números pobres: como é que somos enganados pelas estatísticas do desenvolvimento em África, e o que fazer sobre isso], fruto de um trabalho etnográfico nos centros de produção estatística de Gana, Nigéria, Uganda, Kenya, Tanzânia, Zâmbia e Malawi, de 2007 até 2010.
No mesmo, o autor procura discutir a questão segundo a qual como é que a partir da produção estatística a paisagem económica, demográfica, social e até política sobre o continente africano tem sido de forma constante manipulada a partir da produção de números que não reflectem em nada o ''real''.
Ao mesmo que se questiona sobre os números, o autor refere que em algumas vezes os dados são usados para reforçar uma reivindicação, e noutras, são o ponto de partida para definir um problema. Para ele, se as estatísticas de rendimento e crescimento em África não significam o ''real'', uma grande parte da análise de desenvolvimento e objectivos de política estarão igualmente sem sentido.
De forma resumida, como resultado, o autor mostra que os recursos escassos que o continente dispõe são consequentemente mal aplicados, pois as políticas de desenvolvimentos não fornecem os benefícios esperados. Por conseguinte, os doadores não têm uma noção precisa do impacto da ajuda que fornecem.
Noutro avanço do livro, Jerven se questiona mesmo se o continente africano é uma realidade distante do que se produz em termos de estatística sobre o desenvolvimento, em comparação com demais países, sobretudo os chamos ''desenvolvidos''.
O livro deste autor surge muitos anos depois de um outro intitulado ''How to Lie with Statistics'' [tradução literal: Como mentir com as estatísticas], da autoria de Darrell Huff, publicado em 1954 – sobre introdução geral ao estudo da estatística. Nele, de forma cómica, Huff descreve erros de interpretação estatística e como os mesmos podem criar conclusões incorretas.
Mas porquê tudo isto?
O introito acima surge não como resposta ao debate em torno do ''dono dos números'' de Gaza, mas pretende colocar para reflexão que a problemática da produção estatística não é um debate recente.
Os números são uma produção humana, mesmo que o seu tratamento obedeça ao comando técnico e programático, a sua reflexão não escapa ao que o manipulador comandou para ser feito.
Nenhuma estimativa ou equação deve ou pode ser tomada como exacta na combinação dos números. Aliás, a estatística social não é nada mais que a combinação desses mesmos números e a leitura quotidiana da realidade que colectamos para posterior tratamento técnico.
Por maior defesa que o INE ou o STAE/CNE estejam hoje a fazer, nada mais será que defender os seus ''poor numbers'', produzidos sob lentes que as suas entidades consideram como correcto ou não. Podemos discutir a metodologia ou os ''softwares'' utilizados, mas apenas será isso e nada a mais. Pensamos que não nos deve assustar o que está a acontecer entre o INE e o STAE/CNE. Aliás, pelo contrário, é para nós uma oportunidade de se discutir o modelo menos problemático (não falamos de ideal) de produção das nossas estatísticas demográficas e eleitorais.
Alargando para um outro campo, no passado dia 16 de Julho, o Professor António Francisco (IESE) alertara que ‘’enquanto nós não tivermos estatísticas vitais, das pessoas que nascem e das pessoas que morrem, vamos depender sempre do Censo e ninguém consegue dizer cientificamente se foi de facto completamente correcto, pois embora exista a taxa de omissão nós não temos nenhuma referência’’. Este pronunciamento surge na esteira das declarações do Secretário Permanente do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos que revelou que o Governo não sabe quantos moçambicanos nasceram e morreram durante o quinquénio prestes a terminar.
No que as eleições dizem respeito, é possível constatar, tal como apontam Perrot et al. (2016), que desde os anos 2000 os processos eleitorais em África tornaram-se mais complexos com a introdução de novas tecnologias na organização da votação, sua supervisão e a contagem de votos.
As políticas de transparência e modernidade são agora incorporadas por objectos extremamente sofisticados: registo biométrico de eleitores; sistema paralelo de recontagem; impressão digital; máquinas de votação; localização da estação de voto móvel – todos dispositivos que devem garantir veracidade da informação sobre o eleitor e a eleição, a confiabilidade da contagem ou contra-contagem, ou mesmo a sinceridade do voto. Contudo, nem sempre essa “materialidade do voto’’ é acompanhada com a devida preparação para a sua plena implementação, dado ao factor transpositivo de uma realidade distinta do contexto.
*In fine, não queremos com isto afirmar que hoje devemos desacreditar o trabalho que ultrapassa fronteiras nacionais já realizado pelo INE ou ainda pelo STAE/CNE, mas não nos escusamos de dizer que abre-se aqui uma janela de discussão que pode nos ajudar a responder a questão seguinte: com que números se vai desenhar Moçambique?
Com ou sem resposta, terminamos com a citação de Rex Stout (s/d): “Existem dois tipos de estatísticas: as que você lê e as que você faz.’’
No fim-de-semana passado voltei a equacionar uma ida ao Major: Major Araújo. O nome antigo de uma rua boémia da baixa da Cidade de Maputo, outrora Lourenço Marques. Enquanto a decisão tardava aproveitei e recuei no tempo da última aparição. Na altura, fui ao local com a viva lembrança de uma afamada sedutora e esbelta trigueira que depenara – o bolso e o físico - de um amigo em troca de um misterioso “bigodinho”. E também influenciado pelo sugestivo cartaz da noite. Na realidade fui com uma dupla missão: O “bigodinho” (a principal) e o cartaz (a tempestiva). Já conto.
No local, cumprida a formalidade de segurança, entrei e a esbelta trigueira – que não passava despercebida - estava cintilante num canto. Fingi que não a vi. Durante a noite – estrategicamente - optei pela missão do cartaz. Uma prioridade - com justeza - a de muitos. A sala estava abarrotadíssima e oscilou, tal abalo sísmico, no momento do anúncio do último “show” de “striptease”. Era o cartaz da noite: uma dominicana e das mais cotadas “stripper”. A primeira vez em África. Na prática um regresso. O tom dos relevos que lhe esboçavam o corpo sinalizava as suas origens. Eram 3h23 da manhã de um domingo. Não me esqueço da hora porque guardo o “print” da conta que paguei pouco antes da entrada da dominicana.
Nesse dia estava confiante. Chegar, ver e vencer. Para tal estava em boa companhia norte-americana: Benjamin Franklin, Ulysses Grant e Abraham Lincoln. Amigos que não me embaraçariam na hora dos custos do “bigodinho” ou de um bom domingo dominicano que seria uma ímpar e boa oportunidade para passar à limpo uma velha curiosidade suscitada por um amigo – o Gabarolas, Gabo para os próximos – a propósito de umas férias passadas na República Dominicana.
Das férias do Gabo e do contado por ele – ao grupo confidente de amigos – retenho a descrição forense do que ele apelidou de “atracção turística”. Adianto já que o cartaz da ““stripper” - hoje a capa do meu álbum-baú de posters - até que podia servir de elemento de prova. Uma outra atracção, desta vez artística, foi o semblante do Gabo, carregado de uma “maldade” sem precedentes, enquanto e apoiado com gestos, narrava - com detalhe cirúrgico – toda a anatomia do complexo turístico das dominicanas.
Solicitado que contasse se tinha apenas visto ou visitado alguma unidade hoteleira - que correspondesse ao descrito – Gabo respondeu que reconhecia a pertinência da questão, incluindo o gozo da partilha, mas que preferia o silêncio em assuntos de intimidades. A atitude gerou um burburinho no grupo. Foi considerada uma tamanha falta de respeito e o cúmulo da insensatez e do egoísmo. O mesmo que ficar num monólogo interminável e até ao túmulo depois de passar uma noite com a monumental Beyoncé, cantora e actriz norte-americana.
Voltando ao quartel do Major. A esbelta trigueira – que nunca disse o nome – diante da minha aposta num projecto internacional partiu para um compulsivo nacionalismo-consumista. Do tipo: primeiro o produto doméstico e o excedente - havendo – podia ser exportado. De repente e do nada, enquanto ela untava o meu corpo de fumo de cigarro que lhe saia pelos orifícios do vício, senti um apertão na baixa do regadio do Chókwè (conhecido pela produção de tomate). Em seguida um outro apertão. Preferi não denunciar a dor que se foi suavizando à medida que a sua voz, no meu ouvido, sussurrava: solte a ATM que te faço um “bigodinho” histórico. Foram as últimas palavras que me recordo desse dia.
No passado sábado, transcorrido o tempo de um mandato quinquenal, depois de hesitar face ao mau tempo que se avizinhava, decidi voltar ao quartel do Major. Chamei o táxi e o típico “estou a chegar” foi a resposta. Enquanto esperava senti uma fumada do néctar de palmeira do índico. Era do casaco (de tom militar) que só voltei a usar este sábado. Depois da última ida ao Major guardei-o com medo de que o aroma desvanecesse e eu ficasse sem referências físicas dela. Tinha a vaga esperança de um dia encontrá-la (a esbelta trigueira) e o casaco seria uma espécie de prova do crime.
Na quinta-feira anterior tinha recebido um suspeito correio electrónico que me levava a ela. Não me lembrava que a tivesse passado os meus contactos. Combinamos que passaríamos o sábado no mítico local e que a surpresa eu já sabia. No fim da mensagem ela assinou “b” que me remeteu ao “bigodinho”. Não me exaltei em nome do foco da nova missão: desvendar o célebre e misterioso “bigodinho”. Tinha prometido e que contaria aos meus amigos.
Voltei a ligar e o taxista não atendeu. Por sinal o mesmo da última ida ao Major. Não podia fazer nada. Tinha que esperar. É o meu “taxista da sacanagem”. Cada um tem o seu. Imaginem o estrago social de um megafone nas mãos dele. Oxalá – e cá eu não esteja – quando os taxistas descobrirem que podem fazer um extra com as editoras.
A madrugada já se fazia sentir. Fiz mais uma chamada de insistência. Desta vez nenhum sinal. Suspeitei que o taxista tenha feito um desvio de aplicação de uma entrega. Os taxistas também são de carne e osso. Para estragar o dia: uma chuva torrencial, um corte de energia e o telemóvel sem carga. Acabei dormindo, enquanto esperava que o taxista viesse conforme o código que tínhamos em caso das linhas estarem “off-line”. Despertei por volta das 6h30 e deitado, durante uma hora, passei o tempo a pensar no que diria aos meus amigos, ansiosos por novidades, sobre o mítico “bigodinho”.
O mau tempo passou e desabrochou uma manhã de um domingo solarengo. Uma solitária caminhada matinal e de seguida uma pausa no café de sempre. Pouco depois a esplanada estava entupida de amigos do costume e de outros, homens e mulheres - alertados pelos primeiros e assim sucessivamente - que se apressaram ao local. Em princípio nenhum – dos do costume - viria por conta de compromissos familiares. O repentino movimento migratório foi depois da promessa (um “fake news”) que fiz, via “whatssap”. A mensagem dizia: Esta madrugada estive com a esbelta trigueira. Aguardo a vossa chegada em 15 minutos para revelar os contornos do misterioso “bigodinho”. Estou no local habitual. Saravá!
PS (i): As televisões abriram os respectivos telejornais com a notícia de um engarrafamento nunca visto ao domingo e de manhã. Não foi pior porque os automobilistas foram notáveis e exemplares na organização da gestão do trânsito em direcção ao café. Foi ainda destacado, na notícia, a prontidão, a pontualidade e organização dos moçambicanos, qualidades que escasseiam quando se trate de outras matérias e vitais para o desenvolvimento do país.
PS (ii): As eleições estão à porta. É expectável que fossem aplicados – o tempo, a concentração e a curiosidade investidos na leitura do presente texto - nos manifestos dos partidos e grupos cívicos que tomarão parte nas eleições do próximo dia 15 de Outubro. A propósito de eleições – e quanto aos polémicos e empolados dados da província de Gaza – vai uma ajudinha aos gestores das eleições (CNE/STAE): declarem que incluíram, no recenseamento eleitoral, os dados da Faixa de Gaza (médio-oriente),quiçá, uma extensão ultramarina – e por reivindicar - do antigo Império Nguni (de Gaza).