Os ataques militares que se verificam em nove distritos da província de Cabo Delgado, norte do país, continuam a merecer maior preocupação e indignação, de quase todas as partes do mundo. Depois de a União Africana ter tomado, oficialmente, o conhecimento das atrocidades que se verificam naquele ponto do país – tendo prometido ajuda com equipamento e formação para resolver o problema de forma holística – agora é a vez dos Estados Unidos da América (EUA), da Federação Russa e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) manifestarem a sua disponibilidade em apoiar o nosso país no combate àquele fenómeno.
Falando a jornalistas, há dias, após reunir-se com a Presidente da Assembleia da República, o Embaixador Russo, em Moçambique, Alexander Surikov, afirmou que o seu país sempre esteve ao lado de Moçambique e que “mesmo agora, oferecemos ajuda humanitária por causa dos ciclones que ocorreram, em 2019, nas regiões centro e norte”.
Porém, apesar de Moscovo e Maputo nunca terem assumido a “parceria”, o facto é que o país tem recebido o apoio russo, desde Agosto do ano passado, quando o Grupo Wagner (uma organização paramilitar de origem russa) começou a operar nas “matas” de Cabo Delgado, em apoio ao Exército moçambicano, que se tem mostrado incapaz de travar a situação. O país recebeu também, em Setembro de 2019, material bélico russo.
À sua saída do parlamento moçambicano, Surikov voltou a “fintar” os jornalistas, em relação a estas questões, tendo sublinhado apenas ser de “vital importância” que se evite a perda de mais vidas humanas. Disse ainda que o combate aos insurgentes requer uma acção conjunta e flexível e que o governo de Vladimir Putin está disponível para apoiar Moçambique em tudo que for necessário.
Por sua vez, o novo Adido Militar da Embaixada dos EUA, Fergal James O’Reilly, apresentado na última sexta-feira, 14 de Fevereiro, garantiu que Washington “está mais do que aberto” a cooperar com Moçambique, no combate aos ataques armados, em Cabo Delgado, uma vez o seu país ter experiência no combate ao terrorismo.
“Estamos mais do que abertos a ajudar, de qualquer forma que pudermos, a derrotar este problema que vocês têm. Cabe às autoridades moçambicanas decidirem se precisam de ajuda na luta contra a violência no norte e os EUA irão analisar sobre o tipo de assistência a prestar”, disse Fergal James O’Reilly, sublinhando que os EUA têm uma boa compreensão sobre este fenómeno.
Já Francisco Camelo, Capitão do Mar e Guerra e Director do Centro de Análise Estratégica da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CAE-CPLP), em entrevista à Deutsche Welle-África, na passada sexta-feira, disse que a CPLP não descarta o apoio militar ao nosso país para combater a insurgência.
Camelo explicou que os países do bloco lusófono têm um protocolo de cooperação com treinamentos de emprego da força, formação e intercâmbio militar, porém, sublinha que havendo um eventual emprego coordenado de contenção dos insurgentes, em Cabo Delgado, e outras zonas de conflito, ainda há etapas a serem cumpridas – como o adestramento das forças armadas dos Estados-membros – seguindo protocolos da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Se esse processo [de cumprimento de etapas] for célere, eu não descarto essa possibilidade [de apoio militar], mas nós iremos actuar dentro do protocolo de cooperação da CPLP e sob égide da ONU”, disse a fonte à DW-África.
Entretanto, para o sociólogo Elísio Macamo, também em entrevista à DW-África, o silêncio das autoridades é sepulcral e não diz bem do respeito que o Governo tem pela sociedade moçambicana e pelos próprios eleitores. Para Macamo, isto revela uma “irresponsabilidade e indiferença assustadoras”.
Conhecido pelas suas posições pró-Governo, o sociólogo defende: “o Governo não informa ninguém. Não parece ter a preocupação de informar a sociedade sobre o que está a acontecer, em Cabo Delgado, o que me parece irresponsável porque dá muito espaço para que se especule e a partir daí surjam várias notícias que, possivelmente, sejam falsas”.
Enquanto isso, o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, pede aos parceiros de cooperação para que concretizem os apoios que têm prometido para pôr fim à violência armada, que se verifica no centro do país e na província de Cabo Delgado, pois, muitos países têm mostrado a disponibilidade para ajudar Moçambique, mas uma vontade que não tem sido materializada.
“Quando perguntamos sobre como querem apoiar, não dizem nada, não há coisas concretas. Entretanto, os ataques podem alastrar-se para outros países da África Austral porque os que ocorrem, em Cabo Delgado, contam com o envolvimento de estrangeiros”, afirmou Nyusi.
Refira-se que, nos últimos dias, os ataques que se assistem na província de Cabo Delgado têm-se intensificado, tendo já se atacado localidades que distam a cerca de 120 Km da cidade de Pemba, a sua capital provincial. Ainda na semana finda, houve relatos de uma acção similar no distrito de Mecula, na província do Niassa, mas sem óbitos civis e sem danos patrimoniais. (Omardine Omar)
Será que a insurgência chegou à província do Niassa? Esta é a questão que se coloca, neste momento, depois de, na passada quarta-feira, 12 de Fevereiro, um grupo de homens armados desconhecidos ter atacado uma aldeia, no distrito de Mecula.
Segundo uma fonte policial, o ataque começou por volta das 15:00 horas, tendo o grupo disparado para o ar e, de seguida, queimado residências, um modus operandi igual ao dos insurgentes, que actuam na província de Cabo Delgado.
A situação gerou muita confusão, até que foi necessária a intervenção das Forças de Defesa e Segurança (FDS), provenientes das vilas-sede dos distritos de Mecula e Marrupa, que encetaram uma perseguição aos homens armados.
Durante a perseguição, contou a fonte, houve troca de tiros, que culminou com a morte de oito atacantes e o ferimento de outros 15. Assegura a fonte que parte dos atacantes foi capturada e que a situação está controlada, porém, o medo generalizou-se em toda a província.
Aliás, o ataque foi confirmado pela Polícia da República de Moçambique (PRM), à Rádio Moçambique. O Porta-voz da PRM, no Niassa, Alves Mate, garantiu que as FDS continuam empenhadas para desmantelar todo o grupo.
Mate não revelou a identidade dos indivíduos, porém, refira-se, no ano passado, o Comandante-Geral da PRM, Bernardino Rafael, alertou o facto de alguns jovens do distrito de Mecula estarem a ser recrutados para integrar o grupo que aterroriza as populações dos distritos da zona centro e norte da província de Cabo Delgado.
Na altura, Rafael disse que a acção envolvia um cidadão de nacionalidade tanzaniana, de nome Amisse Bacar, então procurado pela Polícia. Refira-se que o distrito de Mecula faz limite, a este, com o distrito de Mueda (província da Cabo Delgado) e tem sido corredor dos caçadores furtivos, que dizimam a natureza na Reserva Nacional do Niassa. (Carta)
O grupo que “inferniza” a vida da população, nos distritos da zona centro e norte da província de Cabo Delgado, desde Outubro de 2017, continua a ceifar vidas humanas, para além de destruir diverso património público e privado.
Vinte e quatro horas depois de o Governo ter-se reunido na cidade de Pemba, com os administradores e líderes mais influentes dos distritos afectados pelos ataques, com vista a buscar soluções para as atrocidades que se verificam naqueles distritos, o grupo, até aqui ainda não identificado, atacou duas aldeias (Chicuaia Nova e Litingina), do distrito de Nangade, norte daquela província.
De acordo com as nossas fontes, a primeira aldeia alvo dos ataques da quarta-feira foi a de Litingina, que terá sido atacada por volta das 22:00 horas. Do ataque, narra a fonte, resultou um óbito (uma cidadã) e dois feridos, porém, o mesmo durou pouco tempo, devido à “pronta-resposta” das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
De seguida, o grupo escalou a aldeia de Chicuaia Nova, que dista a menos de 1 Km da primeira. Aqui, confirmam as fontes, o grupo matou um idoso e incendiou palhotas, estabelecimentos comerciais locais, electrodomésticos, produtos alimentares e bicicletas.
As fontes garantem ainda que, nesta aldeia, também não aconteceu o pior devido à troca de tiros entre o grupo e as FDS, que despertou atenção dos residentes daquela aldeia, tendo-se refugiado nas matas.
Já no último sábado, 15 de Fevereiro, os insurgentes escalaram o distrito de Meluco, concretamente, a aldeia Nangololo, ao longo da Estrada Nacional nº 380, que liga a EN1 aos distritos da zona centro e norte da província. A aldeia está a menos de 20 Km do cruzamento de ADPP, onde os insurgentes fizeram vítimas humanas há dias.
À “Carta”, testemunhas afirmaram que a incursão iniciou por volta das 3:00 horas da madrugada de sábado. Do assalto, resultou a morte de uma pessoa (por decapitação) e o ferimento grave de outra, para além da destruição de dezenas de palhotas.
Devido à situação, fontes afirmaram que a circulação de viaturas de Macomia-sede à zona da ponte sobre o rio Montepuez ficou interrompida ao longo da manhã, após os condutores verem residências em chamas.
Refira-se que o Relatório do Governo Provincial de Cabo Delgado, apresentado hás dias, revelou que mais de 156 mil pessoas estão afectadas pelos ataques, para além da destruição de 76 escolas e vandalização de quatro centros de saúde. (Carta)
O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), uma organização da sociedade civil, condena, com veemência, as ameaças contra a liberdade de imprensa, proferidas pelo PCA da Empresa Nacional de Parques de Ciência e Tecnologia, Julião João Cumbane, na sua conta pessoal do Facebook, contra o Jornal “Carta de Moçambique”, devido à publicação de informações relacionadas com os ataques militares, na província de Cabo Delgado.
Julião Cumbane, ex-membro do famigerado “G40” – um grupo de “choque” criado pela Frelimo para diabolizar qualquer cidadão que pensa diferente – publicou, na passada terça-feira, 11, na sua conta do Facebook, um post, no qual exige ao Estado Maior General das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), o Comando Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) e o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) a conjugarem “inteligência e acções enérgicas – mesmo as extra-legais! – contra as ‘notícias’ miserabilistas que desmoralizam as Forças de Defesa e Segurança (FDS), que combatem os ataques por procuração nas regiões Norte e Centro de Moçambique”.
No seu post, o solícito académico, que em Maio de 2019 acusou, através daquela rede social, o ex-Presidente da República, Armando Emílio de Guebuza, de “apadrinhar” os ataques que se verificam na província de Cabo Delgado, afirma que as pessoas que “vendem informações ao Marcelo Mosse (Director do Jornal) ou ao seu jornal, Carta de Moçambique, sobre o que se passa no norte de Cabo Delgado, não são patriotas” e que a “brincadeira para ganhar dinheiro à custa do sofrimento dum povo não deve ser permitida e tampouco tolerada”.
“Dizer isto, não é estar contra que se informe o povo sobre os ataques que ocorrem no Norte ou no Centro deste país. Longe disso. Estou, é contra o retrato miserabilista que nos é passado por tais pessoas, via "Carta de Moçambique". É MUITO MAU, porque desmoraliza quem tem o DEVER de defender a Pátria e glorifica os atacantes da mesma”, diz Cumbane, neste seu regresso aos “grandes palcos”, desde a sua nomeação, em Novembro de 2019.
Segundo o CDD, o Governo “não deve continuar a ignorar o comportamento de um servidor público que tem um enorme desprezo pelo Estado de Direito Democrático” e que “mostra uma compreensão problemática sobre a democracia”.
No seu comunicado de imprensa, a que “Carta” teve acesso, no início da tarde desta quinta-feira, a organização dirigida por Adriano Nuvunga solidariza-se com os jornalistas da “Carta de Moçambique”, a quem os incentiva a continuarem a informar os moçambicanos e o mundo em geral sobre os ataques em Cabo Delgado e desafia os órgãos estatais, responsáveis por assegurar a independência dos órgãos de comunicação social, a condenarem publicamente as ameaças de silenciamento de jornalistas através de meios “extra-judiciais”.
“O mesmo desafio vai também para as Forças de Defesa e Segurança, no sentido de demarcarem-se de quaisquer actos que violem os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos”, defende.
No documento, de duas páginas, o CDD lembra que esta não é a primeira vez que Julião Cumbane faz uma incursão contra as liberdades de expressão e de informação. Sublinha que, em Agosto de 2018, dois juristas e membros da Frelimo, nomeadamente Teodoro Waty e Teodato Hunguana, foram vítimas de ameaças à integridade física e de morte proferidas por Julião Cumbane.
“Os dois reputados juristas foram ameaçados simplesmente porque rebateram, em artigos de opinião separados, as decisões da CNE que afastaram as candidaturas de Venâncio Mondlane (pela Renamo) e de Samora Machel Jr. (pela AJUDEM) das eleições autárquicas na Cidade de Maputo”, descreve aquela organização da sociedade civil, realçando que os visados (Teodoro Waty e Teodato Hunguana) escreveram à Procuradora-geral da República, solicitando a sua intervenção para a tomada de diligências que julgasse convenientes ao caso, porém, sem sucesso.
“Esse comportamento aumenta a convicção de que os responsáveis pelos assassinatos, raptos e torturas de activistas, académicos e jornalistas têm a protecção do Estado”, considera a fonte. Referir que, para além das redes sociais, Julião João Cumbane notabilizou-se em debates públicos, onde aparecia defendendo, com “unhas e garras”, as políticas do Governo, assim como as acções do partido Frelimo, num tom de ódio contra os que manifestavam opiniões contrárias. É PCA da Empresa Nacional de Parques de Ciência e Tecnologia desde Novembro do ano passado. (Carta)
(Macomia) Nas fotos, os jovens posam em carrinhas com granadas e a bandeira em preto e branco do chamado Estado Islâmico (IS). Nas revistas semanais, os membros do IS atribuem os ataques dos jovens em Cabo Delgado a "soldados do califado". Mas no terreno, na província costeira de Cabo Delgado, rica em gás, em Moçambique - onde a violência crescente está sendo atribuída aos extremistas islâmicos - poucos moradores sabem ao certo por que estão sendo atacados e quem é o responsável.
"Não sabemos o que eles querem", disse Gildo Muntanga, deslocada de guerra, cuja vila foi atacada em Movembro passado. "Nós apenas os vemos matando pessoas." Em mais de dois anos de “militância”, os ataques intensificaram-se dramaticamente nos últimos meses, segundo a ONU. Houve ataques a transportes com passageiros, incêndio de dezenas de vilas e uma série de emboscadas contra soldados moçambicanos, que tentam controlar a insurgência.
A crise fez deslocar pelo menos 100.000 pessoas e afastou os agricultores de seus campos e meios de subsistência, acumulando ainda mais miséria nas comunidades que lutam após o ciclone Kenneth, de Abril passado - o mais forte que já atingiu o continente africano.
O IS diz que sua nova filial da “Província da África Central” - alega que esta afiliada também inclui rebeldes do leste da República Democrática do Congo - está por trás de alguns dos ataques, que deixaram centenas de pessoas mortas.
Mas uma seita extremista doméstica - conhecida localmente como al-Shabab, ou Ahlu Sunnah Wal Jammah (ASWJ) - também está envolvida na violência, segundo pesquisadores, assim como extremistas do Quénia e da Tanzânia. A conexão entre IS e ASWJ permanece incerta. Além de ataques ocasionalmente atribuídos ao IS, os assassinos ainda não produziram um manifesto ou apresentaram um líder com uma clara mensagem religiosa, deixando muitos duvidando de suas inclinações jihadistas.
Entrevistas com pesquisadores e residentes locais, assim como funcionários da ONU e trabalhadores humanitários em Cabo Delgado, sugerem que o extremismo é provavelmente apenas uma parte do quebra-cabeças, e que vários grupos e células estão agora operando na região com objetivos diferentes.
"O governo está perdendo o controle"
Apesar de possuir vastos recursos naturais e de um dos maiores campos de gás inexplorados, a província de Cabo Delgado, de maioria muçulmana, é uma das mais pobres de Moçambique, com altas taxas de desemprego e analfabetismo. Sindicatos do crime organizado - acredita-se que alguns estejam envolvidos na violência - e as elites políticas acumulam grande parte da riqueza. Sem rosto público, os assassinos confundiram os moradores, criaram uma série de teorias da conspiração e adicionaram uma camada paralisante de medo - do desconhecido e do incerto - além do perigo real que os civis estão enfrentando.
A “militância’ também criou um ambiente operacional difícil para grupos de ajuda internacional - não têm informações claras sobre as quais basear as decisões de segurança e isso pode permitir que eles se comuniquem com os grupos armados responsáveis pelos ataques, como costumam fazer noutros outros contextos.
Os residentes dizem que o Governo lhes oferece pouca ajuda, enquanto jornalistas e pesquisadores foram presos por trabalharem na região, criando um vácuo de informações que permite a disseminação de teorias de conspirações. Embora mal compreendidos, os militantes estão ficando mais fortes - lançando ataques mais sofisticados com melhores armas contra soldados e civis, aumentando as necessidades humanitárias.
"A situação está aumentando e o governo está perdendo o controle", disse Sérgio Chichava, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE).
Estado Islâmico ganha espaço
O IS reivindicou seu primeiro ataque em Cabo Delgado em Junho passado - o grupo procura novas “pastagens” ao perder terreno nas suas fortalezas no Oriente Médio. Jasmine Opperman, analista de segurança e terrorismo, contou mais de duas dezenas de ataques atribuídos pelo grupo. As atribuições - assim como as reportagens em vídeo e foto - indicam um certo nível de contacto, disse Opperman, acrescentando que a crescente sofisticação e ousadia dos ataques demonstra apoio externo.
Mas há pouca evidência de que o IS esteja fornecendo ou treinando directamente os militantes, e há quem questione se a atribuição de ataques é um exercício de relações públicas de um grupo determinado a provar sua relevância contínua após o colapso do seu auto-proclamado "califado". Outros pesquisadores documentaram conexões apontando em diferentes direções: para clérigos radicais e seus seguidores no Quênia e na Tanzânia - e no Sudão, Arábia Saudita, Líbia e Argélia, onde alguns residentes de Cabo Delgado, que vivem na linha dura, concluíram bolsas de estudos religiosas.
Em vez de conexões estrangeiras, alguns analistas dizem que a ênfase deveria estar na natureza doméstica dos insurgentes, que começaram a lançar ataques em Cabo Delgado em Outubro de 2017, mais de um ano e meio antes de o IS começar a atribuir-se a sua autoria. Pensa-se que os agressores sejam membros do Al-Shabab, uma seita religiosa local - sem vínculos claros com os extremistas somalis de mesmo nome - que surgiram em Cabo Delgado alguns anos antes.
Eles construíram mesquitas e madrassas e pregaram uma versão estricta do Islão, que os expulsou como forasteiros - forçando-os a actos violentos como em Mocímboa da Praia, onde atacaram instalações do governo. "Todo esse discurso religioso desapareceu completamente."
De acordo com um estudo para o IESE, com sede em Maputo, os militantes se expandiram, recrutando em círculos de amizade, mesquitas e escolas corânicas, antes de atingir a população em geral com promessas de salários mensais - um luxo aqui em Cabo Delgado. "Eles estão explorando a pobreza das pessoas", disse Chichava.
Insurgência em várias camadas
Nenhum ataque foi reivindicado sob o nome de al-Shabab e poucos moradores entrevistados pelo The New Humanitarian conseguiram entender como um grupo relativamente pequeno de jovens se transformou em assassinos tão cruéis. Também é difícil discernir uma mensagem religiosa no meio de queimadas, aparentemente indiscriminadas, nas vilas.
"Todo esse discurso religioso desapareceu completamente", disse Marcos Lazaro, membro de um sindicato de agricultores locais. Muitos analistas e funcionários da ONU concluíram que, ao lado dos extremistas, provavelmente existem vários grupos e células ativos, e que questões locais, e não ideologias extremistas, motivam muitos dos combatentes. "Existem inúmeras forças motrizes em jogo", disse Opperman.
A pobreza pode ser uma delas. Conhecida coloquialmente como Cabo Esquecido, a região está entre as mais negligenciadas de Moçambique, permanecendo perto do fundo em quase todos os indicadores sociais. Enquanto os habitantes locais lutam, as redes criminosas e as elites políticas fizeram uma fortuna: no tráfico de heroína - o comércio passa por Cabo Delgado e é uma das maiores exportações de Moçambique -, bem como o contrabando de pedras preciosas, a caça furtiva de animais silvestres e outros negócios subterrâneos.
As descobertas de gás natural atraíram algumas das maiores empresas de energia do mundo para a região, mas os habitantes locais ainda estão mais pobres do que nunca e milhares foram reassentados de suas terras para dar lugar a novas usinas. Além dos extremistas, essas queixas - e muitas outras - atraíram uma equipe heterogênea de jovens desempregados, desertores do exército, criminosos comuns e aventureiros, de acordo com pesquisadores entrevistados pelo TNH.
"Isso começou como uma seita religiosa", disse Chichava. "Acho que agora temos elementos diferentes dentro do grupo." (Philip Kleinfeld/The New Humanitarian/adaptado)
Passam 859 dias desde que se instalou o caos e a desordem em nove distritos da província de Cabo Delgado (Mocímboa da Praia, Palma, Macomia, Nangade, Quissanga, Ibo, Meluco, Muidumbe e Mueda), norte do país, resultante dos ataques militares, protagonizados por um grupo de “malfeitores” e o Governo continua sem solução para travar a situação, que tende a alastrar-se pela província, ameaçando atingir a cidade de Pemba, a capital daquela província.
Nesta terça-feira, no final da IV Sessão Ordinária do Conselho de Ministros – alargada aos membros do Governo provincial de Cabo Delgado, administradores distritais e personalidades influentes nos distritos afectados pelos ataques – que teve lugar na cidade de Pemba, entre segunda e terça-feira, a Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Mateus Kida, afirmou que o Governo esteve, durante os dois dias, a auscultar as pessoas influentes, de modo a “responder com acções para trazer soluções para esta situação de instabilidade”.
Numa conferência de imprensa, que durou quase cinco minutos, Helena Kida afirmou que o Executivo, que saiu de Maputo para Cabo Delgado com o assunto da “insurgência” no topo da agenda, está a trabalhar na identificação dos insurgentes e das suas motivações, com vista a restaurar-se a segurança e a tranquilidade das populações.
“O que foi feito, nesta sessão, foi auscultar a população, auscultar as pessoas influentes, auscultar o governo distrital e o governo da província de Cabo Delgado, de modo que o Governo possa responder com acções para trazer soluções para esta situação de instabilidade”, disse Kida, anunciando, de seguida, os passos seguintes.
“Depois da auscultação, o Governo estará em melhores condições de delimitar as estratégias e encontrar soluções efectivas para esta situação de intranquilidade na província de Cabo Delgado”, afirmou a porta-voz do Conselho de Ministros, em resposta a uma pergunta dos jornalistas.
Há dois anos e quatro meses que os distritos de Mocímboa da Praia, Palma, Macomia, Nangade, Quissanga, Ibo, Meluco, Muidumbe e Mueda vivem debaixo da “pólvora”, tendo já provocado mais de três centenas de óbitos (dados não oficiais), entre civis, membros do grupo e militares.
Entretanto, de acordo com os dados do Governo Provincial de Cabo Delgado, liderado por Valige Tauabo, a situação que se verifica naquele ponto do país já afectou 39.875 famílias, equivalente a 156.428 pessoas, para além de ter destruído 76 escolas, abrangendo 16.760 alunos e 285 professores.
Os dados revelam ainda que os ataques levaram 14 mil famílias de camponeses a abandonarem as suas machambas, assim como 1.981 pescadores tiveram de fugir por temer os insurgentes. Foram, igualmente, vandalizados os Centros de saúde de Nkonga (Nangade), Namaluco (Quissanga), Quiterajo (Macomia) e Maganja (Palma). Os distritos mais afectados são: Macomia (29%), Quissanga (25%), Mocímboa da Praia (19%) e Palma (13%). Refira-se que, sem apontar nomes, o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, voltou a criticar a imprensa que reporta a situação que se vive naquela província, apelidando-a de “anti-patriótica”. (Carta)