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terça-feira, 01 outubro 2024 08:37

Burla democrática

Um forasteiro latino que amiúde visita em trabalho o país, numa das suas vindas, pediu ao seu habitual taxista que o arranjasse uma prostituta para o final do seu expediente laboral de serviços de consultoria. Assim feito e sido selado com a entrega do número de telemóvel da requerida ao requerente.

 

Uns dias depois, e já uma sexta-feira, o forasteiro ligou para ela requerendo serviços desde o jantar ao café da manhã. Feito o compromisso e sido cumprido as responsabilidades de cada um, ambos voltaram para os respectivos aposentos. Um detalhe: o forasteiro, por experiência mundana, não usou o hotel em que estava hospedado.

 

Por volta do meio-dia o forasteiro recebeu uma chamada da requerida. Esta depois do ῎adorei a noite῎ e de que fora ῎a primeira vez a sentir o sabor da gastronomia latina῎ expectou-o com um pedido financeiro para a compra de uma garrafa de gás, pois não tinha como cozinhar para as crianças.

 

Um ou dois dias depois, os pedidos não cessaram, desde o Credelec aos gastos do salão de beleza e a mensalidade escolar das crianças, que levaram o forasteiro a ligar para o taxista a reclamar, recordando-o de que ele havia pedido uma prostitua e não uma amante.  

 

Depois de contar este episódio a um amigo, este disse que também estava numa situação semelhante em relação a escolha dos candidatos do processo eleitoral em curso. Ainda disse de que estava com inveja do forasteiro porque este ainda teve a quem reclamar, o que não era o caso dele.  

 

Em resumo o amigo reclamava o facto de não ver nenhuma diferença entre os candidatos, pois todos eles prometem fazer a mesma coisa e do mesmo jeito. Para ele era suposto que fosse o contrário e assim ele pudesse escolher o candidato que achasse que melhor responderia aos seus propósitos e os do país.  

 

Sobre a sorte do forasteiro por ter tido onde reclamar, o amigo concluiu que não sabia a quem telefonar e de que apenas restava-lhe meter uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República contra desconhecidos, alegando de que ele está a ser vítima de uma burla democrática.

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Na semana passada, mais um desses insípidos anúncios de uma adjudicação por ajuste directo veio escarrapachado no matutino incontornável, a pretexto de transparência. Tratou-se de mais uma “golpada” do conglomerado de José Parayanken, através das suas MHL Auto (concessionária da Mahindra) e FAUMIL (que detém o monopólio do fornecimento de uniformes às entidades castrenses de Moçambique).

 

As suas empresas gozam de um privilégio oferecido de bandeja pela UFSA. Mas seu beneficiário não é revelado nos documentos. A ligação de Parayanken com as referidas empresas é conhecida através de noticiário estrangeiro de plataformas ditas de informação classificada.

 

Durante muitos anos em Moçambique, beneficiários efectivos de negócios altamente lucrativos e centrados no Estado – muitos dos quais feitos a coberto da manipulação e do tráfico de influências – escondiam-se por detrás da opacidade das Sociedades Anônimas. Justamente, esse postulado legal foi revogado, agora no advento da transparência e do “follow the money”, que contempla anticorpos cada vez mais incisivos contra a lavagem de dinheiro (por favor, usem a noção de lavagem que não de branqueamento de capitais – esta última tem muito preconceito e não é assertiva.

 

O novo Código Comercial aprovado em 2022, e que já está em vigor desde 2023, manda que as sociedades devam ajustar os seus contratos de sociedade (Estatutos). Uma das grandes inovações deste código – em cumprimento das regras e standards da GAFI (Grupo de Acção Financeira Internacional), um órgão intergovernamental que estabelece padrões de gestão de riscos e prevenção de fraudes, bem como boas práticas no desenvolvimento de actividades relacionadas ao sector financeiro, prevenindo a lavagem de dinheiro e seu financiamento ao terrorismo – é a proibição da existência de acções ao portador. Ou seja, todas as acções das sociedades anÓnimas devem ser nominativas.

 

Isto significa que a falta de indicação de determinados beneficiários efectivos, nos documentos oficiais sobre contratação pública em Moçambique, como se depreende da lista da UFSA sobre os fornecedores do Estado em 2023, é uma grande afronta do nosso governo contra as regras da GAFI, depois de muito esforço feito para que possamos sair da lista cinzenta.

 

A questão final é: o que é que a MHL, empresa que se tornou com o nyusismo o principal fornecedor de automóveis ao Estado, incluindo veículos militares, tem a esconder? Quem a protege?

 

Um dos grandes desafios do futuro Governo no quadro do controlo da corrupção é justamente a remoção dos cartéis que manipulam o procurement público nos diversos sectores do Estado.

 

A MHL, por causa das suas ligações políticas, tornou-se no campeão do fornecimento de viaturas ao Estado, e essa dominação não decorre unicamente do “value for Money” dos seus produtos. Decorre, como disse, das suas ligações políticas e da sua capacidade de olear as máquinas corruptivas das UGEAs (Unidades de Gestão de Aquisições) sectoriais. Se a MHL domina no fornecimento de viaturas, a lista da UFSA confirma a percepção sobre  uma certa  cartelização do procurement público em Moçambique. Ou seja, cada sector do Estado tem o seu dono. No livro escolar, nos eleitorais, nos medicamentos e no equipamento hospitalar. Tudo tem um dono. Como reverter este cenário? Eis a questão final.

 

Adeus Rui de Carvalho!

 

PS: Morreu o jornalista Rui de Carvalho. Sua história é de alguém que, antes de ser jornalista, era uma fonte de informação. Depois foi arregimentado para uma redação. Pelas mãos do Carlos Cardoso. Creio que o Rui juntou-se à pequena equipa do mediaFAX em 1995. Eu tinha vindo de Inhambane em 1994 (onde fazia reportagem na RM) e na redacção já estavam o saudoso Orlando Muchanga e o Arnaldo Abílio (que cursou Direito e hoje exerce como Magistrado do Ministério Público). O Rui era uma fonte do CC no conturbado contexto da desmobilização depois do AGP em 1992. Ele fornecia informações sensíveis sobre os desmandos do exército, incluindo na gestão financeira, etc. Ele era um oficial do Exército, tendo chegado a patente de Capitão, com a qual foi desmobilizado. Depois das eleições de 1994, o interesse particular numa fonte como ele perdeu-se pois já não havia "assuntos''. Cardoso mandou-lhe então sentar-se na redação. E o Rui permaneceu durante dois anos. Em 1996, depois de uma “briga ética” com o editor, ele teve de sair. Mas nunca deixou o jornalismo, a par de uma militância frelimista discreta. Depois do mediaFAX, o Rui esteve ligado à fundação de algumas iniciativas editoriais, uma das quais é o semanário Público, onde a sua paixão pelo partido Frelimo ficou vastamente patente. Essa militância, valeu-lhe um lugar como Vereador no Conselho Municipal de Maputo, no acual elenco de Razaque Manhique.

 

Há uns meses, logo após ele tomar posse, eu disse-lhe: parabéns Rui, finalmente!

 

Ele retorquiu: “Finalmente o quê, Mosse! Eu estou doente”.

 

E falou-me penosamente da sua doença, com a voz amargurada, de um cancro da próstata que, segundo ele, foi diagnosticado tardiamente; ele não ligou aos sintomas, protelando os exames. Foram alguns amigos que notaram, num convívio, suas idas constantes ao urinol. E o alarme soou! Depois do diagnóstico, a solução era uma cirurgia, com consequente perda da virilidade. Rui imaginou a simbologia inerente a esse infortúnio e descartou tal cirurgia. Nos últimos dois anos, ele esteve sucessivamente entre a RAS, Portugal e Índia, mas seu tumor derrubou todas as radio e quimeoterapias. Ele desenvolvera uma metástase. E, nesta semana, chegou a notícia da sua morte, quase que esperada entre aqueles que acompanharam seu calvário.

 

Durante estes anos todos, desde 1995, mantive uma amizade afável com o Rui de Carvalho e, por isso, curvo-me aqui, na hora da sua morte! (MM)

segunda-feira, 30 setembro 2024 11:00

O último testemunho

Nunca tivemos dúvidas de que a Estrada Nacional  Número Um (EN1) será para sempre a coluna vertebral do nosso País. E se você tem esta comporta decisiva com danos profundos na sua estrutura, então todo o resto do corpo entrará em derrocada e não lhe restará outra saída, passarás a ser um cadeirante. Na verdade é o que está a acontecer, Moçambique é um país cadeirante.

 

A EN1 é o último testemunho de uma governação de dez anos, que passou quase todo esse tempo destruindo  a poesia que existia dentro de nós. Agora só temos como alternativa, soletrar repetidamente os versos da sinfonia dos demónios, que nos atormentam de noite e de dia. É este o legado que fica para comprovar a incapacidade de juntar as pedras existentes em fartura na nossa terra, e reinventar as madrugadas e os amanheceres e as utopias.

 

A própria paisagem exuberante que se metamorfosea em espectáculo de harpas, de norte a sul de Moçambique, perdeu o esplendor aos nossos olhos, pois o miradouro que é a EN1 , construída para mover a economia e através dessa mesma estrada contemplarmos a dádiva em si, para gáudio do espírito, está absolutamente despedaçada. O pior é que o ilustre Carlos Mesquita, investido na pasta de ministro das Obras Públicas e Recursos Hídricos, jamais teve a humildade de vir cá fora dizer que o governo inteiro, por ele representado nesta área, degenerou em todos os sentidos.

 

Mas isso é falta de humildade, e a humildade é a parte mais luminosa da sabedoria. Então, não haverá nada que possa justificar o estado em que chegou a EN1, nem as ladaínhas de Mesquita que vai sair daqui a pouco sem nada no regaço, para além dos remendos que fez ou vai fazendo em determinados troços, mesmo assim sem muita garantia. Governar não é remediar.

 

A EN1 é o último testemunho mais importante que este governo vai deixar para os que vierem, e se houvesse humildade por parte dos actuais dirigentes, diriam, em uníssono, assim: “na verdade não fizemos nada! E o testemunho de que não fizemos nada, está retratado na EN1! Tentamos fazer qualquer mas não conseguimos, reconhecemos a nossa incompetência”!

 

São estas as palavras que os actuais “boices” deviam dizer ao povo, e não a costura desesperada de teorias que em nada lhes abonam. Não haverá estrofe alguma capaz de esconder a maior ferida cavada e aprofundada nos últimos dez anos, que é a EN1, envergonhando-nos a todos. Por inteiro.

 

A EN1 é o espelho claro de um país tornado miserável. E se Moçambique foi despromovido à (des)categoria de miserável, significa que nós também, como pessoas, somos miseráveis. É assim como somos tratados pelos outros. É essa a nossa actual condição, não temos outra.

 

É isso, ilustre Carlos Mesquita, você pode ter tentado fazer algo em prol do desenvolvimento de Moçambique, mas foi incapaz. Então venha a terreiro dizer isso, com humildade, a sua pena será atenuada! 

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  1. Introdução

O surgimento do Estado Social, que se caracteriza pela prestação de serviços públicos e fornecimento de bens públicos pela Administração Pública ao cidadão, exige grandes investimentos públicos e angariação de recursos financeiros significativos nem sempre disponíveis em abundância. Tradicionalmente, para lograr tal objectivo o Estado Social financia-se através da arrecadação de impostos.  

                                                       

São várias as razões que levam o Estado a realizar directamente a prestação de serviços públicos e fornecimento de bens. Do ponto de vista clássico, na óptica de Jean-Jacques Rousseau é o pacto social entre o Estado e os cidadãos que justifica a assunção por aquele da responsabilidade de satisfazer as necessidades colectivas. Mas, por outro lado, razões de mercado ou estratégicas podem justificar, igualmente, a intervenção do Estado na prestação de serviços públicos. Não raras vezes, algumas áreas em que manifestamente os serviços a prestar para assegurar as necessidades colectivas não são lucrativos, eles não atraem a intervenção do sector privado. Noutros casos, na natureza própria das necessidades em causa, como seja a necessidade de segurança, ou por razões de estratégia política, o Estado entende não convir a intervenção do mercado para a satisfação das necessidades colectivas.

 

Por estas e outras razões, o Estado Social empenhou-se directamente, numa primeira fase, na provisão de bens e serviços públicos através do modelo de administração directa, que é aquele em que as actividades voltadas à satisfação das necessidades colectivas são realizadas pelo próprio Estado. Como é fácil de prever, o modelo de administração directa exige uma máquina administrativa de grande dimensão e complexa, dependente duma cadeia de comando centralizado, com o risco de, por vezes, se denotar ineficiente e ineficaz para satisfazer a demanda. Em Moçambique, a grande ofensiva política e organizacional desencadeada pelo Presidente Samora, nos anos 1980 do século passado (XX), mostrou os riscos da administração directa do Estado em diversos sectores.

 

Deste modo, como as necessidades colectivas são contínuas, crescentes e em constante evolução, a sua satisfação tornou-se, ao longo do tempo, cada vez mais complexa e dispendiosa, o que justificou a busca de outros modelos organizacionais do Estado Social, para melhorar o fornecimento de bens públicos e a prestação de serviços, mediante a criação, por exemplo, do Sector Empresarial do Estado e Institutos Públicos. Portanto, o Estado Social enveredou pela chamada administração indirecta do Estado, que consiste na criação de entidades públicas, mas distintas do próprio Estado, que se ocupassem da satisfação de necessidades colectivas específicas, anteriormente geridas pela via da administração directa.

 

A constante busca pela eficiência do Estado, num contexto de democratização do país e eficiência da economia, fez com que, de igual modo, o Estado Social optasse por fazer intervir o sector privado em sectores tradicionalmente reservados à intervenção directa e indirecta do Estado. Generaliza-se uma nova fase dum Estado Social caracterizado pela chamada Privatização da Administração Pública, que consiste, por um lado, na adopção de instrumentos de gestão privada (por exemplo, o Estado transforma empresas públicas em sociedades anónimas de capitais mistos) para a gestão de bens e serviços públicos. Por outro, pela intervenção do sector privado no fornecimento de bens públicos e prestação de serviços públicos através da privatização do sector empresarial do Estado, mormente mediante a venda de empresas estatais e públicas para privados, ou através de concessões de bens e serviços públicos a privados.

 

Actualmente, pode dizer-se, com certa segurança, que a técnica da concessão de bens e serviços públicos constitui a forma mais generalizada de valorização económica dos referidos bens e serviços públicos. Portanto, pela via da concessão os bens e serviços públicos são explorados por um privado que, investindo o seu capital financeiro e humano, fornece bens e presta serviços públicos, fazendo-se remunerar pelas taxas cobradas ao público.

 

É na evolução das concessões de bens públicos e serviços públicos, como instrumentos do exercício do poder público, que surgem as Parcerias Público Privado (PPP´s), que constituem objecto deste artigo de reflexão.

 

De um modo geral e conforme resulta do atrás exposto, as PPP´s fazem parte das várias formas de intervenção do sector privado na gestão e exploração dos bens públicos e serviços públicos, situação ditada, fundamentalmente, não apenas por razões de eficácia e eficiência, mas também pela necessidade de captação do capital privado e da sua capacidade de organização e gestão.

 

Embora alguns segmentos da opinião pública se posicionem contra as concessões, por via, neste caso, das PPP´s, por verem nelas apenas uma forma de alegado enriquecimento do sector privado à custa de bens e serviços públicos, a verdade é que há enormes vantagens para o Estado advindas da intervenção do sector privado no fornecimento de bens públicos e prestação de serviços públicos.

 

Procuramos, neste artigo, expor as oportunidades oferecidas pelas PPP´s e pelo mercado de valores mobiliários (Bolsa de Valores) para a expansão da intervenção do cidadão na gestão e exploração dos bens e serviços públicos. Para o efeito, apresentamos, em primeiro lugar, o conceito e natureza das PPP´s, para, em segundo lugar, apresentarmos as PPP´s como meios de exercício do poder público pelo sector privado. Por último, demonstramos como as PPP´s podem, por via da Bolsa de Valores, contribuir para a democratização e massificação da participação dos cidadãos na gestão e exploração dos bens e serviços públicos.

 

  1. Conceito e Natureza das Parcerias Público-Privadas

 

A intervenção do sector privado na provisão directa de bens e serviços públicos pode realizar-se através de três formas estabelecidas na Lei n.º 15/2011, de 10 de Agosto (Lei das Parcerias Público Privado, ou Lei das PPP´s), nomeadamente através das parcerias público-privadas (PPP´s), Projectos de Grande Dimensão (PGD) e Concessões Empresariais (CE). Importa, pois, perceber em que consiste esta ideia de PPP´s em termos de conceito e natureza.

 

  • Conceito das PPP´s

 

De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 2 da Lei n.º 15/2011, de 10 de Agosto (Lei das PPP´s), as PPP´s constituem empreendimentos em áreas de domínio público ou em áreas de serviço público no qual, mediante contrato e sob financiamento, no todo ou em parte, do parceiro privado, este se obriga perante o parceiro público a realizar o investimento necessário e a explorar a respectiva actividade, para a provisão eficiente de serviços ou bens que compete ao Estado garantir a sua disponibilidade aos utentes.

 

Por sua vez, conforme a alínea b) do artigo 2 da Lei das PPP´s, os PGD são empreendimentos de investimento autorizado ou contratado pelo Governo, cujo valor de referência a 1 de Janeiro de 2009 excedia 12.500.000.000,00 MT (doze mil e quinhentos milhões de meticais), enquanto as Concessões Empresariais são as que, nos termos da alínea c) do mesmo dispositivo legal, têm por objecto a prospecção, pesquisa, extracção e ou exploração de recursos naturais ou patrimoniais.

 

Decorre do preceituado no diploma legal atrás citado que, de um modo geral, em qualquer das suas modalidades as PPP´s representam uma forma inovadora de realização de projectos públicos de grande envergadura, sem necessidade de investimento público, uma vez que elas permitem a participação do sector privado, que além de financiar o projecto, participa na sua concepção, construção ou aquisição e instalação de equipamentos necessários ao funcionamento de serviços públicos, bem como à respectiva gestão, ao mesmo tempo que assumem parte dos riscos associados.

 

Portanto, resulta do que atrás se expôs que as PPP´s são uma forma de financiamento das necessidades do Estado com recurso ao capital privado para o fornecimento de bens públicos e prestação de serviços públicos.

 

  • Natureza das PPP´s

 

As PPP´s são, em termos simples, uma forma de concessão de bens públicos ou serviços públicos. Esta é justamente a solução regulatória que resulta do disposto no artigo 40 do Regulamento da Lei das PPP´s, aprovado pelo Decreto n.º 16/2012, de 4 de Julho, que estabelece que são modalidades das PPP´s o contrato de concessão, a cessão de exploração e a concessão de gestão. Não se tratando esta abordagem de um artigo científico, limitamo-nos a descrever estas modalidades sem entrar em críticas às opções conceptuais assumidas pelo legislador.

 

O contrato de concessão, conforme o preceituado no n.º 2 do artigo 40 do diploma legal atrás referido, consiste na cedência de direitos de desenvolvimento ou reabilitação e respectiva exploração e manutenção de empreendimento novo ou existente em área de domínio público, para a prestação de serviço público ou provisão de bens, sob conta e risco da contratada e mediante a remuneração ao Estado por essa cedência, traduzida na forma de taxa de concessão fixa ou variável. A particularidade desta forma concessionária duma PPP é que o parceiro privado vai investir na construção ex novo ou na reabilitação duma infra-estrutura pública ou um serviço público. Há, aqui, uma maior injecção do capital privado.

 

Na mesma linha, prevê o n.º 3 do artigo 40 do Regulamento da Lei das PPP´s que o contrato de cessão de exploração consiste na cedência de direitos de desenvolvimento ou reabilitação e respectiva exploração e manutenção do empreendimento, sob conta e risco da entidade contratada e mediante a remuneração ao Estado por essa cedência, através da respectiva taxa de cessão de exploração. Já a particularidade da PPP na modalidade de cessão de exploração, o Estado cede a um privado a exploração dum bem público ou serviço público, o que igualmente pode ser acompanhado do desenvolvimento ou reabilitação e manutenção do empreendimento objecto da concessão.

 

Por último, a norma constante do n.º 4 do artigo 40 do Regulamento da Lei das PPP´s refere que o contrato de gestão consiste na cedência de direitos de gestão de empreendimento existente e operacional do Estado, sob conta e risco de gestão da entidade contratada e mediante renumeração à entidade contratada e mediante remuneração ao Estado, através do pagamento duma comissão de gestão com base numa parte dos rendimentos gerados pelo próprio empreendimento e a entrega dos resultados de exploração deste à entidade contratante. Nesta modalidade de PPP, o investidor não intervém no desenvolvimento ou reabilitação do empreendimento, uma vez que este existe e encontra-se operacional, cabendo-lhe a sua exploração sustentável.

 

Pelo facto de nas PPP´s o Estado transferir para o parceiro privado a gestão e exploração de bens e serviços públicos, regra geral essa transferência é igualmente acompanhada da cedência de poder público.

 

  1. As Parcerias Público Privado como meio de exercício do poder público por entes privados

 

Quando na norma constante do n.º 3 do artigo 2 da Lei das PPP´s o legislador afirma que as funções de soberania não transferíveis não podem ser objecto de parcerias público-privadas, no fundo está a dizer que nas PPP´s pode haver transferência de poderes para o privado desde que tais poderes não façam parte do núcleo de funções constitucionalmente consideradas funções de soberania.

 

Por natureza, os contratos de concessão permitem o exercício de poderes públicos pelos privados, na medida do estritamente necessário à implementação do empreendimento público cedido através da PPP em causa. Consequentemente, o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas serve ao interesse público adstrito à infra-estrutura pública ou serviço público cedido. Portanto, não são os objectivos do parceiro privado na PPP que justificam a cedência do poder público. Os poderes são-lhe confiados segundo o princípio do interesse público.

 

De todo o modo, o que nos cumpre ressaltar aqui é o facto de, através das PPP´s, permitir-se a participação pública do cidadão no exercício do poder público subjacente à prestação do serviço público. Trata-se duma vertente económica da democracia participativa, em que o envolvimento do sector privado na gestão e exploração de bens e serviços públicos implica uma cedência do correspondente poder público, cabendo ao Estado o exercício do poder de fiscalização, através do controlo da conduta do privado para conformar-se com a lei.

 

  1. As Parcerias Público Privado como instrumento de massificação do investimento público

 

Neste ponto, cumpre-nos destacar dois aspectos fundamentais. O primeiro, que é o financiamento do investimento público através da Bolsa de Valores. O segundo, a necessária criação de condições para que as PPP´s constituam uma oportunidade económica não só para o grande capital, mas, sobretudo, para a massificação do acesso ao mercado de valores mobiliários para a maior parte possível dos cidadãos interessados.

 

  • O financiamento do investimento em infra-estruturas públicas e serviços através da Bolsa de Valores

 

Em Moçambique, a Bolsa de Valores foi criada pelo Decreto n.º 49/98, de 22 de Setembro, como instituto público. Recentemente, a Bolsa de Valores de Moçambique foi transformada em sociedade anónima, através do Decreto n.º 18/2023, de 28 de Abril.

 

Geralmente, a Bolsa de Valores é tratada como um mercado estruturado e organizado, onde se negociam valores mobiliários, com maior destaque às acções de sociedades de capital aberto. O mercado de valores mobiliários promove o encontro entre os que precisam de capital para investirem na inovação e desenvolvimento das empresas e os que dispõem desse capital para investirem.

 

De um modo geral, quando as empresas precisam de financiar-se, alternativamente à banca comercial, recorrem ao mercado bolsista, emitindo acções que são colocadas à venda para investidores interessados em capitalizar as suas poupanças para obter lucro dos dividendos das empresas em que investem, ou através da revenda das mesmas acções quando num dado momento estiverem sobrevalorizadas.

 

Como atrás referido, o Estado pode ceder a privados a gestão e exploração de infra-estruturas públicas e serviços públicos. Estes privados, ao invés de recorrerem à banca comercial, podem recorrer ao mercado de valores mobiliários para se financiarem com vista a investirem em infra-estruturas públicas ou serviços públicos que lhes são cedidos pelo Estado, por via das PPP´s.

 

A Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) encara o mercado de valores como uma boa alternativa para o desenvolvimento de infra-estruturas públicas e serviços públicos, como um mecanismo de os Estados alcançarem facilmente os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

 

  • A criação das necessárias condições para a massificação do acesso ao mercado mobiliário através das PPP´s e Bolsa de Valores

 

À luz do princípio constitucional da liberdade de mercado, acolhido na alínea b) do artigo 97 da Constituição da República, o mercado de valores mobiliários orienta-se pelas forças de mercado. Destarte, a participação das empresas no mercado de valores mobiliários é livre. Daí que para que a capitalização bolsista das empresas actue como instrumento duma política pública de massificação do acesso ao mercado, é necessária a adopção de estratégias apropriadas para o efeito.

 

Desde logo, a adopção duma política pública que torne obrigatória a inscrição na Bolsa de Valores dos parceiros privados que constituam uma PPP com o Estado ou outro parceiro público. Por esta via, as empresas que pretendam estabelecer PPP´s seriam obrigadas a abrir o seu capital para o público, a fim de que qualquer cidadão interessado possa investir as suas poupanças na aquisição das respectivas acções.

 

Uma tal política vai de encontro com o preconizado no artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos termos do qual toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país.

 

Com efeito, a obrigação de as empresas que firmem PPP´s com o Estado de abrirem o seu capital para o público permitiria que qualquer cidadão interessado e com capacidade financeira para o efeito pudesse tirar benefícios económicos directos da gestão e exploração dos bens e serviços públicos pelo sector privado.

 

Deste modo, entendemos que as infra-estruturas e serviços públicos não só beneficiariam o público através do uso ou acesso directo, mas também através de ganhos económicos que proporcionariam ao público.

 

  1. Conclusão

 

O emergente mercado das PPP´s, através de concessões de obras públicas e serviços públicos, tem um grande potencial de massificar a inclusão económica, através da abertura do capital das grandes empresas ao público, para que este possa investir as suas poupanças.

 

Uma estratégia desta natureza, que alie as PPP´s e a Bolsa de Valores de Moçambique, traria imensos ganhos, não só pela massificação do acesso ao mercado de valores mobiliários, como, também, por permitir que pequenos investidores busquem capitalizar as suas poupanças, investindo-as. Isso contribuiria, também, para o crescimento económico inclusivo e o empoderamento económico dos cidadãos.

 

Em nossa opinião, este veículo contribuiria imenso no combate a esquemas ilícitos de investimento, como as pirâmides de investimentos, que criam imensos problemas quando falham. Mas pode, igualmente, contribuir na formalização do mercado informal, na medida em que parte dos recursos financeiros que circulam no mercado informal poderia ser capitalizado no mercado de valores mobiliários.

 

Temos consciência que a nossa Bolsa de Valores é ainda de pequena dimensão, quer em relação ao tamanho que pode ter no futuro, quer em comparação com outras bolsas dinâmicas de outros países (tendo uma capitalização em % do PIB de 28,54%, 16 empresas cotadas e 26.305 titulares registados na Central de valores Mobiliários).

 

Com efeito, há ainda muito espaço para o crescimento da BVM no futuro. Uma intervenção estratégica do Estado visando fazer das PPP´s um instrumento para o envolvimento do cidadão no investimento público, através da BVM, S.A., permitiria ampliar o escopo, a liquidez e a profundidade do mercado de capitais, no plano nacional.

 

Com esta medida de política, dar-se-ia um passo firme na direcção da dinamização do mercado secundário de valores mobiliários, bem como na popularização e democratização do capital em Moçambique. 

sexta-feira, 27 setembro 2024 16:08

Não é o Papai

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(a propósito da nova estátua de Eduardo Mondlane)

 

Quando foi da primeira inauguração da estátua de Eduardo Mondlane, em 1989, estive no local. Lembro-me, ainda adolescente,  ter acenado para os três filhos de Mondlane e sido  correspondido com um sorriso da Chude Mondlane, a filha, ora falecida, do arquitecto da unidade nacional. Lembro-me ainda de ter ouvido na rádio, a propósito da inauguração da estátua,   a Chude Mondlane, em deleite,   dizer: “ É parecido com o Papai”.

 

Uns anos depois, por ai 2012 ou 2013, num encontro ocasional com a Chude Mondlane, no intervalo de uma conferência, fiz questão de lembrar a ela  o aceno de 1989.  Na resposta o mesmo sorriso. Um sorriso que hoje, 25 de Setembro de 2024, veio-me à memória, a propósito da inauguração da nova estátua de Mondlane, e  junto a curiosidade em saber o que a Chude Mondlane, do além, terá dito para a rádio,  depois de ver a nova  estátua do seu pai? 

 

Pelo que deu para ver e acompanhar  da imprensa e  das redes sociais, sobre a nova estátua do arquitecto da unidade nacional, tenho fé de que do além  a Chude Mondlane  terá dito: “Não é o Papai”.  E assim fica sine-die adiado um novo aceno e um novo sorriso.

"Qualquer enunciação que não é contextualizada pode configurar desonestidade intelectual.  Ao optar por ignorar a sua história, Moçambique arrisca-se a cometer os mesmos erros do passado. A reconciliação nacional não deve apagar a nossa história, a morte de milhares de moçambicanos e a deslocação de milhares, interna e externamente, não é desenterrar o machado de guerra. Ao agirmos assim, teremos uma geração ignorante, com direito a todo o tipo de disparates. Reconciliação sim, ignorar a história não".

 

AB

 

Circula nas redes sociais um vídeo, com 25 perguntas à Frelimo, sobre o "insucesso" na sua Governação, questionando sobre o que trará Daniel Francisco Chapo, que Samora Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza e Filipe Jacinto Nyusi não puderam trazer. No vídeo fala-se de "50 anos" de retrocesso no País. 

 

A pessoa que questiona até pode ter razão, sobretudo, se é jovem nascido após o Acordo Geral de Paz. Sim, porque como é sabido, dois anos após a independência nacional, alguns portugueses, com apoio do regime racista minoritário de Ian Smith, criaram um grupo que treinaram, apetrecharam com logística de guerra e, posteriormente, introduziram no território nacional, com o objectivo único de sabotar as infra-estruturas do País. Essas infra-estruturas incluíam Pontes, Linhas férreas, Hospitais, Escolas, Edifícios Públicos de entre outras.

 

Esse grupo teve na liderança operacional André Matade Matsangaissa e, externamente, liderada por Orlando Cristina. Infelizmente, com o advento da democracia, estes actos ficaram conhecidos como actos "nobres" e ganharam o nome de "Luta pela democracia" e os combatentes com direito à pensão do Estado. Esta parte da nossa história, por conveniência não sei de quem, não é divulgada e pior é que foi apagada da sociedade.

 

Em 1992, aquando do Acordo Geral da Paz, devido ao efeito da guerra, os moçambicanos estavam confinados às cidades, vilas e sedes dos Postos Administrativos, por razões de segurança. Os moçambicanos, no geral, viviam de caridade, quem não se lembra do milho amarelo, roupa de “calamidade” de entre outros.

 

Ora, em 1992, Moçambique contabilizava milhões de mortos e outros tantos deslocados a nível nacional e no estrangeiro. Provavelmente, tinha regredido para menos de 500 anos do colonialismo português.  Por exemplo, a sabotagem da linha de energia de Cahora Bassa, Tete/ África do Sul, levou Moçambique a prorrogar a entrega da infra-estrutura. De acordo com os entendimentos de 07 de Setembro, que deu lugar à independência nacional, a reposição da Linha férrea, das Pontes etc., levou o seu tempo. Foi a prioridade no período pós-AGP.

 

Foi prioridade, igualmente, a reposição dos serviços de saúde, da educação, dos serviços públicos e outros. Felizmente, o País contou com o apoio das instituições financeiras internacionais, as mesmas que obrigaram Moçambique a privatizar as infra-estruturas económicas, através do PRE-Programa de Reabilitação Económica. Lembre-se, nos moldes em que foi implementado, o PRE destruiu as indústrias de referência, como de caju, têxteis, pneus e outros. Neste quesito, essas instituições contaram com a colaboração da elite interna, naturalmente afecta à Frelimo, não sendo necessariamente as políticas da Frelimo como partido governamental. Claro que, a Frelimo, nesta fase, devido à ganância de alguns membros, deixou o rigor na forma de selecção dos seus membros, abandonou a crítica e a autocrítica, não mais fez a purificação das fileiras, tendo chegado aos níveis de infiltração a que está hoje.

 

Que fique claro que para o bem da nossa história como Nação, a contextualização dos factos não deveria ser algo negociável e isso não pode ser considerado como defesa à corrupção que grassa, hoje, quase todos os sectores em Moçambique. Contextualizar uma afirmação é uma questão de honestidade intelectual. 

 

Sobre os Recursos Naturais e os Benefícios

 

É preciso reconhecer que o início da exploração dos Recursos Naturais em Moçambique, ao afectar-se quadros para a representação do Estado, baseando-se na confiança partidária, propiciou a exploração desenfreada desse recursos por parte das multinacionais, sem olhar para a componente nacional, muitas vezes, com a cumplicidade dos representantes do Estado, porque incompetentes, e sob olhar sereno e impávido do Governo.

 

Mais ainda, com a abertura da nossa economia, os membros da Frelimo estavam na posse de toda a informação da nossa Geologia e, por conseguinte, se posicionaram como parceiros dos estrangeiros que trazem conhecimento e dinheiro. Estes, no lugar de assegurar que estes cumpram com obrigações para com as populações e o Governo, ficaram do lado do estrangeiro e juntos exploram os nossos recursos. Isto parece perpetuado e fico céptico com a hipótese de renegociar os contratos das multinacionais. Com o tipo de representação que temos ou inclui-se no pacote a nomeação por mérito para esses lugares! Os actuais representantes irão concordar ou estaremos à beira de novo conflito?

 

Tudo isto mostra que o futuro Governo, se quer trabalhar em prol do povo, deve preparar-se para uma resistência tenaz, resistência interna, pois tudo indica que a Frelimo irá vencer as eleições de 09 de Outubro de 2024.

 

Adelino Buque

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