Uma notícia hoje do semanário dominical de Joanesburgo “City Press” reza assim:
“Oficiais americanos de inteligência estiveram na África do Sul na semana passada para discutir a situação em Moçambique com seus colegas daquele país (…)
Uma enorme aeronave C-17 Globemaster da Força Aérea dos EUA causou comoção em Lowveld quando aterrou na semana passada no Aeroporto Internacional Kruger Mpumalanga.
De acordo com fontes da publicação
‘Rapport’, oficiais dos EUA realizaram várias reuniões com o Comité Nacional sul-africano de Coordenação de Inteligência (Nicoc) (…)
Ao mesmo tempo, um Airbus A400M da Força Aérea Real do Reino Unido aterrou em Gaborone, Botswana, na última sexta-feira (13). O indicativo de chamada desta aeronave mostra um voo operacional de emergência.
De acordo com fontes da aviação, várias reuniões foram realizadas no aeroporto de Lanseria nos últimos dias para discutir a possível evacuação de emergência de várias embaixadas e estrangeiros em Moçambique”.
Ainda hoje, domingo, foi notíciado que o Reino Unido avisou os seus cidadãos para evitarem viajar para Moçambique.
Registe-se, pois, este alerta. Por outro lado, a colocação de meios de evacuação nas próximidades de um país com uma escalada de violência pós-eleitoral é um indicador de que a situação tende a agravar-se.
De fontes seguras, “Carta” sabe que o exército moçambicano está sob alerta máximo.
Fontes da inteligência militar suspeitam que, nos últimos dias, poderá ter havido entrada de armas e munições através da fronteira de Ressano Garcia.
De facto, na quarta-feira, dezenas de carrinhas com carga pesada entraram em Moçambique sem passarem por qualquer procedimento de fiscalização, aproveitando-se da “moratória fiscal” “decretada” por VM7 a partir do seu desconhecido lugar de asilo.
Houve quem assumisse que eram transportadores de “frescos”, mas nem todos.
Na quinta-feira, por suspeitas de entrada de armas e contrabando em Ressano Garcia, as Forças de Defesa e Segurança reforçaram sua presença em Ressano, reprimindo os manifestantes com tiros e gás lacrimogéneo, demovendo a entrada ilegal de viaturas e permitindo o fluxo dos camiões com ferro e crômio para o Porto de Maputo.
No dia seguinte, sexta-feira, foram dezenas de viaturas militares a Maputo, também por via da mesma fronteira, por caminho de ferro. “Carta” soube que essas viaturas militares chegaram do Burundi e a encomenda não é recente.
Estamos perante alertas que apontam para o dia (?) do anúncio do Acórdão do Conselho Constitucional sobre resultados das eleições de Outubro como um dia de eventual violência exacerbada. Parece claro que o campo de Venâncio Mondlane, em caso de o CC confirmar que ele não ganhou, está predisposto a elevar a voz do seu protesto. Para VM7, “derrota” é uma palavra desusada.
Estes dias de canícula pós-eleitoral veio-me à memória o Professor José Negrão, falecido académico e proeminente activista social moçambicano. A memória em questão não se prende com assuntos eleitorais, mas sim com a habilidade de pensar e agir estrategicamente, sobretudo na criação e gestão das condições necessárias para que um determinado propósito siga com tranquilidade o curso previsto, quer anulando ou mitigando, antecipadamente, as potenciais ameaças, quer capitalizando oportunidades para a respectiva viabilização.
Nesta linha, partilho um episódio por mim vivenciado, enquanto membro de um grupo de trabalho, em 2003-2004, quando foi do processo de participação da sociedade civil na monitoria do plano governamental de redução da pobreza absoluta, cuja liderança – da coligação da sociedade civil, denominada G20, que fora criada para o efeito, envolvendo vários segmentos da sociedade, incluindo o sector privado, sindicatos, academia e confissões religiosas, fora as tradicionais ONGs – esteve à cargo do Professor Negrão.
Nessa altura, o país ainda vivia a ressaca da tensão pós-eleitoral das eleições de 1999, as consequências das cheias de 2000 bem como o habitual frenesim da proximidade e realização das eleições, no caso das autárquicas de 2003 e as gerais de 2004, contando estas últimas com a emergência de Armando Guebuza como o candidato antecipado do partido Frelimo, então assumindo o cargo de Secretário-geral do seu partido.
Ainda nessa altura, destacavam-se na influência da opinião pública, entre outras figuras: o jornalista Machado da Graça com a sua ''Talhe de Foice'' no Jornal Savana; o jornalista Salomão Moiana com os seus editoriais no Jornal Zambeze; e o músico José Mucavele que, repetidamente, na imprensa, alertava sobre o potencial (neo)colonialismo nos processos de governação nacionais, tendo sido, nesta linha, crítico da candidatura do Doutor Gagnaux , um moçambicano de raça branca e de ascendência suíça, para edil da capital do país.
O ponto: numa das reuniões do grupo de trabalho de preparação para um encontro da cúpula do G20, o Professor Negrão sugeriu que convidássemos as três figuras acima para começarem a participar na reunião da cúpula. Nas reuniões os três não falavam. O Machado da Graça até passava o tempo a desenhar. Numa das reuniões de balanço do grupo de trabalho acabei por perguntar ao Professor Negrão qual era a mais-valia em ter os três nas reuniões do G20.
Em resposta, o Professor Negrão disse que era estratégico tê-los próximos e mesmo calados do que distante e a hostilizarem. O argumento: para o Professor Negrão uma ''Talhe e Foice'' de Machado da Graça a questionar se o G20 não seria mais uma encomenda ou organização de quadros do partido Frelimo, um editorial do Salomão Moiana a questionar a transparência e integridade da iniciativa, e uma entrevista de José Mucavele, a acusar que se estava diante de mais uma iniciativa neocolonial ocidental (sublinhar que o Professor Negrão era de raça branca), seriam mais do que suficientes para derrubar as boas intenções do G20.
Dito isto, e embora tenha mencionado no início de que a memória que me acossara não estava directamente relacionada com assuntos eleitorais, mesmo os decorrentes da actual tensão pós-eleitoral, agora percebo que tem, e tem muito. Mas, como diz um outro professor e académico, Elísio Macamo: ''Pensar dói!''. E ''Pensar e agir estrategicamente'' deve doer ainda mais, tal a ausência generalizada na política da Pérola do Índico.
Antes de eu partir, no dia anterior, vasculhei a minha caixa de livros à procura de Ualalapi. Antes porém de localizar essa obra borbulhante de Ungulani Ba Ka Khosa, deparei-me com “A mãe”, de Máximo Gorki. Queria mais um ou dois, dos poucos que tenho e que já os li, para que me sentisse aviado. Sou leitor de baixa intensidade e viajo pouco pela música, mas escuto boa música, independentemente do género. Sobre os filmes, idem. Os que vi ficaram na memória de tal forma que ainda hoje os sinto. E os absorvo na imaginação.
Levei no regaço Ualalapi, A mãe, e Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievski, não propriamente por necessidade de os reler, apenas queria algo que me sustentasse o espírito para que, em momentos imprevisíveis de provável tédio, encontrasse refúgio ou, na melhor das hipóteses, o stick para me levar a outros enredos. Sobre a música não me preocupo em providenciar nada, tenho o youtube, onde não faltará a recorrência a Fela Kuti - não me canso de ouvi-lo.
Já estou pronto a pegar a estrada, sem medo de nada, depois de uma noite mal passada, a ser encostado, violentamente, pela minha mulher, à parede, como uma criança inútil. O que me vale é que agora, com a idade entrando fundo dentro de mim, aprendi a suportar as facadas, mesmo que elas sejam injustas. Aos ataques reajo com o silêncio e com o olhar incisivo dos tigres, sem dizer nada. Sinto-me a enrrigecer como as rochas que formam grutas inteiras nas montanhas de pedra. É por isso que não vocalizo nas minhas respostas.
Mas estou aqui, com a sacola a tiracolo, dentro da qual, além das poucas roupas que vão dar para uma semana, tenho as obras literárias de grandes escritores no meu bornal. Elas são o meu baluarte. Não preciso de armas para guerrear, quero um bastião, e os livros e a música são isso mesmo, meu último reduto. São as palavras grafadas no papel e na história que me protegem ao ser agredido pela minha mulher, com vários feixes de azagaias buscando meu sangue. E na verdade sangro ao ser vergastado. Sangro para dentro onde guardo todas as minhas cicatrizes. Sou como os gatos, você enterra vivo esse pequeno felino, e ele vai refocilar e vem cá fora. De novo. Vivo!
Tu não prestas para nada! És um cão vadio! Se fosses homem de verdade saberias o que é uma mulher! Passaste a vida toda a caminhar, nunca chegaste a lugar algum. És como as mulheres sáfaras, não produzes nada. Nem por fora brilhas, mas esse é o espelho das tuas vísceras corroídas pela opacidade. O pior é que ainda pensas que estás vivo! Se eu fosse a você, suicidava-me sem pensar duas vezes.
É este flashback que soa profundamente dentro de mim, sentado, encostado à janela do 737 que me leva a Pemba. Como das outras vezes. Estou para além das nuvens, onde a atmosfera começa a diluir-se.
Se eu fosse a você, suicidava-me!
Mas eu não quero morrer, nasci para viver. O sinal disso é esta viagem que faço dentro de um clima de catástrofe. Onde caminhamos nas margens do precipício. Esquecendo que nenhum de nós tem escafandro para sobreviver ao fogo.
Acossado pelas inéditas manifestações contra os resultados das eleições gerais de 09 de Outubro e protestos dos partidos políticos, o Conselho Constitucional (CC) opta por se apegar ao legalismo, à letra das normas e às competências estritas do órgão, olvidando eixos essenciais à legitimidade democrática, como transparência e confiança das decisões sobre processos eleitorais.
No encontro, quarta-feira, com o partido Povo Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), a força política mais inconformada com o processo eleitoral, a presidente do CC, Lúcia Ribeiro, repisou que o órgão não recebeu nenhum recurso contencioso contra as eleições presidenciais.
Ribeiro respondia à contestação do candidato presidencial Venâncio Mondlane, o mentor dos acirrados protestos que têm flagelado o país, desde o dia 21 de Outubro. “É útil esclarecer que o Conselho Constitucional não recebeu nenhum processo de contencioso das candidaturas do Presidente da República. Quero eu dizer que, por parte dos mandatários, dos candidatos à Presidência da República, nós não recebemos, na fase do contencioso, qualquer recurso nesta eleição”, afirmou a presidente do CC, durante um encontro com membros do Podemos.
Esta posição suscitou de imediato acalorados debates entre juristas, com uns a considerarem que a contestação, através de recurso contencioso, dos resultados anunciados pela CNE implica a análise simultânea dos resultados dos aspectos controvertidos das três eleições realizadas no dia 09 de Outubro: presidenciais, legislativas e províncias.
As “nuances” dos três escrutínios estão todas condensadas na acta e edital do apuramento geral da CNE e a contestação deste documento acarreta a verificação da conformidade daqueles pleitos, defendem alguns juristas. O documento alvo de recurso é apenas um e agrega todos os actos do sufrágio universal, sendo que o recurso contencioso sobre o texto único visa todas as incidências do pleito.
Transparência e prestação de contas
Uma outra nota do legalismo arreigado de Lúcia Ribeiro está na tese de que é inviável permitir a presença de observadores nos trabalhos no CC, porque se trata de um tribunal e não de uma entidade de natureza política, como a CNE.
Juristas renomados já sustentaram que a legitimidade democrática dos vencedores das eleições também depende da transparência e publicidade que possam ser asseguradas ao escrutínio das decisões sobre os pleitos.
A melhorar forma de corroborar o princípio de que os tribunais julgam em nome do povo é permitir a abertura das suas sessões, o que, em processos eleitorais, sobretudo controversas como as últimas, tem a sua expressão máxima com a presença de observadores eleitorais.
Para desanuviar a carga de suspeição quanto à matriz do CC, Lúcia Ribeiro repisou, no encontro com o Podemos, que os juízes conselheiros devem submissão à lei e não a quem os nomeou ou elegeu. “Temos o dever de ingratidão em relação a quem nos designou”, salientou, com recurso a uma máxima jurídica e, de certa forma, irónica.
Enfatizou que os juízes conselheiros são indirectamente indicados pelo povo, pois são designados pela Assembleia da República, Presidente da República – no caso do presidente do órgão – e pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, que aponta um dos magistrados do CC.
O chefe de Estado e os deputados do parlamento são directamente eleitos pelo povo e “emprestam” esta legitimidade, quando designam os juízes-conselheiros, assinalou.
Apesar de ressalvar que o órgão que dirige não recebeu nenhum recurso contencioso, Lúcia Ribeiro assegurou que o expediente de todo o processo eleitoral será verificado “minuciosamente”, para assegurar a “verdade eleitoral”.
“Não é porque não tivemos nenhum processo nas candidaturas a Presidente que não estamos a ver. Nós estamos a ver. Isto consiste precisamente na comparação da acta e edital da Comissão Nacional de Eleições com a acta e edital dos partidos políticos. Este é um processo minucioso”, salientou, admitindo que não se trata de um “trabalho fácil”.
As ''lições'' de direito eleitoral da Dra. Lúcia Ribeiro
Depois de tamanha façanha diante dos membros do contestatário Podemos, a Presidente do Conselho Constitucional voltou a dar explicações, numa espécie de ''aulas-extras'' a alunos cheios de dúvidas e dificuldades, fora do currículo e do calendário académico.
No encontro na quinta-feira com o líder da Renamo, Ossufo Momade, Lúcia Ribeiro garantiu que o CC vai analisar “as discrepâncias” nos resultados das eleições gerais, mas que não está a fazer recontagem dos votos. “Dizer que o CC não está a fazer a recontagem de votos”, afirmou Ribeiro, justificando a decisão com o facto de a própria CNE ter admitido, quando anunciou os resultados do apuramento geral, “discrepâncias entre as três eleições, mas que não tinha tido tempo para verificar”.
“Então, o CC, sendo um órgão jurisdicional, não pode vir dar essa mesma resposta. Mas fica uma curiosidade e uma responsabilidade e um dever de perceber por que razão é que há discrepância e onde é que existem essas discrepâncias. A partir de onde é que começou a existir essa discrepância”, declarou.
“Nós pensamos que cabia a nós mesmo verificar qual era o problema e onde está esse problema. Notificámos à CNE para nos explicar por que razão tinha havido as discrepâncias e essa resposta consta do processo, que será depois avaliada na próxima semana, quando nos sentarmos, já para avaliarmos os números”, avançou Lúcia Ribeiro.
Acrescentou que neste momento, mais de dois meses após as eleições, o CC está na fase da digitalização, com uma equipa que envolve 57 pessoas, incluindo sete juízes e técnicos. “Nós vamos pegar nos nossos números, comparar com os números da CNE, comparar com os editais de centralização, editais de apuramento distrital, que é para perceber onde é que houve o tal dito enchimento [de boletins de voto]. E daí formarmos a nossa convicção e poder decidir. Foi por isso que o CC decidiu chamar a si esta responsabilidade de fazer a verificação”, sublinhou.
Lúcia Ribeiro justificou que o processo eleitoral moçambicano implica primeiro a validação e só depois a proclamação dos resultados, conforme legislação aprovada pelo parlamento, contrariamente ao que acontece noutros países, que proclamam os vencedores do escrutínio com prazos substancialmente mais curtos e que só depois decidem o eventual contencioso, sendo em Moçambique o CC o último órgão de decisão.
Prazo de validação imposta pelo CRM
Pronunciando-se sobre um ponto que também constitui o “busílis da questão” no processo eleitoral moçambicano – o tema dos prazos impostos ao CC para a validação e proclamação - Lúcia Ribeiro remeteu ao número 2 do artigo 184 da Constituição da República de Moçambique (CRM), que estabelece que a Assembleia da República toma posse 20 dias depois da validação e proclamação dos resultados eleitorais.
Esse cenário empurra o anúncio dos resultados para o próximo dia 23 de Dezembro, prosseguiu. Mesmo que o trabalho de reverificação dos resultados tivesse sido concluído, o CC está impedido de anunciar os resultados antes da referida data, tendo em conta essa condicionante constitucional, assinala.
Albino Forquilha: ''Não sei
se haverá verdade eleitoral''
Para o presidente do partido Podemos, a explicação do CC deixa dúvidas sobre a transparência do processo, destacando que o partido que dirige submeteu diversos documentos que revelam falta de transparência nas eleições gerais, incluindo as presidenciais. “Até aqui não tenho segurança que vai haver uma verdade eleitoral […]. O processo que submetemos incorpora a eleição presidencial”, afirmou Albino Forquilha, em declarações à comunicação social no final da reunião com Lúcia Ribeiro. (Carta da Semana)
Muito se tem falado no combate a corrupção em Moçambique e, é frequente ouvirmos que está na pauta do dia, mas “nem água vai, água vem”, ou seja, muito falamos e pouco fazemos. Por consequência, lamentavelmente, figuramos da lista dos países mais corruptos do mundo.
A corrupção é um problema sistémico e profundamente enraizado nas instituições públicas e privadas da sociedade moçambicana, por mais que custe admitir, vivemos em uma sociedade corrupta.
Em uma visão alargada da corrupção e sua genealogia envolve uma análise que vai para além da definição tradicional, que associa corrupção apenas à prática de suborno ou desvios de erário público. Essa abordagem mais ampla reconhece a corrupção como um fenômeno complexo, que perpassa diversas dimensões da sociedade.
Na definição tradicional, a corrupção é entendida como o uso indevido do poder público para o ganho privado. No entanto, uma abordagem mais ampla defende que a corrupção pode se subdividir em quatro pontos. Nomeadamente:
Quando falamos da genealogia da corrupção é importante reter que esse fenómeno é multifacetado e enraizado em várias dimensões da sociedade. Compreender suas origens e mecanismos é essencial para combatê-la e promover uma sociedade mais justa e transparente. A corrupção não é um fenómeno novo na sociedade, tanto que, já era tema de debate nas sociedades antigas, como a Grécia e Roma, onde filósofos como Platão e Aristóteles discutiam os riscos do desvio de poder e a degeneração das elites políticas. Em uma segunda fase, aquela que consideramos a Idade Média, a corrupção era associada à decadência moral.
O terceiro momento, caracterizou-se com o surgimento do Estado Moderno - a corrupção passou a ser vinculada à má gestão administrativa e ao enfraquecimento das instituições burocráticas. E porque a sociedade é dinâmica, não tardou para entrarmos na contemporaneidade, onde a corrupção é vista como um fenómeno global, influenciado pelas dinâmicas da globalização, pela financeirização da economia e pela fragilidade das democracias.
Estes dois prismas, que são a visão alargada da corrupção e sua genealogia permitem compreender que ela não é apenas uma falha moral ou administrativa, mas sim um fenômeno estrutural, histórico e cultural. Combatê-la requer uma abordagem multidimensional, que abrange reformas institucionais, transformação cultural e fortalecimento das práticas democráticas e de transparência.
Para combater a corrupção em sociedades onde ela é endêmica (como é o caso de Moçambique), seria opturno que o governo adoptasse um conjunto abrangente de reformas que inclua a promoção da transparência, o fortalecimento das instituições, a proteção dos denunciantes, a implementação de punições rigorosas para os envolvidos em práticas corruptas como forma de desencorajar esses actos, como forma de tirar da mente que o crime compensa e por fim e não menos importante a educação como peça fulcral nessa causa, onde teremos a ética e a integridade como alicerces para construção de uma sociedade mais integra, sob pena de ser uma luta inglória.
A longo prazo, a educação e a conscientização pública desde o ensino primario até o dia-a-dia das nossas actividades laborais são cruciais para combater a cultura da corrupção e promover uma sociedade mais justa e equitativa. Mas porque é importante trazer soluções imediatas para a resolução deste mal que aflige a nossa sociedade como um todo, quero crer que, trazer uma proposta em compliance tanto para o sector privado assim como público contribuiria significativamente para a prevenção, detecção e mitigação de práticas ilícitas, fortalecendo a integridade institucional e melhorando o ambiente econômico e social daí a necessidade do Governo começar a debater a necessidade de tornar em Lei a obrigatoriedade de todas organizações sejam elas publicas ou privadas adoptarem programas de compliance.
O compliance pode desempenhar um papel essencial no combate à corrupção em um país, pelo facto deste consistir em um conjunto de políticas, procedimentos e controlos internos que visam garantir que empresas e organizações cumpram a legislação aplicável, regulamentos internos e procedimentos éticos, promovendo a integridade e a transparência.
O nosso país enfrenta desafios éticos em diferentes domínios da sociedade. Estes desafios são transversais e heterogêneos, tocando em aspectos que vão desde corrupção e suborno, branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, nepotismo, defraudação e gestão indevida erário público que levam com que a corrupção opere de maneira quase automática e institucionalizada. A corrupção é organizada e com diferentes actores, incluindo empresas, políticos e funcionários públicos, estão interligados em uma rede de corrupção que beneficia a todos os envolvidos, enquanto prejudica o país como um todo este fenómeno tem um impacto devastador na sociedade moçambicana pois afecta directamente os serviços essenciais, como saúde, educação, segurança e infraestrutura, sem contar que a corrupção afecta a confiança pública nas instituições e no sistema democrático.
A corrupção sistémica mina a confiança dos cidadãos nas instituições públicas, governos, polícia, e sistema judiciário. Quando um povo acredita que todos, desde os líderes políticos até os funcionários públicos de nível mais baixo, estão envolvidos em esquemas corruptos, a fé na justiça e na equidade é profundamente abalada, podendo-se concluir que a corrupção em Moçambique não é apenas um problema de indivíduos, mas um fenómeno estrutural que requer mudanças profundas para ser combatido.
Este paradigma reflete uma percepção compartilhada por muitos estudiosos da matéria em relação à corrupção e à fragilidade institucional. A ideia de que a corrupção se entranhou nas instituições e que, em consequência, tanto elas quanto as pessoas que as compõem se tornaram fracas, aponta para um ciclo vicioso. Quando se institucionaliza a mediocridade, a sociedade perde não apenas eficiência, mas também a capacidade de inovar, liderar e garantir a justiça e bem estar social.
Em sociedades corruptas, práticas como o pagamento de subornos, o nepotismo, clientelismo, comissões e o favorecimento são vistas como comuns ou até necessárias para obter serviços ou vantagens e isso podemos observar em diferentes escalões, desde o estudante que suborna ou corrompe o professor para ter o dito “way do exame”; do condutor que deixa “dinheiro de refresco” ao policia de transito; o paciente que “molha a mão” ao enfermeiro para poder ser atendido com urgência; até aos esquemas mais complexos dos nossos governantes e administradores das empresas. Quando dizemos que "somos todos parte disso", não significa necessariamente que todos somos liminarmente corruptos ou corruptores, mas que a corrupção está enraizada e impregnada em sistemas e comportamentos que, de alguma forma, muitos de nós compactuamos e perpetuamos.
O comportamento corrupto é muitas vezes aceite como "parte do jogo", e quem se recusa a participar pode ser marginalizado ou punido. Esta doença prejudica as nossas instituições estatais e não só estatais pois a corrupção desvia recursos que poderiam ser usados para o desenvolvimento econômico e social, aumentando a desigualdade e a pobreza. A corrupção se institucionaliza porque muitas vezes a sociedade como um todo (mesmo que indiretamente) a alimenta, seja por omissão, necessidade ou conivência. Superar esse ciclo exige uma transformação profunda, não só nas instituições, mas também na mentalidade coletiva.
Daí que o compliance é uma ferramenta fundamental para combater a corrupção, contribuindo para o desenvolvimento económico, social e institucional de um país. Sua implementação eficaz depende da vontade política, da adesão das empresas e da conscientização da sociedade sobre a importância da integridade e da ética nas relações públicas e privadas.
E, porque a corrupção em Moçambique, é um desafio que exige esforços coordenados entre o governo, a sociedade civil, o sector privado e instituições internacionais , somente por meio de reformas profundas e, de uma mudança cultural em relação à ética e à integridade será possível mitigar esse fenómeno que grassa a nossa sociedade e mina o nosso desenvolvimento. Atacando estes pontos, será meio caminho para garantir um futuro mais justo e próspero para a população e povo moçambicano.
Por: Yuri Guiliche (Jurista, Especialista em Compliance para Prevenção da Corrupção)
Não seria caso para manchete de jornal, não fosse a suspeita generalizada nos últimos anos na opinião pública de que o actual Presidente, Filipe Nyusi, teria pretensões de se prolongar no poder. Nyusi está finalmente a conformar-se com a sua saída de cena. Há cerca de duas semanas, ele começou a “despedir-se” dos amigos. No seu inner circle, o Presidente anda a dizer que seu último dia na Presidência será 15 de Janeiro, quando passar o martelo ao novo incumbente saído das eleições de 09 de Outubro, cuja identidade ainda é desconhecida, pois o CC ainda não validou e nem proclamou os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) que deram vitória ao candidato da Frelimo, Daniel Chapo.
Na passada quarta-feira, Filipe Nyusi manteve um encontro no seu gabinete com reitores de universidades públicas e privadas, alguns directores de institutos de educação e entidades afins. Estiveram também sete ministros do seu Governo, entre os quais o da Defesa e o do Interior.
A tónica do encontro centrou-se nas possibilidades reais de um verdadeiro diálogo político com a oposição no quadro da actual tensão pós-eleitoral. Os reitores também sugeriram ao Presidente que um diálogo com Venâncio Mondlane seria incontornável para se apaziguar a tensão.
De acordo com as nossas fontes, em resposta, Nyusi disse que dialogar, para ele, não era problema, tanto mais que no passado já o tinha feito. Mas ele não deixou claro se estava, de facto, disponível a ter esse encontro com VM7, virtualmente, como este teima em insistir.
E já quase no fim dessa reunião, o actual PR deu a informação que todo o mundo estava à espera de ouvir em Moçambique: ele vai entregar o martelo ao próximo incumbente justamente no dia que tiver de o fazer, de acordo com o calendário constitucional. Pela primeira vez, ele deixou claro, em ambiente extra-partidário, que vai mesmo deixar a presidência já, fazendo enterrar definitivamente os rumores sobre sua alegada apetência para um terceiro mandato.
Sob imensa pressão dentro da Frelimo
Na mesma reunião com os reitores na quarta-feira, Filipe Nyusi comunicou que vai também deixar a liderança da Frelimo no mesmo dia 15 de Janeiro. Esta declaração corrobora com relatos colhidos por este jornal, segundo os quais Nyusi tem dito aos amigos mais próximos que vai também deixar a presidência do partido no mesmo dia em que entregar o martelo de inquilino da Ponta Vermelha.
“Ele diz que, nesse dia, enviará ao partido sua carta de renúncia”, disse uma das nossas fontes. Esta pretensão tem uma explicação. Ela responde a uma pressão cada vez mais acérrima dentro do partido, estando agora a correr um abaixo-assinado visando a convocação de uma sessão extraordinária do Comité Central, que uma reunião recente da Comissão Política (há duas semanas) não convocou, alegando motivos de “segurança”.
O Comité Central extraordinário não convocado deveria promover a saída do actual Presidente (e a ascensão de Daniel Chapo, actual Secretário-Geral Interino), a indicação de um novo Secretário-Geral e de um novo Secretariado.
A “recusa” da Comissão Política (controlada por Nyusi) em convocar a referida sessão extraordinária caiu mal nas hostes mais “históricas” do partido, que apontam Nyusi como a "mãe" de todos os males que assolam Moçambique, incluindo a presente tensão eleitoral, que se alega ser fruto do excessivo “martelanço” com que Nyusi manipulou os resultados eleitorais. A reacção dessa corrente foi desafiar Nyusi com um "abaixo-assinado", para forçar uma cedência, obrigando a CP a convocar a sessão extraordinária do Comitê Central para já.
“Carta” apurou que esse “abaixo-assinado” foi despoletado há mais de uma semana pela célula partidária "8 de Março", onde fazem parte figuras sonantes como Joaquim Chissano, Graça Machel, Jacinto Veloso, Castigo Langa, José António Chichava, Alcinda de Abreu, entre outras. Consta que o documento está a ter uma adesão favorável. Os proponentes pretendem que o CC extraordinário se realize já em Dezembro, mesmo antes de o Conselho Constitucional proclamar os resultados do pleito de Outubro.
É no quadro deste ambiente de hostilidade interna que Nyusi vai deixar a chefia da Frelimo. Mas, contrariando a pressão, ele tem vindo a afirmar que não quer sair antes de 15 de Janeiro, data oficial da sua saída da Ponta Vermelha.
Esta resistência esbarra com a percepção generalizada, segundo a qual, se Nyusi deixasse agora a liderança da Frelimo e também abdicasse da Presidência da República, a tensão pós-eleitoral no país reduziria bastante.
Qualquer que seja o cenário, um facto parece já certeza definitiva: Nyusi vai mesmo deixar a Ponta Vermelha em Janeiro, e qualquer narrativa sobre um alegado terceiro mandato só pode ser por défice de informação. Ele já está a fazer as malas...a questão mais intrincada que se coloca é: onde é que Florindos e companhia guardarão sua extensa frota de viaturas de luxo?