O pedido de extradição do deputado Manuel Chang para Moçambique deu entrada ontem no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Relações Exterior sul africano em Pretória, apurou “Carta”. De acordo com os mesmos procedimentos aplicados ao pedido americano, o pacote deverá ser enviado para o Ministério da Justiça e Assuntos Constitucionais e só depois é que chegará ao National Prosecution Authority (NPA), que é o equivalente à nossa Procuradoria Geral da República, que remeterá finalmente ao seu representante nomeado para lidar com a extradição, cuja discussão começa hoje no Kempton Park Magistrage Court, nos arredores de Joanesburgo.
A sessão de hoje foi marcada quando se tinha apenas em mão a solicitação dos Estados Unidos da América (EUA). Com a chegada do pedido de Moçambique, levanta-se uma incógnita: se o tribunal irá discutir apenas o pedido americano isoladamente ou se adiará a sessão para discutir os dois pedidos em simultâneo. Certo, certo é que o representante do Ministério Público deverá solicitar alguns dias para se inteirar dos fundamentos do pedido moçambicano.
Qualquer que for o rumo deste caso de extradição, uma coisa Rudi Krause, o advogado de Chang, que ganha 10 mil Randes por hora, já deixou claro: se a decisão recair para a extradição do deputado para os EUA ele irá recorrer até o caso ter que ser levado à decisão de uma estância política: o ministério local da Justiça. (Marcelo Mosse, em Kempton Park)
Hoje em Maputo, toda a elite política foi arregimentada para a Praça dos Heróis, na celebração dos 50 anos depois do fatídico 3 de Fevereiro de 1969, dia em que Eduardo Chivambo Mondlane, o chamado “arquitecto da unidade nacional”, foi assassinado através de uma carta-bomba enviada ao seu gabinete em Dar-es-Salaam. A romaria era para celebrar a vida e os ideais de Mondlane.
Mas Mondlane está nos antípodas da cultura e da prática política vigente; há na política um anti-mondlanismo por excelência, de acordo com a leitura do filósofo Severino Ngoenha, um dos mais incisivos intelectuais públicos de Moçambique, para quem o país vive hoje uma época em que o projecto de Eduardo Mondlane é, ao contrário da prática, mais premente do que nunca.
Na celebração dos 50 anos da morte do fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), formação que conduziu a luta de libertação até à independência em 1975, Severino põe o dedo na ferida e alerta que esse projecto de unidade nacional, que corporizou o ideal libertário de Mondlane, está hoje na corda bamba, colocando riscos à sobrevivência de Moçambique como Estado-nação.
Ele alude à “metáfora do Zimpeto”, nomeadamente a de um país à venda, com sua riqueza natural compartilhada a bel-prazer por forças externas (desde o ocidente ao oriente) e uma elite incapaz de colocar travão a esse saque generalizado, que representa também um potencial risco de fragmentação do Estado.
“'Lutar Por Moçambique', a obra mais emblemática do fundador da Frelimo, é ainda mais actual sobretudo porque o projecto de Mondlane não está acabado. Temos, cada vez mais, de nos interrogar sobre que Moçambique queremos”, disse o filósofo, reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM), numa breve entrevista à "Carta de Moçambique", esta manhã.
Os riscos de um neo-colonialismo (assente na exploração gananciosa da riqueza natural) e da fragmentação do espaço nacional (decorrente de uma incipiente redistribuição da riqueza) são fruto das incongruências de uma elite que usa a dominação do espaço público não para consolidar o projecto de Mondlane mas para acumular riqueza pessoal.
Por isso, diz ele, debater sobre o destino colectivo da moçambicanidade, no actual contexto e perante as adversidades de hoje em que o inimigo já não é o colonialismo, mas franjas da elite da luta de libertação grudada hoje na depredação do bem público, é mais pertinente ainda. “Lutar por Moçambique hoje significa pegar no passado, nas causas e nos ideais de luta de Mondlane, e tentar perceber o que isso significa no actual contexto do percurso moçambicano”, disse Ngoenha. “Hoje, o inimigo tem outras cores, mas os fundamentos da luta, propostos por Mondlane, continuam válidos”, acrescentou.
Na celebração de hoje, o PR Filipe Nyusi condecorou algumas figuras da vida nacional que mereceram destaque com base nos critérios oficiais, num evento que serviu sobretudo para exaltar o heroísmo dos que lutaram pela independência.
Esse culto do heroísmo, que de quando em vez arrebata a classe política em momento de cultivação da auto-estima, surge deturpado porque celebra-se a pessoa e não as causas ou as ideias porque essa pessoa lutou.
“Temos de ser capazes de buscar em Mondlane as suas ideias de futuro e confrontá-las com a natureza do Estado hoje”, disse Ngoenha, para quem a celebração do heroísmo [que nasceu da tradição do cristianismo, que venerava seus santos, e foi transmudada com o iluminismo e a Revolução Francesa, com o seu panteão exaltando as figuras da representação da pátria e do saber] está cada vez mais diluída hoje, tempos em que são exaltados “santos mundanos”, e em que a visibilidade pura e simples e o dinheiro são suficientes para alcançar a veneração total. No caso de Moçambique, enfatizou Ngoenha, a perfídia domina um anti-mondlanismo crescente, no sentido em que o projecto de unidade nacional, de um Estado-nação com seus micro-grupos unidos, está em risco. (Marcelo Mosse)
Hélder Martins, médico e antigo Ministro da Saúde, diz que o Moçambique actual não é aquele com que sonharam aqueles que se juntaram na luta de libertação nacional, sobretudo por causa dos problemas ligados à corrupção e à falta de vontade política para combatê-los. Martins disse é necessária uma grande determinação para Moçambique alcançar a sua independência económica, mas que tudo passa por se vencer a corrupção, que é um cancro que abala o sistema governativo moçambicano. Na cerimónia de hoje alusiva ao 3 de Fevereiro, o Presidente da República, Filipe Nyusi, condecorou algumas individualidades pela sua contribuição na luta armada. Uma delas foi Hélder Martins, a quem coube a Medalha Eduardo Chivambo Mondlane do 1º grau. Hélder Martins enfatizou que a corrupção limita o desenvolvimento do país. Para Martins, se a corrupção não for eliminada, dificilmente Moçambique atingirá a independência económica, nem preservará o legado dos grandes heróis da pátria. (O.O.)
O antigo presidente Armando Guebuza disse hoje que a resolução do caso Manuel Chang é da responsabilidade dos tribunais. Acossado por jornalistas esta manhã na Praça dos Heróis, numa romaria de celebração dos 50 anos da morte de Eduardo Mondlane, Guebuza furtou-se a desenvolver o tema, optando por enfatizar o seu papel na luta pela independência. Sublinhando que ele (Guebuza) lutou e luta pela pátria, apelou que todos nós devemos exaltá-la.
"Exaltemos a pátria. Eu exalto a minha pátria. Eu luto pela minha pátria, e penso que vocês devem exaltar a vossa pátria". A pergunta era a evolução do processo das dívidas ilegais. Para Guebuza, nenhum país pode desenvolver-se sem problemas, e a sociedade não é perfeita. "O país é um processo, é uma dinâmica”, frisou, acrescentando que nenhuma sociedade é perfeita, de contrário não haveria sociedade.
O antigo Chefe do Estado de Moçambique reconhece a existência de problemas, mas salienta que é importante os moçambicanos terem cuidado com as adversidades que existem, sem perder a auto-estima porque só assim é que se conservará o legado de Eduardo Mondlane. "Os problemas que existem não põem em causa a grandeza do povo, e nem de Eduardo Mondlane. A auto-estima deve estar patente em cada moçambicano", afirmou. (Omardine Omar)
Os arguidos do processo (1/PGR/2015) relativo às dívidas ocultas, que até agora tem apenas um detido no estrangeiro na sequência de um mandado de captura internacional (o ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang) deverão ser encarcerados na ”Guantánamo 1”, nome por que é conhecida a nova penitenciária de alta segurança erguida dentro das instalações da BO, no vasto recinto prisional localizado na Machava, nos arredores de Maputo. “Carta de Moçambique” apurou que a prisão de parte dos arguidos, como medida de coação, deverá acontecer dentro de poucos dias. Eventualmente, serão igualmente detidos arguidos doutros processos relacionados com grande corrupção.
Entretanto, este famoso processo das dívidas ocultas já ultrapassou a fasquia dos 18 arguidos. Outras figuras beneficiárias directas dos subornos da Privinvest foram também arroladas nos últimos dias. “Carta” sabe que as próximas semanas serão cruciais para o processo de responsabilização, em Moçambique, dos implicados no calote. Nesta sexta feira, falando à margem da abertura do ano judicial, o porta-voz do Tribunal Supremo, Pedro Nhatitima, confirmou uma notícia avançada por este jornal. A de que o pedido de extradição moçambicano já tinha sido expedido para a África do Sul. Assim sendo, no dia 5 de Fevereiro, a justiça sul africana começará a avaliar para onde vai extraditar Manuel Chang, se para Maputo ou para Nova Iorque.
As autoridades judiciais moçambicanas alimentam a esperança de a decisão recair para Maputo. Apesar de haver uma grande probabilidade nesse sentido, há uma nova questão sensível que está a ser levantada pelas autoridades judiciais sul africanas, de acordo com fontes seguras de “Carta”: na eventualidade de a decisão determinar a extradição de Manuel Chang para Moçambique, Pretória vai exigir que com o deputado sejam enviados para cá cerca de 6 mil moçambicanos condenados a penas altas de prisão, os quais constituem um enorme fardo para o orçamento dos serviços correcionais locais. Os 6 mil são criminosos de alto calibre que Pretória gostaria que fossem enviados para cumprirem a sua pena em Moçambique, no âmbito de um acordo que prevê a transferência de prisioneiros (na base do qual Maputo enviara para Pretória, no passado dia 10 de Janeiro, um pedido de transferência de Manuel Chang, que não teve resposta).
Nos corredores do Ministério da Justiça e Assuntos Religiosos em Maputo essa perspectiva de remissão de cadastrados perigosos da África do Sul para cá é vista com muita apreensão. O nosso sistema penitenciário não está preparado para receber tão grande número de prisioneiros. A infraestrutura prisional local continua obsoleta. “Guantánamo 1” que, já tem alguns “residentes de luxo", ainda não é suficiente para tão grande demanda. A cadeia é assim referida em círculos restritos do sector penitenciário em virtude de seus alegados grandes padrões de segurança, recordando a prisão americana de memória triste implantada na Ilha de Guantámo, em Cuba. A nova prisão continua a receber os últimos retoques. Ela, a par da “Guantámo 2”, localizada em Nampula, e com a capacidade para 200 prisioneiros de alto risco, corporizam o mais recente esforço do Governo para dotar o sector penitenciário de instalações de reclusão de alta segurança. (M.M.)
O Presidente russo, Vladimir Putin, anunciou hoje a suspensão da participação da Rússia no tratado de desarmamento nuclear (INF), em resposta à medida similar adotada pelos EUA. "Vamos dar uma resposta simétrica [aos EUA]. Os nossos parceiros norte-americanos anunciaram que suspendem a sua participação no tratado. Pois nós também o fazemos", disse o líder da Rússia, citado pelas agências noticiosas russas, numa reunião com os ministros russos dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, e da Defesa, Sergei Shoigu.
Putin disse que os EUA estão, há anos, a ignorar as iniciativas russas de desarmamento e "o tempo todo à procura de pretextos para desmantelar o sistema de segurança existente". O presidente russo pediu também aos responsáveis dos Negócios Estrangeiros e da Defesa que não iniciassem novas negociações com os EUA até que "os parceiros norte-americanos amadureçam para acompanhar um diálogo consistente e igual" sobre uma questão que é "muito importante” para a Rússia e para todos os seus “parceiros e o resto do mundo". Ao mesmo tempo, negou que a Rússia pretenda agora participar numa nova corrida armamentista com Washington.
“Não devemos nem vamos deixar-nos arrastar para uma cara corrida armamentista", disse. Pelo seu lado, Lavrov disse que Moscovo "tentou fazer todo o possível para salvar o tratado INF [Intermediate-Range Nuclear Forces Treaty, em inglês], tendo em conta a sua importância para a segurança estratégica na Europa e no mundo".
Enquanto isso, o chefe da Defesa disse que os EUA "anda há anos a infringir o tratado" de desarmamento acordado durante a Guerra Fria e propôs que a Rússia desenvolva um míssil terrestre hipersónico de médio alcance, uma iniciativa que foi aprovada.
Os EUA deram à Rússia até hoje para cumprir o INF de maneira "verificável", um ultimato que foi rejeitado pelas autoridades deste país, que acusou Washington de aumentar o risco de uma guerra nuclear no mundo ao abandonar os principais tratados de desarmamento para a segurança internacional.
O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, confirmou na sexta-feira que os EUA vão retirar-se do tratado de armas nucleares de médio alcance e o Presidente, Donald Trump, responsabilizou a Rússia, por violar esse acordo.
Mike Pompeo confirmou que os EUA suspendem a partir de domingo as suas obrigações com o tratado, assinado em 1987, depois de, em comunicado, o Presidente dos EUA, Donald Trump, ter acusado a Rússia de o ter violado “por tempo demais (...) com impunidade, desenvolvendo secretamente e colocando em campo um sistema de mísseis proibidos, que representa uma ameaça direta aos nossos aliados e aos nossos militares no estrangeiro”.
Donald Trump afirmou que os EUA “aderiram totalmente” ao pacto por mais de 30 anos, mas que não podem continuar limitados aos seus termos enquanto a Rússia deturpa os seus termos.
O chefe da diplomacia norte-americana assegurou, contudo, que Washington estava "pronto" para continuar a discutir com a Rússia "o assunto do desarmamento". No início de Dezembro, com o apoio da Nato, Mike Pompeo tinha dado à Rússia 60 dias para desmantelar os seus novos mísseis de longo alcance, violando o tratado aos olhos dos norte-americanos e da Aliança Atlântica. Caso a Rússia recusasse, Pompeo tinha ameaçado iniciar a retirada dos EUA do tratado, procedimento que se estende por seis meses.(Lusa)