Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

ME Mabunda

ME Mabunda

sexta-feira, 19 abril 2024 08:58

Recado ao próximo Presidente da República

Já que estes dias estamos, o país inteiro, a falar de perfis - perfil aqui, perfil acolá -, gostaria de sugerir que o nosso próximo chefe de estado seja alguém com eles no lugar. Grandes e bons. Com eles bem no lugar para renegociar os contratos que o Estado moçambicano tem com as várias multinacionais chafurdando no nosso solo pátrio. Todos eles favorecendo-lhes em tudo: quantidades, receitas, lucros, impostos e nem sequer obrigando-as ao processamento interno das matérias primas. Em quase nada beneficiam o nosso Estado; não beneficiam o Governo, não beneficiam Moçambique, muito menos os moçambicanos. Pelo contrário, só legitimam a espoliação desenfreada das nossas riquezas!

 

Um dos grandes saltos que a Tanzania de John Magufuli (2015 a 2021) deu nos últimos anos foi justamente nesta  matéria. O falecido chefe de estado tanzaniano pegou nos contratos com multinacionais, renegociou-os e estabeleceu termos que beneficiam de verdade o seu país e os seus compatriotas. Revisou projectos ferroviários, arrancando-os de chineses para turcos; reformulou contratos nos sectores de mineração, petróleo e gás - justamente o que temos em mão -, nalguns casos obrigando ao processamento interno; e introduziu reformas nas finanças públicas, na saúde e educação. Hoje, Tanzania está a dar passos fabulosos!

 

Enquanto não formos capazes de pegar o búfalo pelos chifres, continuaremos a oferecer ao desbarato os nossos imensos e abundantes recursos naturais, não daremos passos significativos no almejado desenvolvimento.

 

A nossa energia da HCB, os sul-africanos apossam-se dela a preços de banana - ainda bem que o contrato está a terminar, 2029 está já ali, altura propícia para estabelecer novos termos e preços que beneficiem de verdade Moçambique e seu povo! Já que estamos em Tete… o nosso carvão a ser autenticamente esbulhado e nós pura e simplesmente a contemplarmos até o sofrimento do nosso povo, os concidadãos em Tete, mal reassentados, não compensados e sem quaisquer benefícios sérios, senão as inacabáveis poeiras e buracos colossais.

 

Temos aqui nas nossas barbas a MOZAL a entreter os nossos compatriotas de Beluluane e as autoridades do país há cerca de 30 anos com escolinhas primárias e postinhos de saúde, enquanto vai pagando o mínimo dos mínimos de impostos, embora arrebatando biliões e biliões de dólares de lucros. Como todas as outras multinacionais, até tem a coragem de nem sequer pôr em condições as estradas que os seus camiões usam e estragam para escoar para o estrangeiro o alumínio que produz… Se os tivéssemos no lugar, há muito que naquelas bandas teríamos tido ou um hospital de verdade, de nível provincial; ou uma escola técnica de nível superior; ou, no mínimo, a MOZAL a participar na manutenção daquelas estradas à volta e as que levam os seus produtos. Como não os temos… 

 

As areias pesadas… em todo o lado onde se está a extrair as areias pesadas, só avulta descontentamento, fúria, zanga e revolta popular, ante a cobardia das nossas autoridades, locais e não locais, elas próprias só a ver navios. Em Chibuto, os chineses, depois de um reassentamento e compensações insultuosos, revoltantes, não só não põem em condições as vias por onde passam e estragam os seus camiões transportando areias pesadas, como nem hospital ou escola ousaram por lá construir; ou pelo menos ajudar a vila municipal de Chibuto a resolver os eternos problemas de água. Neste momento, está-se como se não estivesse ali a Deng Sheng; no entanto, esta vai esbulhando o minério como quer e pode, sem controlo, nem fiscalização (aliás, nunca ouvi dizer que deputados da nossa AR uma vez lá tivessem ido fiscalizar….). De Moma, os gritos de descontentamento, fúria, revolta e zanga são igualzinhos… e nem para lá um deputado foi/vai pôr pé!

 

De fazer deitar lágrimas está a situação das multinacionais que estão a extrair o gás, a começar pela SASOL, conosco há cerca de 20 anos. Primeiro, só ela é que sabe que quantidades de gás tira de Moçambique; segundo, é a SASOL-filha que extrai gás em Moçambique e manda para a SASOL-mãe na África do Sul; terceiro, a SASOL-filha vende o gás à SASOL-mãe a um preço  muito abaixo do praticado internacionalmente. No mercado, cada gigajoule custa cerca de oito (8)  dólares norte-americanos, mas o nosso gás as SASOL’s vendem-se a 2.1 (dois ponto um) dólares norte-americanos cada gigajoule!... quarto, dos lucros, segundo os acordos, o Estado moçambicano devia receber APENAS 5%, que subiriam gradualmente até 40%, algo que nunca aconteceu!... ademais, a SASOL pode deduzir nesses míseros cinco por cento despesas de exploração, operacionais e outras, o que tem feito religiosamente… Como se tudo isto que as nossas autoridades conhecem de olhos fechados não fosse abominável, abjecto, revoltante, e não tugem, nem mugem; o reassentamento que realizou é da maior indignidade possível; Pande e Temane são das regiões mais pobres de Inhambane e de Moçambique! Ou seja, estão como se encontram regiões do país onde não se explora gás: hospital sério, escola técnica séria, estradas, energia eléctrica e água… NADA! É como se a SASOL não existisse!

 

Da exploração de gás na bacia do Rovuma… nem sabemos quantos carregamentos já foram feitos, soubemos apenas do primeiro! E muitíssimo pouco sabemos dos pagamentos!

 

Tudo isto e muito mais só acontece porque nós não os temos. A nossa política de atracção de investimentos precisa de uma grande reformulação, está completamente descontextualizada. Precisa de uma revolução, urgente e radical. Não podemos continuar a oferecer de bandeja os nossos recursos sob pretexto de que estamos a atrair investimentos; se alguém vem investir em Moçambique é porque quer ganhar dinheiro. Não podemos continuar a isentar de pagamento de impostos a qualquer que seja o investidor indefinidamente sob pretexto de mobilização de investimentos. Magufuli aumentou os impostos e pôs Tanzania a receber metade dos lucros. Moçambique tem que receber CINQUENTA POR CENTO (50%) dos lucros da exploração dos seus recursos naturais.

 

Para tanto, precisamos de um governo com eles. De um chefe de estado com eles no lugar para inverter este horrível, ignóbil, frustrante, revoltante cenário em que Moçambique e os moçambicanos só estão a chuchar!

 

Eis o meu recado ao próximo Presidente da República!

quinta-feira, 28 março 2024 07:13

A ADIN

Por uma razão supérflua, fútil e inimpressionante, a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) - do norte de Moçambique -, acrescente-se, voltou a merecer algumas linhas nos media, nacionais e internacionais, nos últimos dias. E a tal razão de notícia foi, nada mais, nada menos, a substituição do seu presidente de Conselho de Administração. Justamente, como quando, há sensivelmente dois anos e meio, o Professor Ngunga foi substituir o anterior, o ex-diplomata Armando Panguene, que fora nomeado pouco depois da criação da instituição.

 

Uma notícia inimpressionante justamente porque da ADIN, da pompa e circunstância, i.e., do barulho e das expectativas que rodearam a sua criação e lançamento, e todo o clima e ambiente que se vive em Cabo Delgado, esperavam-se/esperam-se mil e uma notícias sobre as suas realizações e ou actividades em toda a extensão do território que se lhe adjudicou. Segundo escreveu uma publicação nacional na altura da entrada em funções do Prof. Ngunga, a ADIN “nasceu com a aura de ser a instituição que iria promover o desenvolvimento sócio-económico em Nampula, Niassa e Cabo Delgado, províncias que compõem a região menos desenvolvida de Moçambique. Era a solução não-militar que faltava para enfrentar o problema do extremismo violento em Cabo Delgado: a ADIN tem a missão de promover empregos para jovens como forma de os desencorajar a aderir aos grupos extremistas.” Por conseguinte, as notícias deviam ser neste vastíssimo e infindável horizonte de acção.

 

Indo-se ao baú de realizações da instituição, muito pequeno ainda, diga-se em abono da verdade, quase nada se vislumbra, senão uns workshops de reflexão aqui e acolá, conferências e… casas de reassentamento em construção algures, absurdamente não nas zonas de origem dos deslocados, em substituição das queimadas pelos terroristas. Acções de desenvolvimento como tais - estradas para escoamento de produtos agrários, pontes, linhas férreas, silos para armazenamento de excedentes de produção, apoios multiformes a camponeses/produtores/criadores na venda dos seus produtos, aumento de empregos, escolas técnicas, hospitais, etc., etc. -, nada de nada; muito menos de algo integrado!

 

A questão que se coloca, a meus olhos, é justamente a imprecisão, a ausência de um entendimento ou definição clara do “fenômeno” desenvolvimento no projecto, alguma confusão da noção por parte do conceptor; fala-se de uma forma genérica, sem indicadores concretos - não se diz quantas estradas entre a produção e o mercado se vão abrir, pontes que serão construídas… empregos que se vão criar, onde, quando e como. De que estamos a falar quando dizemos “desenvolvimento de Cabo Delgado, Niassa e Nampula”? E, mais especificamente, quando dizemos “desenvolvimento integrado”?... Integrando o quê com o quê?

 

Não parece crível que os arquitectos da ADIN tenham visto ou vejam ‘desenvolvimento’ como Todaro (2012) o viu/vê: um processo científico multidimensional, complexo mas inteligente, laborioso, rigoroso, inclusivo; que envolve grandes mudanças nas estruturas sociais, nas atitudes dos indivíduos e das comunidades (da população, como dizemos aqui); um processo acompanhado de um acelerado crescimento econômico, redução de desigualdades e erradicação da pobreza. Desenvolvimento tem subjacente toda esta gama de transformações que levam a que um sistema social saia do estágio de diversas necessidades básicas, diversas e crescentes aspirações, de condições de vida precárias, insatisfatórias, e ascende, migra (esse sistema social) para uma condição de vida melhor, de qualidade, satisfatória, material e espiritualmente!

 

Que colossal desafio para uma ADIN! Será, ela, capaz de realizar este desiderato? Bastante duvidoso. Mas onde estão os governos provinciais (GP) - agora amalgamados com secretarias de Estado? Fazem o que? O desenvolvimento de uma província não é a razão de ser e de existência de um governo provincial? Os GP só existem para representar o Estado na província? E qual é o papel dos ministérios? Por quê os temos? Não é o de trabalharem/promoverem o desenvolvimento de Moçambique em todos os espaços geográficos?

 

Somos muito exímios em duplicar estruturas e em não aprender com a nossa própria experiência. O que é que o Gabinete do Plano do Vale do Zambeze (GPZ), hoje transformado em Agência de Desenvolvimento do Vale do Zambeze (ADZ) conseguiu fazer de visível e aceitável nestas três a quatro décadas de existência nas quatro províncias de jurisdição? E o GPZ (ou ADZ… não sei como se chama agora, mas completamente apagada) não tem e nunca teve pressão de guerra, ou de deslocados! O muito que o GPZ tentou - mas não conseguiu - foi ficar super-governo provincial, chefe dos governos das quatro províncias…pretender substituir-se aos governos dessas províncias, o que certamente criou confusão, fricção, dispersão e esbanjamento de recursos!

 

Se a intenção, que é nobilíssima, é transformar sobretudo Cabo Delgado e as outras duas províncias (Niassa e Nampula) em face ao terrorismo; e se conseguimos recursos financeiros (que ascendam aos USD700 milhões que a ADIN procura), porquê não potenciarmos os aludidos governos provinciais em todos os meios para fazerem face às situações em que se encontram - um pouco mais do que as outras províncias? Para terem um desenvolvimento mais acelerado? Mais estradas, pontes, linhas férreas, mais apoio aos produtores, mais empregos… etc.? Porquê criar estruturas e mais estruturas e mais estruturas?

 

De que valerá a mudança constante de PCE’s da ADIN? O Eng. Loureiro vai fazer o quê lá? Acaso saberá ele ao que vai? Um claro processo de “nenhumação” de quadros, como bem o diz o nosso Ungulani.

 

ME Mabunda

sexta-feira, 24 novembro 2023 09:00

Dois pesos e duas medidas

Segundo a nossa enciclopédia virtual nos dias de hoje, Google - quão abençoadas não estão os que se iniciam neste capítulo de investigação e escrita!… tudo na palma da mão, basta saber o que quer e formular devidamente e, apenas, ter megas; no nosso tempo de iniciação, a mais pequena coisa tinha que se ir a bibliotecas e muitas vezes sair de mãos a abanar -, a máxima ‘dois pesos e duas medidas’ é “uma expressão popular utilizada para indicar um acto injusto e desonesto, algo feito parcialmente. Normalmente, está relacionada com situações similares [mas] tratadas de formas completamente diferentes, seguindo critérios diferentes e à mercê da vontade das pessoas que as executam”. A expressão oficial “dois pesos e duas medidas” foi registada inicialmente na bíblia sagrada, no livro de Deuteronômio (25:13-16), nos seguintes termos: “Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta. Usai apenas um peso, um peso honesto e franco, e uma medida, uma medida honesta e franca, para que vivais longamente na terra que Deus vosso Senhor vos deu. Pesos desonestos e medidas desonestas são uma abominação para Deus vosso Senhor."

 

Vem esta breve peroração a propósito do que nos foi dado a assistir esta semana na vida sócio-política da nossa bela pérola do Índico!

 

Pois bem, nos últimos dias, testemunhamos dois actos extraordinários; um bastante raro, e outro mais ou menos inédito na nossa governação toda. O não inédito, mas raro: é o de um dirigente que foi exonerado em tempo recorde, sem sequer ter tomado posse. Um vice-ministro de desportos que o foi por menos de dois dias, no consulado de Joaquim Alberto Chissano. Foi nomeado para o cargo num dia e, em menos de 24 horas, exonerado. É claro que em ambos os consulados, de Chissano e de Armando Guebuza, fomos tendo dirigentes que pouco duraram, um a dois anos. Mas foram muitas raridades!

 

O mais ou menos inédito, ou inédito mesmo: o de um chefe máximo que cedeu a uma pressão pública para a exoneração de um dirigente. Tanto Chissano, quanto Guebuza sofreram em diferentes momentos muita pressão para exonerarem este ou aquele governante e não deram o braço a torcer. Muito pior quando a pressão fosse pública. Lembremo-nos da enormíssima pressão popular feita na altura para Joaquim Chissano exonerar Manuel António, então ministro do Interior, mas nunca cedeu. Tirou-o quando bem entendeu, até para mostrar que não era por pressão popular. Mas sabemos que, imensas vezes, muitos caíram por força de pressão de certos sectores sobre o dirigente máximo. Os nossos boises não acolhem bem que certos sectores sociais façam pressão pública, julgam que estão a ser apequenados, seus poderes e sobretudo saberes postos em causa, que esses sectores acham que as ideias deles são de somenos inteligência, daí a tenaz resistência.

 

Esta semana que corre, vimos o nosso amigo dos tempos do “Ler e Escrever”, a defunta página literária do jornal domingo, a ser exonerado de funções em menos de um ano de exercício. Embora, como nunca, não se tenham apontado as razões da exoneração, está mais do que claro que ela decorreu da pressão popular que cerca de cem organizações da sociedade civil exerceram sobre o chefe do estado para o apear. Não há como não estabelecer uma correlação neste caso! Pelo menos não foi apontado o contrário, não se desmentiu em nenhum momento esta relação causa-efeito, embora momentos oportunos para tal não tenham faltado.

 

O crime do nosso amigo foi ter sugerido uma reflexão séria sobre a questão das uniões prematuras, dando como exemplo a Maria que teve Jesus com 14 anos! Esta é, sem dúvida nenhuma, uma questão bastante complexa, melindrosa, bicuda na nossa sociedade (não só em Moçambique, mas também em alguns países africanos), que requer mesmo uma… reflexão profunda! Basta lembrar que, em nossas sociedades, existe a prática de ritos de iniciação a meninas e meninos de 12, 13, 14 anos, onde, justamente, uma das coisas que se ensinam com maior acuidade é a sexualidade! Basta lembrar igualmente que a maioria dos nossos líderes tradicionais, esteios para o combate a esta prática, todos eles a praticam de uma ou de outra forma. Basta lembrar igualmente, ainda, que as famílias a que pertencem estas meninas têm, muitas vezes, uma não pequena quota de responsabilidade no processo dessas uniões prematuras!… cumplicidade de algum jeito, que inclui colaboração activa, passiva ou inação ou ainda omissão!

 

E, então, é crime apelar a uma reflexão profunda?… alegando exemplos factuais históricos?… Não estamos em defesa do exonerado secretário de estado de Manica, nem temos mandato para tanto, apesar de termos uma relação de alguma amizade de décadas.

 

Seja qual for o posicionamento de cada um de nós, o que parece, aqui e agora, é que este caso enquadra-se perfeitamente, ipsis verbis, como uma luva, no exemplo do dito secular introdutório ‘dois pesos e duas medidas’!

 

Não muito tempo atrás, e em recorrência, o Ministério da Educação cometeu das piores asneiras que um ministério de educação de um país pode cometer para com uma sociedade. Haverá grande diferença entre o procedimento do nosso MINED e o acto praticado por Dick Kassotche? Claro que há uma grande diferença! Colossal!

 

O nosso Ministério da Educação não apelou a nenhuma reflexão profunda. Praticou actos, ou tem praticado acções bastante lesivas à sociedade. Praticou. Condenou toda uma geração a uma ignorância colossal nociva tal que hipoteca sem limites o futuro de uma sociedade inteira. Os erros - todo o tipo de erros, históricos, científicos e linguísticos - nos livros escolares são de uma gravidade que em nada se compara com um apelo a uma reflexão profunda sobre determinado assunto! Reflectir é crime? É nociva à sociedade? O caso MINED é apenas um exemplo.

 

Pediu-se a cabeça da ministra! Nada. Até hoje! Dois pesos e duas medidas. Quid júris?

 

ME Mabunda

segunda-feira, 06 novembro 2023 11:22

Nosso Moçambique adiado!?

Definitivamente, o nosso Moçambique está adiado. Não era este o Moçambique da Frelimo de 1962; de 1964; de 1974; nem de 1977, muito menos de 1984/5… Não era este o Moçambique que muitos dos moçambicanos alimentaram durante estes… cerca de sessenta, setenta anos de consciência social e política. Não foi este o Moçambique que a FRELIMO inculcou em nossas mentes desde os anos sessenta e setenta do século passado! Estamos hoje a vivenciar momentos bastante complicados, inacreditáveis… de honestidade, ética, moral, seriedade bastantemente duvidosas, quase zero! Momentos que nada têm a ver com as nossas aspirações. Aspiraçǒes de uma Nação de Paz e harmonia social, de justiça social, de concórdia e de bem estar! Estamos a desconseguir ser irmãos. Não estamos a conseguir organizar e jogar um bom jogo limpo, que satisfaça e tranquilize todos os 32 milhões de corações! Não conseguimos ganhar limpamente! NADA!  

 

O meu mês de Outubro tinha, como sempre teve, desde que me achei crescido, tudo, mas absolutamente tudo, para ser aquele meu mês mais feliz do ano! É o mês que alberga a data do meu aniversário natalício. Quando começou, esfreguei as mãos e pensei que ia, nas próximas semanas e dias, curtir um dos períodos mais excitantes do ano…

 

Mas… êhhh… nunca imaginei que este seria qualquer coisa que nunca tivesse absolutamente nada a ver com o meu habitual mês de Outubro. Pesadelo!...

 

Jamais imaginei que um dia testemunharia a tudo o que os meus olhos me proporcionam ao longo dos últimos três a quatro semanas. Incredulidades e incredulidades. Tudo espectáculo gratuito, indigno de uma sociedade civilizada, que pretende paz, harmonia e (re)conciliação. Que ultrapassa largamente aquele do Gungu. Nunca acreditei que testemunharia a um momento em que moçambicanos abdicassem de si mesmos, da sua idoneidade, humanismo e personalidade… do seu próprio país! Já me indignei bastante, e continuo, sobre compatriotas que vendem BI’s e passaportes nacionais a estrangeiros desconhecidos, mas não dos que vendem… o próprio país no seu todo, a… transeuntes; e a valores irrisórios! Vejam ao que chegamos, moçambicanos a dispararem balas de verdade contra outros moçambicanos em plenas zonas urbanas…

 

Nunca imaginei que compatriotas presidentes de mesas abdicassem do seu país, moçambicanos que se consideram patriotas… a troco de 500 ou 600 mil meticais, pela imagem, soberania, idoneidade e seriedade do país! Entregar o país desta maneira a transeuntes? Moçambicanos recusarem-se a assinar os editais a troco de valores monetários?... Interromperem os apuramentos e recolherem os materiais para parte incerta?… Desviarem e desvirtuarem urnas, editais e… todos os materiais eleitorais?

 

Como compreender que os presidentes de mesa se recusaram a assinar os editais e  actas, violando grosseiramente as suas atribuições principais e não são responsabilizados? Indivíduos com muita personalidade como aquele presidente em uma escola em Quelimane que preferiu ser morto (felizmente, não foi) a assinar os editais?!… - que espectáculo gratuito? Como se sente hoje diante dos seus filhos, da família e amigos?... Como compreender que não estejam detidos e a contas com a justiça, ao contrário daqueles jovens que se manifestavam mostrando seu descontentamento para com os resultados anunciados… os presidentes de mesa conhecidos e confessos que se recusaram a cumprir as suas obrigações em crime tipificado como desobediência qualificada? Um, ao que consta, confessou ter recebido 500 mil meticais em troca de favorecer a um partido… Como compreender que tenha havido interrupções ilegais de contagens de votos e que os materiais depois tenham sido ilegalmente levados para sítios desconhecidos e incertos, mas em residências individuais; falsificaçǒes de editais? Porquê e com que objectivos? Como compreender a violação do preceito legal de fixação dos editais das assembleias de voto justamente nos locais de votação e logo a seguir à aferição dos dados de votação? Como compreender que a contagem tenha sido interrompida por incompreensíveis razões, incluindo a falta de iluminação, justamente no momento de contagem dos votos? Como compreender que as CDE tenham interposto acções judiciais em lugar dos próprios actores? Como compreender tudo isto?...

 

Como entender que dos editais emanados numa assembleia de votos que, por direito, todos os membros da assembleia receberam, incluindo os delegados dos partidos políticos, na nossa justiça só alguns editais são aceitáveis, credíveis e os outros não, quando todos os editais foram distribuídos no mesmo local e ao mesmo tempo a todos de direito? Qual, afinal, a aritmética aplicável… os editais que têm os números certos são de um ou outro lado, quando todos os editais foram distribuídos a todos os delegados de uma mesa de voto?

 

Igualmente, como entender que o mote da polícia seja o de dispersar as manifestações? Dispersar, por quê? Há ou não liberdade de manifestação? Como explicar que a polícia dispare primeiro contra uma concentração e depois aponta que a manifestação era/é desordeira?

 

E, cúmulo dos cúmulos, como entender certos analistas… aqueles que fecham os olhos a tudo isto que foi mostrado ao vivo em vários media,  demonstrado e provado em tribunais e publicações idôneas; mas apontam os dedos aos que manifestam incredulidade e indignação? E como entender que os tribunais não são competentes nas suas competências, se a lei lhas conferiu?... E os chumbos em massa de petições e recursos? Tudo difícil de compreender!…

 

Nosso Moçambique adiado!

 

ME Mabunda

terça-feira, 03 outubro 2023 10:07

Mambone

Ainda fui a tempo, no início da carreira jornalística, anos oitenta até finais dos anos noventa, de ouvir histórias de tirar o cabelo, de electrizar um ser humano normal. Foram muitas e de diversa índole e que, de alguma forma, habitam no meu imaginário - alicerçadas, com efeito, em muito semelhante ao que vinha ouvindo desde a infância lá nas terras interiores de Chibuto. Uma rezava que um ministro visitou um certo distrito no âmbito das suas atribuições governamentais. O administrador mandou organizar uma recepção à altura do responsável que ia receber, como de praxe: uns grupos culturais locais. De facto, mal os carros da comitiva pararam e o chefe saiu da viatura, os grupos culturais puseram-se a fazer com mais intensidade o melhor do que sabem: batucadas, cantadas e dançadas, bastante bem harmonizadas. Um dos grupos tinha cobras que condimentavam a sua coreografia. Cobras vivas. E eis que o maestro se abeira do chefe, pega numa das cobras que tinha no seu próprio colo e enrola-a no do chefe. O chefe foi “homem”, não colapsou. Mas confessou, mais tarde, que esteve fora de si naquele e nos subsequentes momentos, tremendo foi o susto que apanhou, apesar de a cobra não ter feito muitos movimentos. Percebendo que o chefe estava bastante assustado, o administrador tratou de orientar ao maestro para tirar a cobra do corpo do chefe. Doravante, o ministro passou a andar menos pelos distritos e confessaria que aquela cena vive com ele no seu imaginário!

 

Histórias destas existem às milhentas, quer tendo como personagens principais administradores e ou governadores, quer directores nacionais. O querido leitor certamente que terá muitas mais ainda… - e pode acrescentá-las na versão do Facebook deste artigo.

 

Ouvíamos, igualmente, de administradores distritais que só iam dormir nos palácios passado bom tempo após a nomeação, seis meses ou ano, ano e meio. Não me perguntem ‘depois de, eles próprios, terem feito o quê exactamente’. O que se conta são mil e uma coisas: ou que durante a noite ouviam sons estranhos, ou gente conversando, multidão barulhando, por vezes cantando, ou andando, marchando; ou ainda cavalos ou burros galopando à volta da casa; para além de frequentes visitas nocturnas de animais selvagens, incluindo cobras, mas, dia seguinte, não se via uma única pegada de nada. Por tudo isto, não ocupavam de imediato os palácios, viviam nas casas de hóspedes por um período indeterminado... Mas também existem histórias daqueles responsáveis que não vão directamente ocupar os gabinetes dos predecessores, trabalhando a partir de outras salas; ou que mandam mudar todo o mobiliário na sala do antecessor...

 

Estas histórias (ou estórias) não surpreendem assim tanto para muitos de nós que crescemos a ouvir coisas e coisas do gênero. Por exemplo, crescemos a ouvir que para se ser rico, ter-se êxito na vida, em todas as áreas, era/é preciso “khendlar” (ir a um curandeiro ser tratado para tal). Na nossa filosofia bantu, aparentemente o sucesso não decorre de procedimentos metodológicos rigorosos, científicos, racionais, eficientes; mas, sim, de ter sido tratado por um grande curandeiro. Na nossa tradição, a ciência, ela sozinha, não leva ao sucesso, mas um excelente curandeiro sim. Muitos, até hoje, ainda acreditam nesta abordagem. Mesmo com o avanço da educação, da ciência e da tecnologia, há os que continuam amarrados a este pensar.

 

E, geralmente, dizia-se  que os melhores curandeiros são os de longe e que os locais são aqueles “santos da casa”, que não fazem milagres! Foi assim que fomos ouvindo de locais bem distantes como os que tinham os melhores curandeiros, os mais, mais. Sítios como Panda Mudjekene, Funhalouro, Chigubo, Mabote, Mussapa, Inhassoro e …Govuro!, estão entre os locais com os melhores curandeiros. Dizendo simplesmente Govuro, pode passar despercebido a muitos; mas dizer… Mambone, já toda a gente fica em sentido! Mambone figura no top, fala-se dos maiores curandeiros da terra… com o seu famoso Nengue wa nsuna (pé de mosquito), que faz todos os milagres que o paciente quer - ser rico, ser saudável, conseguir não sei mais o que... E mais: a força/fama que Mambone tem, o medo que se tem são tais que só mencionar que… “já esteve em Mambone”… confere outras valências, consideração ou tratamento.

 

Sobre Govuro, aliás, Mambone, fala-se de curandeiros para cuja casa não precisa de guia, basta se decidir por ele, apanhar autocarro e descer na paragem certa, alguma coisa vai-lhe guiar até lá! E terminado o tratamento só sai estando o curandeiro satisfeito! Fala-se de outros em cuja casa só entra mediante certos rituais e que paga o tratamento com “catorzinhas”, tendo ele já uma quantidade incontável de “mulheres”; ou de uns outros que, gostando da paciente (mulher que pretende o tratamento), torna-a esposa, no lugar de a tratar e deixá-la ir para a sua vida! Fala-se de tudo mais alguma coisa…

 

Foi assim que conhecer Mambone ficou uma obsessão. Não para ir ao tratamento, khendlar, mas para ir compreender um pouco mais a dimensão humana, a abordagem da vida que torna as pessoas ricas sem trabalho árduo, mas através de magia. Nunca consegui oportunidade. Contudo, há dias, fui dar a Mambone - a famosa Mambone - e, depois, a Nova Mambone! Bem gostaria de ter ido a casa de uns tantos desses curandeiros famosos, conversar com eles, entrevistá-los, reportar o ambiente diário que os rodeia, entender a lógica, a vida deles e registar em obra. Mas… fica a consolação de ter conhecido Mambone, o famoso Mambone. Um dia… talvez!

 

Mambone que, afinal, em termos de geografia natural, física, é uma terra, com tudo o que uma terra normal compreende, pesem as suas especificidades, famas, complexidades, particularidades e riquezas em, entre outras coisas… curandeiros destros, exímios e famosos!

 

ME Mabunda

terça-feira, 12 setembro 2023 11:02

A lição de Manuel Rodrigues

A informação começou como boato vindo de lá do norte, como aqueles “ventos que sopraram do norte”; ninguém a assumia - estava a ser difícil encontrar-se candidatos a candidatos. Isto ainda no período de pré-selecção. Todo o mundo teve que ligar para Nampula, para saber quem eram os candidatos, afinal. Eu próprio tive que ligar para o João, meu amigo de longa data que lá trabalha e bem posicionado. Ele confirmou o que andava nos documentos oficiais, que os candidatos a cabeças de listas eram aqueles que vinham nas listas e que tinham sido divulgados. No entanto, o parto estava a ser à cesariana… depois, confirmou-se: aos candidatos das bases, a direcção tinha imposto um nome, o do actual governador, eleito em sufrágio universal. E, quando parecia estar tudo encerrado e fechado, eis-nos diante daquilo que começou por ser o segundo boato… também vindo do norte, claro!

 

O eleito com 100 por cento dos votos não queria/quer ser o candidato! A princípio, como na primeira situação, quase ninguém tinha a informação; depois, pouca gente conhecia. Ninguém a assumia, muito menos confirmar, mas também ninguém a desmentia… até que um jornal ousou colocar a informação em manchete: Manuel Rodrigues não quer ser o candidato do seu Partido na cidade de Nampula. E citava as “tradicionais fontes anónimas”. O que credibilizava aquela informação é que o referido jornal tinha abordado dirigentes de proa que não desmentiam, embora também não a confirmassem!

 

Mas mesmo depois de ser pública, a informação continuou órfã de fonte assumida e de confirmador! E no seio do partido reinou e reina, até hoje, uma incredulidade de bradar aos céus. Ninguém acreditou e há os que continuam sem acreditar. No entanto, continuou-se em surdina a trabalhar-se afincadamente, entenda-se, a buscar-se sorrateiramente um outro candidato para a substituição forçada pelo jogador. Em surdina também se preparou a segunda conferência electiva, até que… ela se realizou e outro nome foi consagrado. Digamos que a notícia sobre a indisponibilidade de Manuel Rodrigues para cabeça de lista na capital provincial nampulense foi uma notícia sem fonte, sem confirmação e muito menos objecto de comunicação oficial.

 

Esta ausência de comunicação oficial mostra claramente o quão melindrosa é/foi internamente a questão. Em surdina também, vai-se mandando recados a Manuel Rodrigues e a outros membros internamente: ora que na nossa gloriosa ninguém recusa tarefas, ora que ninguém é mais forte do que o partido; ora que a disciplina partidária foi beliscada, que é o prelúdio da indisciplina… ora, ora, ora!

 

Pode, sim, a disciplina partidária interna ter sido quebrada. Mas, há um valor humano supremo que deve (ou devia) falar, sempre e sempre, mais alto: a consciência própria do indivíduo. O que a nossa consciência nos diz sobre um determinado facto, fenômeno ou realidade. Eu sou apóstolo de que a consciência do indivíduo deve falar mais alto do que tudo em que nos envolvemos.

 

Desconheço em absoluto as razões que leva(ra)m Manuel Rodrigues a abdicar da posição de cabeça de lista - e sejam quais forem, não vêm ao caso -, acredito que a sua própria consciência falou mais alto. Assim sendo, sou de tomar boa nota da atitude do nosso compatriota. Considero esta ser uma lição a ter em conta na nossa vida moçambicana! Na nossa cidadania e no nosso dia-a-dia. Se assim procedêssemos, obedecêssemos às nossas consciências, teríamos, de certeza, um Moçambique diferente!

 

Milhentas de vezes, vemos compatriotas a aceitarem realidades inaceitáveis, a aceitarem tarefas inaceitáveis, a aceitarem responsabilidades inaceitáveis. Outrossim, e não menos vezes, a aceitarem e assumirem tarefas, responsabilidades e incumbências para as quais NÃO estão preparados, NÃO se acham capazes. Sabendo que não têm competências, nem capacidades para uma certa tarefa, as pessoas assumem… escudando-se na teoria de disciplina partidária e ou irrecusabilidade de tarefas recebidas.

 

E esta atitude tem tido as consequências que todos nós conhecemos: fracassos atrás de fracassos, maus desempenhos atrás de maus desempenhos. Perde o compatriota que aceitou o cargo/tarefa para o qual não está capaz, correndo o risco de sair pela porta pequena e com a sua carreira, honra e prestígio beliscados, perde o país, perdemos todos nós.

 

Julgo esta ser uma boa lição de Manuel Rodrigues. Ele começou! Vamos aprender com ela. O que nos dita a nossa consciência… é o que deve prevalecer: sagrado isso. Não podemos/devemos ir contra as nossas consciências, assumir tarefas para as quais não sentimos capazes, sob o risco de morrermos vivos - e matarmos a nossa sociedade, retardando o seu desenvolvimento!

 

ME Mabunda

quarta-feira, 06 setembro 2023 06:55

A FACIM que (não) queremos!

Estavam criadas todas, mas todas mesmo, as condições para ser um dia bastante memorável na palhota dos Cossa. O pai da família, a esposa, os filhos e suas namoradas tinham combinado visitar a nossa Feira Agro Comercial e Industrial de Moçambique (FACIM), na sua designação inicial, que se mantém até hoje, sábado e, depois disso, sentarem-se, todos juntos, almoçarem, pôr a conversa familiar em dia e reforçarem os laços! A feira estava a correr, todos tinham disponibilidade, curiosidade de ver e conhecer o que lá estava a ser exibido e estômago para degustar certas iguarias, como a tilápia que lhes tinha sido recomendada por um amigo - todos os condimentos reunidos para um dia especial.

 

No entanto, nem sempre vence o provérbio segundo o qual “querer é poder”!

 

Primeira contrariedade é que, por volta das 11 horas, começaram a circular nas redes sociais mensagens segundo as quais as portas da nossa maior exposição nacional estavam encerradas por conta de um programa superior que duraria até às 13. Os dois chefes de estado - o nosso e o de Gana - iam visitar a exposição. A indignação tomou conta dos Cossa. É/era mesmo necessário fechar as portas ao público?!… já ouvimos falar de chefes de estado que visita, eventos e eventos, mas, mandar vedar ao público… afinal, o objectivo não era bater o recorde de 50 mil pessoas a visitarem a FACIM-2023? Orgulho para todos nós! Se sim, como é que se ia bater tal recorde com… restrições desta envergadura! O sábado, que as pessoas tinham reservado para “perderem” todo o seu tempo lá, como o fizeram tradicionalmente, desde a fundação do evento, vendo e conhecendo coisas de outras e muitas realidades e culturas do seu país e de outros que lá se fizeram presentes, num total de… 26!?… Pareceu uma medida completamente insensata, mas… como se diz, manda quem pode! No entanto, veio-se a saber que, afinal, tal ordem não era “superior” como muitas outras… era dum boisse aí pelo meio e mandou-se cancelar. Mas a confusão já estava decretada, em curso e a florescer.

 

A segunda, maior e mais dramática, foi o acesso. Que se saiba, o trajecto para se chegar à FACIM é, necessariamente, a EN1-Cruzamento da FACIM e virar-se à esquerda ou à direita, consoante a proveniência. Da paragem do bairro Agostinho Neto até ao cruzamento, levava-se cerca de uma hora e meia naquele sábado. Durante perto de 40 minutos, os carros que pretendiam entrar para a feira não se moviam meio centímetro… Passado esse tempão todo… uma escolta militar imponente, sumptuosa, com todos os sirenes e tudo, lá veio da FACIM e fez-se à EN1 - precisamos de tudo isso? Todos respiraram de alívio, mas… o calvário só prosseguiu. Os polícias de trânsito, no lugar de permitir que os automobilistas seguissem pela ruela que dá acesso à feira, mandaram todos fazer u-turn para os que vinham da cidade de Maputo, com a indicação de irem entrar pela via de saída! Que tamanha enormidade. Lá seguiram os carros e, na arenosa via, vieram mais dissabores: estrada estreita, de areia, rural, de… terceira, mas os carros, uns atrás dos outros, tinham que se cruzar certos a saírem e outros, muitos, a entrarem; e as viaturas ligeiras, de pequena cilindrada e sem tração, iam ou “sentando” no chão, ou… enterrando-se. Pior, foi quando se chega ao último troço, rente à entrada. A confusão entre viaturas que vinham e as que iam era total! TOTAL, agravada com os enterros que a estrada arenosa ia proporcionando! O QUE CUSTOU (CUSTA) PAVIMENTAR A ESTRADA RURAL DE SAÍDA DA MAIOR FEIRA DE MOÇAMBIQUE - desde que foi transloucada da cidade de Maputo? Uma FEIRA NACIONAL!…

 

De modo que, das 11 horas programadas para começar o programa dos Cossa, só conseguiram acesso cerca das… 17 horas! E os filhos e respectivas namoradas, 18:40!… Cossa e esposa, que tinham conseguido chegar primeiro, ainda foram ver às correrias este mais aquele pavilhão, mas não completaram, era impossível completar àquela hora. Aos rapazes, que chegaram depois… ainda que tenham entrado, porque tinham que inutilizar os bilhetes, não lhes foi permitido ver… nada de nada. Em todo o lado por onde passavam, “já estamos a fechar”… era-lhes dito pelo pessoal dos stands, que, ao mesmo tempo, já desmobilizavam os materiais.

 

Porque cabia aos pais encontrar o local para o almoço em família, Cossa e esposa tiveram que interromper a visita aos pavilhões. Tinha-lhes sido recomendado para irem saborear a tilápia num restaurante dentro do pavilhão de um ministério. Agoiro: “Já não temos tilápia… já não temos nada, estamos a fechar!” Estas palavras iriam ouvi-las por todo o percurso… Desceram para os restaurantes da parte baixa… mesmas palavras! Subiram para os de entrada, que pareciam mais luxuosos, mesmíssimas palavras! E estava-se por aí 18:40…

 

Grandiosíssima indignação: sábado, como é que às 18:30 horas os restaurantes já não tinham comida e estavam a fechar na FACIM, a maior e mais importante exposição nacional? Não era suposto funcionarem até às tantas, em se tratando do último dia? Algo errado não está certo. Se calhar, a velha questão da localização da instituição e sem transporte efectivo. É esta a FACIM que queremos?!… Pondo melhor: esta é a FACIM que não queremos? Custa organizarmos um evento de excelência? Top. Sem máculas?!…

 

E tudo o que era um programa de uma família foi por água abaixo! E quantas famílias?

 

ME Mabunda

terça-feira, 29 agosto 2023 13:38

Quid juris, Povo Makhuwa?

MoisesMabundaNova3333

Causou - e continua a causar - um grande alvoroço nacional e internacional o pronunciamento, em Setembro de 2022, do General Nihia de que “os makhuwas são falsos e sem direcção”. Simplesmente isso, uma frase de umas três palavrinhas - povo, falso e desfocado -, mas com um significado e alcance muito profundos. Profundíssimos.

 

A acusação foi proferida para camaradas numa reunião distrital do partido em Nampula, mas acabou não sendo exclusivamente para eles. A mensagem universalizou-se. Teve uma repercussão esmagadora, avassaladora, um alcance bastante grande e longo, tamanha é a dimensão numérica dos makhuwas.  Um pronunciamento que caiu como uma autêntica bomba atômica: trata-se do maior grupo étnico de Moçambique e com presença significativa na Tanzania, Malawi, Seychelles, Maurícias e Madagáscar; qualquer coisa como cerca de nove milhões de pessoas! Para atingir nove milhões de pessoas, só pode mesmo ser através de uma bomba… atômica! Como aquela lançada em Hiroshima!

 

Até parecia verdade aquela asserção. Aliás, até pode ser, dependendo do ângulo e clima em que nos encontramos. Para quem, como o General Nihia, está na trincheira em que está, no contexto e ambiente em que se encontra, faz todo o sentido o claim. Em causa está o facto de cinco dos sete municípios de Nampula estarem na gestão da Renamo, designadamente, Angoche, Malema, Ilha de Moçambique, Nacala-Porto e cidade de Nampula; e não na do seu partido, porque os makhuwas não votaram nesse sentido. Portanto, estando parado onde está, na perspectiva político partidária em que está inserido, de facto, é falso - só pode sê-lo, todo aquele que não concorre para a consecução dos supremos objectivos da organização.  

 

Por conseguinte,  podemos dizer que a veracidade da  proclamação do nosso herói nacional é relativa. Numa perspectiva social, até é infundada. Um ser social prossegue os seus objectivos e os objectivos de uma determinada sociedade são inclassificáveis: são os objectivos daquela sociedade, pura e simplesmente. Não são, nem podem ser, qualificados com seja qual for a terminologia.

 

Cerca de um ano depois do dispara(t)do(e), numa das rotineiras passagens por algumas das nossas livrarias, fui deparar-me com um livro que me trouxe de volta à memória o “desabafo” do nosso compatriota. “O Povo Macua e a Sua Cultura” é o seu título e o Padre Francisco Lerma Martinez, seu autor. Não hesitei um único segundo. Adquiri-o e pus-me a devorá-lo por estes dias.

 

“O povo macua … é o mais numeroso dos povos que integram Moçambique e, ao mesmo tempo, um dos menos conhecidos. (...) com o presente estudo, quero contribuir para o conhecimento e estima deste povo, realçando alguns dos seus valores culturais… exprimir o mais fielmente possível a riqueza cultural do povo macua” - escreve o autor na introdução. Um grande convite para a degustação do livro, antecedida por um prefácio assinado por… Brazão Mazula! Professor Mazula que conclui que “apesar de Francisco Lerma ter conduzido a sua investigação antropológica para os objetivos dum “encontro  genuíno” do cristianismo com a cultura macau, esta tese é válida para outras áreas de organização da sociedade moçambicana, como as de ciência política, filosofia, direito, psicologia, mesmo economia e para melhor planificação do desenvolvimento.”

 

Na verdade, o estudo é uma grande viagem antropológica, histórica, filosófica e sociológica e alguma introdução à linguística do e-makhuwa, sedimentada e condimentada numa experiência do autor de 14 anos de vivência e convivência com os makhuwas - “o que vi e ouvi”, como escreve e depois aponta com mais precisão: “Neste meu trabalho, terei uma preocupação constante: partir dos factos e da experiência. Quero transmitir o que vi e observei, o que ouvi e escutei: o povo, a gente, a sua maneira de ser, de viver, de amar os valores culturais que o identificam, valores estes que lhe dão consistência, e que encontramos nas suas manifestações sociais.”

 

E o Padre Francisco Lerma Martinez conclui que o povo makhuwa é “um povo semelhante aos outros povos da Terra”; os makhuwas “são, antes de tudo, um povo com história, tradições e cultura própria…”

 

Portanto, não podem ser “falsos”! Nem tão pouco.

 

ME Mabunda

terça-feira, 22 agosto 2023 12:53

O reencontro com Mendoza Colt

MoisesMabundaNova3333

Graças às férias de passagem do segundo para o terceiro trimestre do ano escolar, foi-nos possível reencontrar o antigo colega Crisóstomo Júlio Dumangane na Escola Secundária de Chókwè, nos anos 1981, 82 e 83. De certeza que alguns dos colegas não se lembrarão de Crisóstomo Júlio Dumangane, mas, sim, e muito facilmente, do Mendoza Colt! Resultado de muitas leituras de livros de cowboy, o Crisóstomo Júlio Dumangane adoptara o nome do grandioso personagem policial Mendoza Colt. Não só adoptara o nome, mas quase todo o modo de vida, estilo e ser daquele actor. Não só ele, alguns de nós também, mas a isso iremos mais adiante.

 

Terminara eu a leitura do livro O cheiro da chuva - um contributo importante para o entendimento da nosso história imediatamente a seguir à nossa independência - e quase obrigava o Júnior a lê-lo de seguida, durante os seus quinze dias de férias, ao que me responder que não podia porque o seu professor de português lhe mandara ler o Jesusalém de Mia Couto. Júnior está na 12a classe numa das escolas da capital. Fiquei curioso de ouvir isso, porque é como nós estudamos. Os professores de português sempre nos mandavam ler qualquer coisa nas férias e depois fazermos o resumo num caderno próprio - tínhamos três cadernos, um de apontamentos, outro de resumos e o terceiro para escrever qualquer coisa, como poesia, conto, uma história. E então pergunto ao jovem quem é esse seu professor de português que lhe mandou ler Mia Couto. “Crisóstomo Júlio Dumangane!” - respondeu.

 

Desatei a rir e a bom rir ante o espanto do filho; muita coisa estava explicada: foi meu colega de escola e passamos pelos mesmos processos. Depois, recomendei-lhe que num desses dias fosse dizer ao seu professor de português que “papá lhe manda cumprimentos”. Reportou, o Júnior, que, após lhe dizer o nome do seu pai, também ele, o professor Crisóstomo, riu-se a bom rir. Estavam criadas as condições para o reencontro com o Mendoza Colt, aliás, Crisóstomo Júlio Dumangane! Voltemos a Chókwè!

 

Cada um vindo de onde vinha, em 1981, muitos alunos foram dar a Chókwè para prosseguir com os estudos na Escola Secundária de Chókwè. Calhou todos a vivermos no centro internato. Por aí 200 estudantes. No internato, havia camarata para os alunos e outra para as alunas. A camarata dos rapazes estava em forma de L. Na parte baixa do L, estavam os beliches do Crisóstomo, Isaías, Pedro e o Ombe. Esta parte do dormitório era chamada de… Califórnia, a terra dos grandes cowboys, e o Crisóstomo Mendoza Colt…

 

Durante os três anos, o Centro Internato de Chókwè conheceu um dinamismo jamais vivido. A própria cidadezinha conheceu uma intensidade diferente, era a primeira vez que recebia tamanha quantidade de estudantes oriundos de quase todos os distritos da província de Gaza, incluindo de Xai-Xai, a capital, e não só: havia também gente de Maputo e outra do centro do país. Por conseguinte, havia todo o tipo de estudantes e pessoas ali. Bem comportadas umas, mal outras, assim-assim outras tantas ainda; tudo havia lá. Alguns de nós gostavam muito de leitura: trocavámos entre nós livros e livros e íamos à biblioteca distrital levantar outros e/ou… “roubar”. “Roubamos” livros! Aproveito pedir desculpas à sociedade, pelo grupo todo; aquele “roubo” não era/é comum, decorria da avidez de saber um pouco mais… de toda a forma, era roubo e dele nos penitenciamos... Mas também fugíamos frequentes vezes para o cinema, à noite, no clube, o que nos valia punição severa da parte do chefe do internato Sondo, sempre que descobrisse.

 

Líamos a bom ler alguns de nós; devorámos a colecção 6 Balas, a colecção Vampiro, etc., etc. Identificávamos o herói e/ou as personagens principais; admirávamos-lhes as acções e bravuras e fervilhávamos por dentro. Entre os que gostavam de ler a sério, contavam-se o Crisóstomo Dumangane, o Paulito Tete, o Rui Nhanzilo, o Israel (os três já falecidos, que Deus os tenha), o Leitão, o Lopes (eu, este era o nome que me tinham dado), o Pedro, o Catine, o Germano, a Mondlanita e poucos mais; nem todos os alunos liam (perdão aos que não mencionei). Isto tudo criou em nós uma competência comunicativa acima do normal, que se traduzia em boa performance na disciplina de português e no à vontade em quase todas as situações extra-aulas. E isto, por seu turno, criava-nos outros problemas, quais sejam, chefes e docentes sentirem-se de alguma forma afrontados e alguma inveja de colegas…

 

Mas, além de competência comunicativa, linguística, acabamos também adoptando atitudes e comportamentos dos cowboys, até hoje. O Crisóstomo, o Pedro e os falecidos Paulito e o Rui destacavam-se por andar quase sempre, todo o dia, fizesse frio ou calor, de sobretudos (gabardines), com aqueles chapéus de abas grandes, justamente ao estilo dos cowboys de… Far West! Eu e o Baluine (nome também cunhado dos romances policiais que o falecido Israel adoptara) acabamos apaixonados pelos chapéus dos cowboys, esses de abas grandes, até hoje. Mais do que as vestes, os nossos comportamentos caminhavam para o “cowboyismo”: destemidos, mais ou menos bem elaborados, activos, um pouco agitadores. A agitação no internato foi tal que alguns de nós acabamos expulsos por atitudes incorrectas, outros suspensos e outros ainda mandados trazer os encarregados de educação; mas conseguimos fazer a última classe da escola.

 

Marcámos uma fase da Escola Secundária de Chókwè. E esta será para sempre a nossa segunda cidade: temos um grupo de WhatsApp a que chamamos de FORJADOS NO CHÓKWÈ… Terminada a nona classe, cada um de nós foi enviado para diferentes frentes, como era prática. O Crisóstomo foi para o professorado e nós outros para outras coisas. Assim, perdemo-nos ao longo destes 40 anos! O Mendoza lecionou em Xai-Xai, depois na Macia e Manjacaze e, agora, na cidade de Maputo.

 

Foi assim que nos reencontramos - não todos, ou com a maioria, como seria de desejar, mas o Crisóstomo, o Pedro, o Germano Mutane, o Justino, eu, o Pedro Chauque, o grande David Bila e a Ana Paula Cardoso numa casa de pasto por aí e… matamo-nos e matamos as saudades e saudades de Chókwè, de nós mesmos e do “cowboyismo”, na companhia de uns bons copos de vinho!

 

O Mendoza Colt continua aquele falante fino de português, mas voltou a Crisóstomo Júlio Dumangane!

terça-feira, 15 agosto 2023 06:33

Uma grande encruzilhada

MoisesMabundaNova3333

Uma vez mais, a apreciação, debate e aprovação da lei sobre o Fundo Soberano pela nossa Assembleia da República foi adiada para… mais tarde, não se sabendo se será na próxima sessão ou não. A primeira proposta deste instrumento legal foi desenhada no início do segundo semestre do ano passado e esperava-se que na sessão de Outubro do mesmo ano fosse à apreciação e aprovação, dado que em Novembro iríamos receber os primeiros dividendos da exploração do gás, o que não aconteceu. Muitos, incluindo eu, então, sentiram-se desconfortados com a proposta de lei, ou de todo excluídos e clamaram por mais auscultação popular, inclusão e mais debate. A AR anuiu e o projecto acabou sendo retirado para próxima oportunidade.

 

Tudo indicava que tal oportunidade seria na sessão do primeiro semestre do presente ano, mas, uma vez mais, não aconteceu. Entre o desencontro de ideias entre deputados das três bancadas, as desavenças da AR e o Banco de Moçambique, com o governador deste a humilhar completamente os deputados/moçambicanos ao não comparecer nem se justificar a uma sessão de esclarecimento na comissão parlamentar especializada, veio de nova à tona que a tal auscultação não tinha sido mais abrangente como se requer e nem acomodava as contribuições apresentadas por várias sensibilidades.

Houve, novamente, recomendação de mais auscultação.

 

Daí para cá, houve uma correria louca do Executivo e, quando se convocou a sessão extraordinária da semana passada, havia quase certeza de que o projecto de lei, uma vez constante da agenda, iria ser abordado. De novo… nada!

 

Em causa, a ausência de consenso. Prevalecem divergências nos pontos essenciais, designadamente, sobre a natureza e essência do fundo, se uma conta bancária domiciliada no Banco Central ou noutro; quem vai efectivamente geri-lo; e onde e como será aplicado. Por outras palavras, estamos no mesmo sítio onde estávamos quando ainda não recebíamos dividendos da exploração dos nossos recursos naturais. Entretanto, já estamos a recebê-los.

 

Mas, ouvindo e analisando alguns dos pronunciamentos de certos concidadãos, dá para perceber que a questão da essência ainda não está ultrapassada e é bicuda. O professor Severino Ngwenha questiona se, numa situação como esta em que nos encontramos - de crianças estudando ao ar livre e no chão; apenas 30 por cento de compatriotas com três refeições por dia (ao contrário do que propalou Celso Correia); 50 por cento com acesso à água de fonte segura e energia eléctrica; défice de hospitais e os existentes sem medicamentos essenciais para a maioria da população; país com grande défice de infra-estruturas (estradas, linhas férreas, pontes, acesso à comunicação (telefonia); etc. - vale a pena guardar dinheiro para as futuras gerações. Esta é a questão de fundo: tendo compatriotas sucumbindo, sobrevivendo; com uma refeição por dia, sem emprego, sem acesso à água segura, energia, estrada, telefone, ie., condições de vida básicas, vale a pena guardar dinheiro?… grande encruzilhada!

 

Num artigo de Outubro do ano passado, escrevia eu: “Minha visão é que devemos definir aqui e agora o que fazemos com o Fundo Soberano, a parte que irá para a conta a ser aberta no Banco de Moçambique. A lei sobre o Fundo Soberano deve estar completa e estar completa significa que deve também especificar o destino dos valores a entrarem. Não acho que devamos ser como a maioria dos criadores de gado do nosso país, que se contenta apenas em contemplar a quantidade de cabeças que tem no curral e está à espera de ver o que vai fazer com elas… tipo nós que só vamos ver o saldo da nossa conta e não temos ideia clara do que fazer com aqueles fundos… que até são magros… estamos à espera de decidir o que fazer com eles. Não. Esta questão tem que estar fechada já. Tomarmos uma decisão colectiva e consensual sobre onde aplicar os fundos provenientes da exploração dos recursos naturais. 

 

Já agora: acho que o Fundo Soberano deve ser aplicado na construção e reabilitação de infra-estruturas, só e somente só. Por infra-estruturas, quero dizer estradas estratégicas e estruturantes, isto é, as primárias e secundárias, pontes estratégicas, nacionais, regionais e provinciais; linhas férreas regionais e nacionais; e barragens e centrais eléctricas de âmbito nacional e regional. Penso que um país com excelentes infra-estruturas será um bom “legado” para as gerações vindouras.” 

 

Considero pertinente a questão colocada acima, mas mantenho este posicionamento, que me parece que cobre a preocupação levantada, de se guardar dinheiro quando compatriotas soçobram, com a ressalva de que também não vejo com bons olhos que a gestão do fundo seja por uma equipa subordinada ao governo do dia; deve, sim, prestar contas à Assembleia da República. 

Pág. 1 de 10