O povo foi demitido!!!
O povo foi demitido do seu papel de fiscalizador. Foi demitido de monitorar, de reclamar, de pedir para ter dignidade mínima.
Foi demitido de ser parte integrante do processo de governação da coisa pública. De ser um agente de participação, transformação e de mudança.
É triste, mas é a verdade. Chegamos a um estado de lamentação, consternação e lamuria em que o tanto fez é igual ao tanto faz. E agora parece que tudo é “swa fana” – na língua ronga – é mesma coisa.
O cansaço tomou conta; a frustração generalizou-se e a descrença tornou-se o respirar deste povo sonhador e lutador.
Como e quando isso aconteceu? De quem é a culpa? E como nos permitimos descer o penhasco desta forma, chegar quase no fundo sem estrondo, mas com impacto?
Na minha jovem trajectória, não tenho memória anterior de estar e participar em conversas várias, com diversas franjas sociais, e com alguma preocupação notar que o pulsar da apropriação nacionalista e patriótica esta em queda acentuada (não trago aqui nenhum barómetro capaz de servir como evidencia). As várias premissas foram paulatinamente me conduzindo a afirmar que o povo foi sendo demitido das suas tarefas principais.
O povo já sofrido e cioso de alguma mudança estrutural e estruturante, foi dando votos e confiança e, foi acreditando de forma cega na tão propalada mudança. Acreditou que a situação que vivia – boa ou má – era parte de um processo e de uma conjuntura histórica, política, económica e social, ou seja, era parte do processo de construção de um país novo. Alias, muitos de nós nascemos e crescemos sob a atmosfera de uma narrativa segundo a qual estamos num processo de construção e afirmação da nossa identidade enquanto povo. Processo este complexo e demorado que vai desde a conquista da tão sonhada e almejada independência aos nossos dias.
Um processo, diga-se, em que a tese principal era a expulsão do colono e da sua máquina opressora que chicoteava, humilhava, segregava e desumanizava o homem negro (moçambicano neste caso). A antítese era o direito a autodeterminação, o direito a liberdade de decidir os destinos do país.
A mítica noite de 25 de Junho de 1975 foi mais do que uma reunião de moçambicanos e moçambicanas no Estádio Machava. Foi o renascer e um inaugurar de uma página que se sabia de antemão nada fácil, mas desejável e necessária.
O povo enfrentou uma longa noite escura com os 16 anos da guerra civil – uma longa noite de horrores e dissabores. O mesmo povo chorou de alegria quando, em Roma se assinou o fim das hostilidades com um abraço fraterno entre dois irmãos outrora desavindos. Esse mesmo povo se fez as urnas de forma altamente patriótica e organizada para celebrar e contribuir para o lançamento das fundações basilares da nossa frágil e incipiente democracia.
De lá para cá, vimos de tudo um pouco; desde o empoderamento a marginalização do povo. O povo foi-se imunizando de esperanças, e se mascarando de crenças. Foi também se maquilhando de um cansaço disfarçado de força. Era importante estar alinhado e acreditar que o futuro e a mudança estava a chegar. Futuro este que até chegou – mas para alguns – novas elites emergiram e novas formas de exploração do homem pelo homem onde nacionais exploram e subjugam nacionais. Sedimentamos uma nova colonização com timbre local protagonizada por burgueses nacionais.
Entre avanços e retrocessos, vitorias e derrotas, júbilo e frustrações – um fenómeno ganhou forma – O Povo foi demitido!!!
A pobreza generalizou, as assimetrias agudizaram, a corrupção institucionalizou-se, as liberdades reduziram-se, o espaço cívico afunilou-se, e o povo começou a sentir-se estranho na sua própria terra.
A redistribuição da riqueza foi se tornando cada vez mais desigual; educação foi sendo paulatinamente escangalhada, saúde mais precária, emprego cada vez mais elitista, infraestruturas degradadas e inviáveis, transporte público paupérrimo, segurança publica caótica, raptos, crime, assaltos, etc. Alguns dos factos que trago para justificar a demissão do maior e mais valioso recurso de qualquer país.
E quem assinou a carta de demissão do povo? Que consequências essa demissão pode trazer?
Há quem diga em jeito de gozo: melhor mudar de país.
Há que questiona: Será que ainda somos um país?
Há quem indaga sobre o país e o legado que deixaremos às gerações vindouras; sobre o legado histórico e político, sobre a nossa soberania e sobre os limites do nosso endividamento.
Há quem prefere simplesmente olhar e calar.
Eu, na altura era Ministro para os Assuntos do Povo (ainda que sem despacho). Tinha um dossier muito vasto e complexo por analisar. Confesso que foi difícil ajuizar e tomar uma decisão que fosse de encontro com aquilo que havia sido exposto.
Precisava agir com sabedoria. E quando me preparava para assinar a carta que recebera do povo (do povo que também represento e sou parte), o sono acabou e o sonho terminou.
Minha Mãe África
Cresço nos teus doces braços
Eu sou criança africana
Não apenas porque nasci em África
Tampouco porque vivo em África
Não pela minha ascendência
E muito menos pela minha descendência
Eu sou criança africana
Porque estou imbuída da cosmovisão ontológica
Vivo seus valores
Vivo seus sabores
Vivo seus oderes
Vivo seus aromas
Vivo seus sentidos
Ohhh mãe África
Ohhh mãe grande, misteriosa, mística e valorosa
És um mistério para uns
És misticismo para outros
E és valorosa para os seus, porque na maternidade
Transmites vida, esperança e liberdade
És o berço da humanidade
És sabia e coerente
Por conseguinte és fraternidade
E a sua história não mente
Ainda que por vezes te deixaste violar pelo chicote colonial
Te permitiste ocupar e dominar ao sabor da pólvora
Por agendas de guerras, exploração e pilhagem
Ainda que tudo isso te tenha acontecido
Não deixaste sua essência desaparecer
Depois da longa noite escura
A longa noite da escravidão e desumanização
Não permitiste que aos seus filhos faltasse identidade
Não deixaste que fosse violada a sua dignidade
Ainda que a mesma identidade seja hoje questionada, vilipendiada e insultada
A sua dignidade, generosidade e grandeza estão aqui
Para mostrar e ensinar ao mundo que não se negoceia a cultura, os valores e muito menos a humanidade
Humanidade, respeito, verdade, compaixão, honestidade, harmonia, equilíbrio, justiça e alteridade
São algumas das qualidades e atributos que a ti pertencem
Ainda que te julguem mais pela emoção em detrimento da razão, és genuína, valente e verdadeira
Mãe África
Acorda e brilha para si
Acorda e valoriza-te
Acorda e recupere o seu lugar outrora usurpado e arrancado
Recupere seu lugar primordial no cento da humanidade
Mostre seu poder e sua luz a toda criança africana.
Feliz 16 de Junho
Hélio Guiliche
Edson da Luz, ou simplesmente Azagaia e popularmente mano Azagaia – não há elogios à altura da sua obra.
Jovem moçambicano que se destacou com seus versos carregados de mensagem de caris sociopolítico forte. Viveu e fez viver; de certeza sua obra figura entre as mais importantes e icónicas do mundo do hip hop lusófono. Sua voz representa uma expressão sublime do grito de revolta do povo.
Lembro-me do nosso primeiro encontro na discoteca Coconuts no inverno de 2006/7 onde partilhamos vassouras, baldes, esfregonas e muito mais, para garantir que o chão da pista de dança estivesse sempre impecável – este era o nosso mandato na altura. Lembro-me também que nos momentos mortos da noite, em que falávamos sobre vários aspectos da nossa sociedade. Percebi naquele momento que estava perante alguém com um pensamento fora da caixa e de uma cultura social altamente progressista.
Sinto-me culpado por escrever estas linhas apenas agora que partiste. Sinto-me igualmente triste porque não consegui te dizer o quão te admiro, que sou teu fã e que me identificava com a sua maneira de estar em prol de uma maior justiça e igualdade social. Quando estavas entre nós fisicamente, adiamos uma sentada para falarmos livremente sobre a vida, e perdi uma grande oportunidade de dizer sem rodeios que tu representavas muito mais que um músico. Tu encarnaste a dor de todo um povo, a voz dos oprimidos. Cantavas aquilo que o povo sentia, mas não conseguia falar nem exprimir com tanta subtileza. Sua modéstia e simplicidade extravasava os limites da fama e dos holofotes.
Devo confessar que a notícia do desaparecimento físico do Azagaia deixou todo o povo em estado de consternação grande. Na verdade, estamos em choque e não sabemos como será o devir sem o nosso poeta social. A notícia colheu a todos nós de surpresa, e esta difícil acreditar que o representante do povo nos deixou, que não iremos voltar a tê-lo no palco e escutar sua voz vibrante e cheia de mensagens poderosas. É caso para dizer que vai-se o artista e fica a obra.
Azagaia!!! Mano Azagaia - representa muito mais do que um rapper, um músico de intervenção social. Azagaia é um ícone da critica social e figura incontornável do movimento activista que usou a música para expressar não suas convicções pessoais, seu estilo de vida, suas mágoas, seus sentimentos, mas o pensar de todo um povo sofrido e cioso por alguma mudança estrutural e estruturante.
Azagaia foi e será sempre parte de cada um de nós moçambicanos. Um filho que o país viu nascer e partir inesperada e prematuramente. Foi vítima de pressão e crítica pela forma frontal como se expressava e acima de tudo pela consciência que despertava e por nos fazer pensar reflexivamente; foi várias vezes apelidado de antipatriota e antirregime; foi vilipendiado, censurado e condicionado, mas nunca baixou a guarda; nunca se deixou intimidar porque sua missão era essa – cantar e elevar a consciência social dos moçambicanos.
Deu voz mesmo quando o risco era maior que sua própria segurança. Quanto mais se afunilou o espaço cívico e quanto mais se agudizava a vida do povo, mais se via a veia activista e nacionalista deste ser de luz. Seu amor por Moçambique sempre foi genuíno e, a causa do povo sempre foi cantada nos requintados versos e estrofes de linha fina que nos presenteou. E quando a repressão era alta, Azagaia disse “se o povo ousar se rebelar não haverá tantas balas para disparar contra milhares de pessoas descontentes”.
A sua célebre guisa – “Povo no Poder” - exprime o desejo inconfesso de uma grande franja social fatigada, revoltada mas inactiva, que sucumbiu ao medo de perder medo.
Edson da Luz, tinha luz própria e convicções muito próprias. De long, um ser muito a frente do seu tempo. Fez a ponte da geração 1980 da qual faz parte, e foi ligando às gerações 1990 e 2000; e ainda conseguiu ser parte de um lote restrito de músicos e activistas sociais cuja obra foi alvo de pesquisa académica, distinção e apreciação além-fronteiras.
Azagaia é clara e inequivocamente maior que o seu tempo e um ponto de exaltação da liberdade de expressão e da expressão intelectual da música. Deixa uma herança social, política, cultural e acadêmica e um legado tremendo para a escola do activismo social através da música.
A música, como já é sobejamente sabido, é um instrumento de exaltação da cultura e dos ideais de um povo. É também a expressão máxima da sua vivência, medos, ânsias e seus sentimentos. Com recurso ao microfone, Azagaia fez uso da voz e encantou milhões de moçambicanos, milhões de amantes da sua música pelo mundo fora. Emprestou sua voz ao mundo e deixou um cheiro revolucionário único.
Azagaia!!!
Educaste a sociedade com palavras e versos de reflexão e, chamaste a nossa atenção sobre a situação política e social do país. País este que é de todos os moçambicanos independentemente das suas cores e convicções político-partidárias, ideológicas, raciais, religiosas, etc. Até aqueles que te combatiam, no fundo sabiam que eras necessário para a construção do pluralismo dentro da sociedade.
Deixaste um rasto de saudade sem igual. A nós resta tentar preencher esse vazio de forma inteligente; não com lágrimas apenas, mas com acções que façam honrar e respeitar com todas as nossas forças tudo o que nos ensinaste.
A nossa consciência social e política jamais será a mesma e a sua obra deverá ser replicada para gerar apropriação e termos gerações de activistas comprometidos com a justiça e paz social.
Temas como: as mentiras da verdade, Povo no Poder, Cão de raça, A marcha, Maçonaria, Vampiros, e ABC do preconceito, a título de exemplo são alguns dos temas que exalam um perfume que perdurará para todo sempre.
Até sempre mano Azagaia!!!
Por: Hélio Guiliche
O fechar das cortinas de mais um ano, serve para uma breve radiografia de mais 365 dias de um país na sua longa marcha.
Iniciamos o ano com mensagens de esperança renovada que já nos é característica enquanto povo. Expectativas, altas ou baixas, vão variando de moçambicano para moçambicano em função das suas experiências e vivencias. As nossas dúvidas foram se transforando em nossas dívidas, e as nossas incertezas ficaram mais certas.
O povo forte, resiliente e muito lutador está em busca de forças para manter sua fé (in) abalável e sua crença quase que ortodoxa de que o futuro melhor está por vir.
O custo de vida tem estado a disparar de forma preocupante; a condição de vida deteriora-se dia após dia desafiando diariamente o povo da pátria amada; a condição social e económica das famílias está a degradar-se; as desigualdades e os focos de pobreza urbana e rural alastraram.
O restart ainda não esta programado e, não é possível ainda. Como povo estamos em busca de uma reinvenção e de um redescobrimento. Redescobrir forças para enfrentar a sagacidade desta selva que faz apelo a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. No actual contexto, parar pode ser sinonimo de desaparecimento, e desaparecimento pode significar o parar do pulsar da moçambicanidade.
As liberdades fundamentais vão a reboque, o espaço cívico vai regredindo e as marchas de repudio, sejam pacificas ou não, são proibidas e/ou reprimidas pelas forças policiais – Temos até medo de pedir respeito pelo direito de podermos ser cidadãos. Porque a força policial intimida, reprime e asfixia as liberdades deste povo já sofrido.
A violência estrutural que o povo (considerado patrão) sofre transcende o chamboco da polícia e o gás lacrimogénio - está na subida do preço do pão, do transporte e dos produtos de primeira necessidade. Está na impossibilidade de prover bens básicos ao povo: uma refeição condigna, acesso a educação, a saúde, a água, ao saneamento digno e a livre circulação.
A mamana do dumba nengue queima de sol a sol para garantir seu sustento e dos seus. Ela é a imagem da resiliência da nossa mulher moçambicana – volta e meia aquela mesma mamana vê suas bacias de chamussas, mahanti e badjias ou até da sua peneira com amendoim torrado tomada pelos agentes da polícia em nome da postura urbana do município.
A nossa educação esta mergulhada numa crise alarmante e que exige uma reflexão e accão profunda, mas vamos lançando esse sujo para debaixo do tapete. O escândalo dos manuais são apenas mais uma gota grossa neste balde que se faz transbordar e que pode inundar o futuro do país com quadros com formação duvidosa. Negar boa educação é negar que sejamos um país próspero e que possamos sonhar com um amanhã risonho para o nosso belo e vasto país.
Cabo Delgado chora desde 2017, e nem parece que seja parte de Moçambique pelo desdém que recebe por parte de alguns. Vários distritos, localidades e vilas da terceira maior baía do mundo, vão queimando ao sabor das investidas dos insurgentes, e os bombeiros vieram de Kigali e de alguns países da SADC para conter a queima da insurgência. A insurgência ensaiou um alastramento para as províncias circunvizinhas e, tentou espreitar as terras do Lago e da Reserva do Niassa e chegou a entrar em Nampula.
Os raptos, começaram como algo pequeno, de fácil resolução e, tornaram-se uma prática grande, extremamente lucrativa, e com selo de cumplicidade e cobertura institucional. Quem põe guiso ao gato? Com a naturalidade que acontecem, sugere uma realização cinematográfica de Hollywood com Bollywood a mistura, mas são uma realidade bastante coordenada e sincronizada.
A pandemia da COVID19, que nos mergulhou em restrições e estados de emergência e de calamidade pública, parece ter abrandado. Este abrandamento permitiu que o antigo normal voltasse a ocupar o seu lugar empurrando o apelidado “novo normal” – voltaram os beijos, abraços, apertos de mão e convívios à nossa maneira. O tecido social e económico vai tentando se recuperar com maior ou menor dificuldade. E como a COVID19 foi oportunidade para alguns edificarem seus impérios com fundos públicos, em breve teremos a actualização dos novos ricos de Moçambique.
O gás do Rovuma já jorra – A Plataforma flutuante chegou ao mar moçambicano vinda das águas asiáticas e já opera. Há quem a considere a nossa bandeira energética depois da imponente e majestosa Cahora Bassa. Estamos na jogatana dos hidrocarbonetos e conquistamos um lugar na geografia e economia política dos recursos naturais. O nosso grande desafio é tornar esse ganho sustentável e diversificar para que possamos ter menos dependência no futuro.
A eleição de Moçambique para Membro Não Permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas foi um momento de exaltação da nossa diplomacia e, há quem considere um ganho tremendo para o país – essas são palavras dos entendidos arautos da diplomacia. Eu como leigo vou dedicar um tempo e estudar um pouco mais sobre as vantagens desta eleição.
O Programa Sustenta promete agitar o polo de desenvolvimento e dinamizar o processo de integração entre o familiar e o industrial. Os campos verdejantes são uma realidade e espera-se que a produção possa suprir paulatinamente as necessidades da população que cresce a olhos vistos. Mas não basta produzir se a cadeia de produção não incluir os mercados e não desenharmos políticas e medidas protecionistas.
Os buracos do nosso país receberam nova nomenclatura: sugeriu-se que os buracos das nossas estradas recebessem nomes de membros do maior partido da oposição e que famosa lixeira do Hulene recebesse novo nome à moda das picardias entre a Renamo e a Frelimo.
A FACIM continua a ser a super feira de Maputo e cada vez mais concorrida. Os machos de Maputo mostram sua pujança financeira e sua tentam disfarçar a sua suposta fraca condição viril, comprando tudo o que os stands de Manica e Sofala oferecem como solução - (os pós e raízes milagrosas vão fazendo história e batendo recordes de venda a cada edição). Daqui a algum tempo iremos confundir a tradicional FACIM com uma feira de afrodisíacos.
Realizou-se, com muita pompa o Congresso do glorioso partido e, diga-se um, dos mais agitados dos últimos tempos - numa atmosfera de muita festa, trajes à rigor com o vermelho e o branco a dominarem a indumentária dos camaradas; fotos e estampas que sugeriam uma a apologia ao empregado do povo e, muito suspense e expectativas sobre o que se passava lá dentro. Notas de destaque foram a renuncia da Mamã Graça, ascensão meteórica de novos e queda frustrante de antigos. A renovação e arrumação da casa esta em curso.
A Tabela Salarial Única (TSU), que a meu ver é a expressão do ano, veio como uma solução para uniformização dos salários da função pública, mas tem mostrado incongruências e chega a confundir até os próprios proponentes. Muita expectativa se criou em torno dela, e muito se disse sobre as melhorias que ela traria aos funcionários públicos. Porém, a realidade na sua implementação mostrou gralhas e incongruências de palmatória. Mais do que isso causou descontentamento e frustração no seio da classe de funcionários a vários níveis.
A TSU veio mostrar que quando o assunto é dinheiro até os manos do MEF saem a rua para mostrar descontentamento – vestiram a pele de povo e alguns foram parar na procuradoria. Os médicos se mantêm firmes na sua corajosa atitude de paralisação parcial dos serviços básicos; Os professores até tentaram mas terminaram a beber água e a fazer manifestações isoladas com menor impacto; Os juízes e os magistrados sentiram-se amuados e desrespeitados por serem órgãos de soberania sem o devido respeito e tratamento que se espera diferenciado de outros sectores vão se esgrimindo numa surdina negocial.
O julgamento das chamadas dívidas ocultas – um enredo sem igual com um início cáustico e promissor, e um fim considerado decepcionante para muitos dos que esperavam penas exemplares. A tenda montada na BO viu o melhor e o pior durante meses de uma maratona bastante desgastante. Tubarões reduzidos a peixes de aquário à peixes que almejam ser tubarões foram vistos neste enredo que quase paralisou o país. A façanha serviu para assistirmos a nata de advogados a desfilar sua classe, seu linguajar jurídico, suas lutas internas e suas fragilidades epistemológicas e processuais. Serviu também para expor e oferecer gratuitamente a segurança e inteligência do estado, seu funcionamento e sua informação classificada a todos interessados em aprender sobre alguns do modus operandi da segurança. A valoração do desfecho da sentença, deixo a cargo de cada moçambicano.
A minha retrospectiva não apresenta o método e o rigor sequencial que se pede e, pode ser algo atabalhoado. Mas não poderia deixar de trazer um grande momento desportivo que foram as medalhas internacionais que as nossas pugilistas (Alcinda Panguane e Rady Gramane) trouxeram ao país, mostrando que é possível com o querer e vontade institucional.
A província de Inhambane, distrito de Vilanculos acolheu o africano de futebol de praia. Uma festa de exaltação da moçambicanidade e exibição cultural, gastronómica, turística e muito mais – com um pontapé de saída magistral e emblemático.
Não saberei adjectivar este 2022. E para não usurpar as funções do mais Alto Magistrado da Nação, irei esperar pelo informe sobre o Estado Geral da Nação que será lido em breve.
Feliz 2023. A Luta Continua
A minha pátria é outra e ela ainda está por nascer. Mia Couto - (in " Mulheres de Cinza ")
Por: Hélio Guiliche
Pai Natal!!!
Muitos da minha geração nunca acreditaram na sua existência. E os que acreditavam, provavelmente já não acreditam. Com o andar do tempo os sonhos de menino deram lugar a uma realidade de homens que trocaram a ilusão das cartas que que te escreviam por outros pedidos que talvez não podes realizar. Muitos dos que acreditam em ti, como eu por exemplo, hoje gostaríamos de te pedir um “bom emprego”, casa própria, família saudável e alguma estabilidade. Outros, porém, ainda sonham com uma consola da play station, um carro topo de gama, um relógio de luxo para poder viver o american dream.
Ainda assim, a meio de muita incerteza e alguma frustração, escrevo com a mesma paixão, com a mesma esperança que onde quer que estejas, receberás a minha humilde carta. Ainda que sem mandato do povo da pátria amada, vou chamá-la de nossa carta, pois acredito que nela carrego pedidos e desejos inconfessos de milhões de moçambicanos e moçambicanas do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico.
Poderia por veleidade, começar a minha carta com um pedido de asfalto para algumas das avenidas emblemáticas da cidade capital, mas como deveis saber, Moçambique não é Maputo apenas. Estaria a pecar por egoísmo e vaidade, por conseguinte, a atropelar os valores de inclusão dos quais sou acérrimo defensor. Então, prefiro começar por pedir-lhe que olhe para a nossa EN1 e os seus milhares de quilómetros de buracos que se confundem em alguns momentos com estrada. Acredito vivamente que, com a EN1 em condições, a ligação entre as vastas províncias do país seria uma realidade viva e vivificadora – pessoas, bens e serviços num processo de desenvolvimento, fariam pulsar a nossa ainda frágil economia.
Cheguei a acreditar que fosses produto da coca-cola e que premiavas com bons presentes os meninos e meninas bem-comportados (as) e com bom aproveitamento escolar.
Devo confessar-lhe que, sempre me esforcei em ser um menino comportado, embora na escola nunca cheguei a ser brilhante. Mas o seu critério de bem-comportado faz-me alguma confusão, porque quem mais recebe os seus presentes são os mais abastados e das chamadas classes media alta e rica. Se Natal simboliza paz, amor, esperança, e união entre os homens, não entendo o porquê de uns estarem na constante opulência e outros a passarem literalmente ao lado da vida – mas essa não é sua culpa.
Poderia, sem rodeios, pedir-lhe refrigerantes, rebuçados e um prato de comida para os menos favorecidos e para os milhões de crianças pobres do meu país. Mas, de novo não acho que isso resolveria o problema estrutural que temos em relação as desigualdades, e tampouco, faria do dia-a-dia delas um dia memorável, pois os desafios diários destas crianças são enormes – muitas vezes sem uma refeição digna e sem ganho calórico que as possa permitir estudar e sonhar com o país em que elas sejam um activo do projecto humano e não meros actores e números para angariação de fundos. melhor. Não acho que seria razoável, disfarçar os problemas reais do país em geral e delas em particular com um prato de comida uma, duas ou três vezes ao ano.
Sempre por estas alturas do ano, nos vestimos de branco, vermelho, verde e outras cores natalícias e nos imbuímos da cultura ocidental (para não dizer acidental), e celebramos o amor, fazemos votos de prosperidade, escondemos debaixo do tapete a nossa dura realidade e, torramos os parcos recursos com presentes, viagens e mesas fartas – ano após ano a cena se repete, e o tempo vai passando. Os sonhos vão dando lugar a frustração e somos lentamente consumidos por aquilo que queríamos ter feito, mas não fizemos. E porque a vida encarrega-se de deixar marcas em nós, aos poucos vamos nos tornamos de alguma forma mais egoístas, mais vazios, e fazemos solidariedade de ocasião para mostrar nas redes sociais – o amor e compaixão esta na reserva e a conta-gotas.
Pai Natal!!!
Imagino que que ainda gozas de bom nome, pelo menos entre as crianças, uma vez que frustraste alguns adolescentes e jovens. Sei também que és influente nos corredores dos chamados senhores donos do mundo; que tomas cafés e sumos com os senhores de Bretton Woods. Ao leres esta carta, prometa com carinho e faça advocacia para que Moçambique possa ter não apenas um Natal, mas muitos Natais felizes sem mão estendida para os senhores donos do mundo. Se há quem deve estender a mão, de certeza não somos mais nós.
O meu (nosso) país tem uma oportunidade ímpar de fazer coisas únicas e garantir sustentabilidade e prosperidade para as gerações vindouras. E este é o meu (nosso) sonho – ver o meu país no concerto das nações como uma referência em matéria de desenvolvimento humano, diversificação da economia e redução da pobreza. A oportunidade que cogito nesta carta que já se faz longa, não é o gás do Rovuma, a grafite de Balama, os diamantes de Massangena, o ouro de Manica, os rubis de Namanhumbir, areias pesadas de Moma e Chibuto, nem qualquer outra ocorrência de recursos que bafejam a nossa Pérola do índico. A oportunidade que vislumbro chama-se VONTADE POLÍTICA.
Nesta carta, apelidei-lhe sarcasticamente de Camarada Pai Natal, porque as minhas fontes confidenciaram-me que participaste do último congresso do meu partido e que anotaste atentamente tudo o quanto foi discutido em matéria de governação e planos de desenvolvimento para os próximos anos.
Não nos dê de presente carros de luxo e de alta cilindrada, pois como disse no início da carta, nós nem estradas para esses carros temos; Aceitar esses carros seria pecar de novo e fazer uma apologia ao despesismo de um estado empobrecido com contas apertadas.
Peço Pai Natal, que nos seus corredores, leves à mesa, a agenda de segurança alimentar e revolução verde, advogue por mais acesso a água potável, e saneamento seguro para todas as pessoas e em toda a parte. Leve o nosso peditório de melhor educação e mais acesso à saúde para o nosso povo, e não se esqueça de lembrar-lhes que a condição básica para tudo que isto aconteça é, segurança e estabilidade política. Mas falar de nutrição, saúde, educação e segurança sem que tenhamos discernimento e ponderação, será um saco cheio de nada, então peço que neste Natal leves a mensagem de mais comprometimento por parte de quem governa, mais amor e mais consideração pelo povo que apesar de cansado ainda nutre alguma esperança.
Desculpa por não ter observado o protocolo habitual Pai Natal. Deveria ter iniciado com o meu nome, idade e relatório de aproveitamento escolar. Na verdade, optei pelo anonimato porque meu objectivo primário é fazer com que a carta chegue até si e que te dês tempo de pelo menos a lê-la.
Este ano escrevi e enviei mais cedo pois, sei que sua agenda está mais ocupada do que nunca com o fim da pandemia. Sei que o inverno este ano será mais severo devido por conta das alterações climáticas e das restrições energéticas que o velho continente enfrenta.
Camarada Pai Natal – não se preocupe com embrulho e papel de presente para os nossos pedidos, porque há coisas que não precisam de embrulho. À semelhança de outros natais, não colocaremos meias nas janelas porque muitas das nossas crianças nem casa tem, por conseguinte não tem portas nem janelas.
Se ponderares visitar o nosso Moçambique, não venhas de trenó Pai Natal. Aqui na Pérola do Índico não temos neve nem renas. Nós nos fazemos transportar nos nossos dubais, a pé, e nos famosos my love – quando chegares te explico melhor.
Aqui em Moçambique o Natal rima com verão e, vezes sem conta, com fome (que teima em não acabar). As vezes temos a energia de Cahora Bassa que dizem ser nossa e, esperamos ansiosamente pelo gás do Rovuma que nos deixa alguns resquícios de esperança.
Por: Hélio Guiliche
Muitos dos que nasceram no período da independência e nos anos a seguir, viveram uma atmosfera político-social de elevada êxtase e expectativas sobre como seriam os anos sem o jugo colonial. Foram anos de muito nacionalismo e de forte exaltação aos ideias pan-africanos em grande escala e, da negritude em menor escala.
Essa geração foi ensinada a pensar dentro de um quadro político-social de muita desconfiança e de algum medo: primeiro devido aos focos emergentes do neo-colonialismo e neo-imperialismo e, depois pelos movimentos armados que reivindicavam a suposta parcela do manjar pós-independência.
Durante muitos anos, um pouco por todo continente africano, com enfoque à Africa Austral, os partidos libertadores cimentaram sua hegemonia com recurso a narrativas, discursos e alusão a momentos históricos de difícil digestão. Essas narrativas alimentaram vários processos e várias etapas de construção de um pensamento unitário. Todavia, alguns desses partidos “esqueceram-se” de se actualizar e se de adaptar ao contexto quer em forma acções governativas ajustadas, quer em respostas mais cabais às crescentes demandas do povo. O descontentamento e o repudio à forma como os destinos de alguns países estava a ser conduzido, abriu espaço para uma nova franja crítica, seja vinda da sociedade civil, quer de partidos políticos da oposição.
Com o andar do tempo e com a natural evolução social e política, a narrativa dos partidos chamados libertadores, que era facilmente aceite de ânimo leve pelas chamadas massas foi se corroendo (por causas naturais e também por falta de actualidade). Essa gradual corrosão enfraqueceu internamente o tecido político-partidário e foi gerando pequenas alas e fissuras internas.
A história, com seu sentido didáctico, foi testemunhou para além da conquista, exercício e sedimentação do poder por um lado, a fragilização e queda dos ditos históricos por outro lado – Novos actores políticos emergiram, e com eles, novas narrativas e novas formas de ver a governação dos países.
A rotatividade política em muitos países da região foi se fazendo real, numa clara amostra de cansaço e apelo a algo diferente e novo. Alguns dos países que a experimentaram perceberam que a mudança que tanto se temia, tem suas nuances e, pois, abrem espaço para formas de ser e estar na política – o rendez-vous politique.
As narrativas depreciativas contra os partidos da oposição, e contra as organizações da sociedade civil que a história os colocou no lado erróneo e baptizou como partidos e movimentos sanguinários, inimigos do progresso e da independência, começaram a diluir-se paulatinamente em alguns quadrantes. Tal dissolução deveu-se muito pouco a forca da oposição que foi se instruindo melhor, e muito a forma como muitos governos foram tratando o seu povo. Dito de outra forma, e com outras palavras, a oposição não precisou de muita engenhoca tampouco de estaleca para o despertar social. Os actos e acções dos partidos no poder foram paulatinamente levando muitos deles ao abismo.
Novas formas de reflectir a história, de pensar criticamente a sociedade, a politica e a governação ganharam notoriedade e relevo. E com essas formas, veio a dúvida sobre o presente e a incerteza sobre o futuro.
O advento das redes sociais foi um marco importantíssimo nesta viragem de paradigma, no processo de informação e desinformação. Foi também um momento em que o uso da tecnologia possibilitou o registo, a partilha e o consumo em tempo real. A monitoria de processos eleitorais, das acções político-governativas e de toda forma de manifestação socio-política e até cultural, fez ganhar outra dinâmica na forma de participação e influencia. Quase todos com acesso a informação, podiam a partir deste instante ser agentes de mudança.
Neste momento de maior questionamento, a sociedade vira um avaliador factual da acção governativa, e não se prostra de tecer opiniões escritas ou orais que fazem toda diferença na construção do estado pluralista em que as ideias contrárias valem e tem lugar. Há um salto qualitativo nas relações de intervenção social – do simples instrumento político-eleitoral, o povo passa a um agente activo, impulsionador e motriz da mudança social. O seu papel é cada vez mais apreciado por uns e combatido por outros, porque o despertar de consciência pode também significar mau pressagio para quem não esteja disposto a permitir a rotatividade.
A aceitação foi dando lugar a negação. As diferentes forças políticas, e das organizações da sociedade civil com melhor estrutura e liderança, com ideias mais claras e mais ou menos elaboradas e uma agenda muitas vezes alvo de questionamentos, ganham relevo e convidam o povo a uma introspeção e reflexão mais assaz sobre a independência e o pós-independência (seus ganhos e perdas). A luta da oposição não é mais para conquistar mais assentos no parlamento e na assembleia nacional, mas sim pelo assalto ao poder.
Muitos dos países desta parcela do continente negro, caminham para a celebração do jubileu dos 50 anos da conquista das tão almejadas independências. Nesses quase 50 anos experimentaram transições, reajustes e reformas impostas pelo Ocidente - Tais reformas ditaram a realidade de muitos países. Experimentaram igualmente o aparecimento e ocorrência recursos naturais. Alguns países, incluindo Moçambique foram bafejados por recursos naturais que se adivinhavam bênçãos, mas que aos poucos, em alguns quadrantes tem se revelado autêntica maldição (o Resource Curse).
A falta de transparência, responsabilização, o enfraquecimento institucional, a captura do estado pelas elites economicamente fortes, a fraca vontade e capacidade politica, a crescente desconstrução das ideias basilares e fundacionais do estado, dos ideais Pan-africanos de Nkrumah e Senghor, bem como a constante ingerência nos processos nacionais, entre outras causas abriram um buraco que se foi transformando numa cratera social, económica e politica – A corrupção instalou-se, e a cultura de pedinte se afirmou como uma cultura dos estados africanos.
Recentemente, viveu-se em Angola um cenário que ilustra como a aceitação foi se transformando em negação, e como a atmosfera eleitoral e pós-eleitoral foi um medidor do cansaço do povo que anseia mudanças estruturais. O cenário ali vivido, faz-nos ler com outras lentes a relação entre os ciclos governativos, a coesão dos partidos políticos, a militância de ocasião e de estomago e, acima de tudo, sobre o poder outrora oculto das massas – um poder que foi negado, mas que a realidade mostra que não há tamanha peneira para tão forte sol.
Hoje, uma sociedade angolana ociosa pela mudança clama pela justiça eleitoral, pela validação do seu direito exercido nas urnas. Uma sociedade dividida entre o amor pelo MPLA e pela esperança pela UNITA. Sociedade que deu uma aula de associativismo, sobre como valorizar o sufrágio e como mostrar ao poder do dia que não há nada mais forte que o povo – pode tardar, mas sempre acorda da sua longa noite escura.
Esta em causa muito mais que uma eleição. Esta em causa a provável queda de um partido histórico em África e no mundo, e a ascensão de um partido tido como o vilão da história recente de Angola.
Esta em causa uma jogatana que não se revelou ainda aos olhos dos menos sagazes analistas – a jogatana do petróleo, dos diamantes. Esta em causa a soberania do povo Angolano. Por isso, escrevo – Uma mão cheia de nada.
Por: Helio Guiliche (Filosofo)
Escrever é uma das mais belas e nobres formas de expressão de ideias e sentimentos. Assim como os músicos o fazem cantando e tocando, os artistas o fazem dançando, pintando e usando outras formas de manifestação folclórica, eu o faço com a minha escrita. Quando escrevo, me permito experimentar momentos de abstração, de reflexão, de crítica. Me permito também viajar para lugares (des) conhecidos, lugares de um mundo as vezes real e outras vezes imaginário – mundo este que um dia sonhei mudar.
Na altura em que celebramos mais um aniversario da conquista da tão almejada independência, parei para pensar no meu país; país que me viu nascer e crescer. Parei para escrever sobre o passado, o presente, e futuro deste belo Moçambique. Sobre os sonhos que sonhamos e não realizamos enquanto nação.
(In) dependência vista de uma forma geral como o culminar de um longo processo de luta pela conquista da autodeterminação, das liberdades e do direito de sermos uma nação e um país no verdadeiro sentido. Processo este que a história consagrou como um momento em que os moçambicanos decidiram colocar fim a um longo período de dominação e subjugação colonial, e que já pesava as costas de quem sentiu na pele os horrores do colonialismo, dos maus tratos, humilhação e desumanização perpetrada pelas mãos do colono durante largas décadas. Os moçambicanos tomaram o poder e abriram uma nova página na sua ainda incipiente história.
O mítico estádio da Machava, encheu-se de alma para vivenciar um dos momentos mais marcantes da história de Moçambique – A proclamação da independência nacional. Um momento em que milhões de moçambicanos inauguraram uma nova fase. Fase esta que se adivinhava difícil e perniciosa, mas que os filhos da terra saberiam gerir.
A ideia de independência pressupunha um manancial de ideias e teorias que aos poucos foram se esbarrando com a dura realidade. A ideia de liberdade, progresso, desenvolvimento, segurança, soberania, sedimentação da democracia, construção das bases para a prosperidade da nação eram basilares para a construção de um estado-nação. Todavia, muitas dessas ideias não foram devidamente cozinhadas, e não tiveram o desfecho desejado. Na ressaca do inverno de Junho 1975 a atmosfera era essa – de muita esperança, de muita expectativa e de uma sagacidade jamais vista.
Com a conquista da independência, emergiram novos problemas - alguns típicos de nações recém-independentes e livres; e de algum modo previsíveis em maior ou menor escala; outros foram resultado da natureza humana avida em ter poder, e da ganância de alguns governantes, muitos deles inexperientes e ciosos em sentar-se ao lado do famoso banquete.
O despreparo, a ganância e a permeabilidade às investidas do neocolonialismo, semearam paulatinamente o divisionismo, a desconfiança e a traição entre as mesmas pessoas que outrora uniram-se para libertar o país. As constantes incursões das potencias imperialistas, a famosa mão externa disfarçada de ajuda, foram se cristalizando na sua mais antiga e bem-sucedida fórmula do divide et impera (dividir para reinar).
Os nossos libertadores, os nossos heróis e os nossos referenciais de luta e verticalidade foram se transfigurando ao sabor do vento, e alguns deles viraram, nossos opressores. Nasceram elites negras, que se esqueceram dos ideais da revolução e se preocuparam em vestir a máscara de ovelha em corpo de lobo. Os nossos libertadores, tornaram-se obcecados pelo poder e pela posição de destaque no banquete pós-independência. Recriamos e personificamos a aquilo aque Frantz Fanon designou de “Pele Negra e Mascaras Brancas”, onde pretos oprimem outros pretos e se acham legítimos eleitos para o fazer em virtude do tempo emprestado durante a mocidade e juventude para que fossemos hoje o país livre que somos. Será que somos?
A pobreza, a guerra, as desigualdades, a corrupção, a deficiente cobertura da rede sanitária, educacional e nutricional são alguns dos elementos que devem ser reflectidos por todos e por cada um de nós, ao celebramos a conquista da independência. O maior presente que podemos oferecer aos moçambicanos é pensar o país de forma integrada e holística. É atacar aquilo que julgamos ser nefasto ao nosso desenvolvimento como país . É oferecer, não discursos vazios e populista, mas programas concretos, inclusivos e conferir mais dignidade para o nosso povo. E isso só se consegue se recuperarmos a mística que nos guiou até ao mítico momento em que gritamos na Machava que somos um país independente.
Nesta curta reflexão, o meu pedido carrega a dor e frustração do nacionalista que muito lutou por este país, mas que parece agora vencido pelo cansaço. Um nacionalista que se frustrara com o estágio do seu país amado – por sinal esse é Moçambique. Carrega também o desejo inconfesso de um grupo comprometido com os ideais da revolução, mas que se sentiu traído e abandonado no tempo, no espaço e pior ainda, na consciência patriótica de um amanhã em que o sol de Junho brilharia pelos quatro pontos cardinais do país; a mensagem do homem novo que nunca chegou a ser visto senão no próprio projecto. Carrega por fim, ainda que sem mandato, uma juventude que vê mutilada e adiada a possibilidade de participar de forma activa no desenvolvimento do país 47 anos após a sua independência.
A fórmula “Umuntu Ngumuntu Ngabantu”, que significa nós somos e nos tormanos mais pessoas quando reconhecemos e valorizamos a existência do outro faz-se cada vez mais actual no momento em que caminhamos para o jubileu da independência em 2030. Esta fórmula da alteridade é um convite transgeracional para todas as forças construtivas e ciosas em edificar um Moçambique livre da pobreza, da guerra e das desigualdades sociais - um lugar onde todas as crianças possam sonhar, acreditar e tornar os seus sonhos uma realidade viva e vivificadora. Onde todos moçambicanos e todas moçambicanas possam viver o verdadeiro significado, enxergar o brilho e, sentir o calor do Sol de Junho.
Não se esqueçam de voltar. Não se esqueçam do vosso país. Não nos deixem perder a esperança; não permitam que as nossas crianças cresçam sem sonhos. O Homem Novo ainda tem espaço e nós estamos dispostos a refundar a nossa ideia de moçambicanidade – este é um convite a ilustração.
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)
Escrever é uma das mais belas e nobres formas de expressão de ideias e sentimentos. Assim como os músicos o fazem cantando e tocando, os artistas o fazem dançando, pintando e usando outras formas de manifestação folclórica, eu o faço com a minha escrita. Quando escrevo, me permito experimentar momentos de abstração, de reflexão, de crítica. Me permito também viajar para lugares (des) conhecidos, lugares de um mundo as vezes real e outras vezes imaginário – mundo este que um dia sonhei mudar.
Na altura em que celebramos mais um aniversario da conquista da tão almejada independência, parei para pensar no meu país; país que me viu nascer e crescer. Parei para escrever sobre o passado, o presente, e futuro deste belo Moçambique. Sobre os sonhos que sonhamos e não realizamos enquanto nação.
(In) dependência vista de uma forma geral como o culminar de um longo processo de luta pela conquista da autodeterminação, das liberdades e do direito de sermos uma nação e um país no verdadeiro sentido. Processo este que a história consagrou como um momento em que os moçambicanos decidiram colocar fim a um longo período de dominação e subjugação colonial, e que já pesava as costas de quem sentiu na pele os horrores do colonialismo, dos maus tratos, humilhação e desumanização perpetrada pelas mãos do colono durante largas décadas. Os moçambicanos tomaram o poder e abriram uma nova página na sua ainda incipiente história.
O mítico estádio da Machava, encheu-se de alma para vivenciar um dos momentos mais marcantes da história de Moçambique – A proclamação da independência nacional. Um momento em que milhões de moçambicanos inauguraram uma nova fase. Fase esta que se adivinhava difícil e perniciosa, mas que os filhos da terra saberiam gerir.
A ideia de independência pressupunha um manancial de ideias e teorias que aos poucos foram se esbarrando com a dura realidade. A ideia de liberdade, progresso, desenvolvimento, segurança, soberania, sedimentação da democracia, construção das bases para a prosperidade da nação eram basilares para a construção de um estado-nação. Todavia, muitas dessas ideias não foram devidamente cozinhadas, e não tiveram o desfecho desejado. Na ressaca do inverno de Junho 1975 a atmosfera era essa – de muita esperança, de muita expectativa e de uma sagacidade jamais vista.
Com a conquista da independência, emergiram novos problemas - alguns típicos de nações recém-independentes e livres; e de algum modo previsíveis em maior ou menor escala; outros foram resultado da natureza humana avida em ter poder, e da ganância de alguns governantes, muitos deles inexperientes e ciosos em sentar-se ao lado do famoso banquete.
O despreparo, a ganância e a permeabilidade às investidas do neocolonialismo, semearam paulatinamente o divisionismo, a desconfiança e a traição entre as mesmas pessoas que outrora uniram-se para libertar o país. As constantes incursões das potencias imperialistas, a famosa mão externa disfarçada de ajuda, foram se cristalizando na sua mais antiga e bem-sucedida fórmula do divide et impera (dividir para reinar).
Os nossos libertadores, os nossos heróis e os nossos referenciais de luta e verticalidade foram se transfigurando ao sabor do vento, e alguns deles viraram, nossos opressores. Nasceram elites negras, que se esqueceram dos ideais da revolução e se preocuparam em vestir a máscara de ovelha em corpo de lobo. Os nossos libertadores, tornaram-se obcecados pelo poder e pela posição de destaque no banquete pós-independência. Recriamos e personificamos a aquilo aque Frantz Fanon designou de “Pele Negra e Mascaras Brancas”, onde pretos oprimem outros pretos e se acham legítimos eleitos para o fazer em virtude do tempo emprestado durante a mocidade e juventude para que fossemos hoje o país livre que somos. Será que somos?
A pobreza, a guerra, as desigualdades, a corrupção, a deficiente cobertura da rede sanitária, educacional e nutricional são alguns dos elementos que devem ser reflectidos por todos e por cada um de nós, ao celebramos a conquista da independência. O maior presente que podemos oferecer aos moçambicanos é pensar o país de forma integrada e holística. É atacar aquilo que julgamos ser nefasto ao nosso desenvolvimento como país . É oferecer, não discursos vazios e populista, mas programas concretos, inclusivos e conferir mais dignidade para o nosso povo. E isso só se consegue se recuperarmos a mística que nos guiou até ao mítico momento em que gritamos na Machava que somos um país independente.
Nesta curta reflexão, o meu pedido carrega a dor e frustração do nacionalista que muito lutou por este país, mas que parece agora vencido pelo cansaço. Um nacionalista que se frustrara com o estágio do seu país amado – por sinal esse é Moçambique. Carrega também o desejo inconfesso de um grupo comprometido com os ideais da revolução, mas que se sentiu traído e abandonado no tempo, no espaço e pior ainda, na consciência patriótica de um amanhã em que o sol de Junho brilharia pelos quatro pontos cardinais do país; a mensagem do homem novo que nunca chegou a ser visto senão no próprio projecto. Carrega por fim, ainda que sem mandato, uma juventude que vê mutilada e adiada a possibilidade de participar de forma activa no desenvolvimento do país 47 anos após a sua independência.
A fórmula “Umuntu Ngumuntu Ngabantu”, que significa nós somos e nos tormanos mais pessoas quando reconhecemos e valorizamos a existência do outro faz-se cada vez mais actual no momento em que caminhamos para o jubileu da independência em 2030. Esta fórmula da alteridade é um convite transgeracional para todas as forças construtivas e ciosas em edificar um Moçambique livre da pobreza, da guerra e das desigualdades sociais - um lugar onde todas as crianças possam sonhar, acreditar e tornar os seus sonhos uma realidade viva e vivificadora. Onde todos moçambicanos e todas moçambicanas possam viver o verdadeiro significado, enxergar o brilho e, sentir o calor do Sol de Junho.
Não se esqueçam de voltar. Não se esqueçam do vosso país. Não nos deixem perder a esperança; não permitam que as nossas crianças cresçam sem sonhos. O Homem Novo ainda tem espaço e nós estamos dispostos a refundar a nossa ideia de moçambicanidade – este é um convite a ilustração.
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)
Nasci e cresci num ambiente em que os livros jornais e revistas eram parte integrante da nossa vida. Pouco percebia do real significado que aqueles amontoados de papel tinham, tampouco da riqueza que escondiam. A medida em que as letras começaram a fazer sentido, as palavras ganharam melhor significado e a curiosidade despontou. Por conseguinte, muito cedo me permiti folhear alguns livros que tinha em casa. Ganhei gosto, aprendi a conversar e a entender o poder que o livro tem.
O livro é fonte do saber, de informação, de cultivo de homens doutos e cultos; são uma riqueza única e de valor inestimável para a sociedade. Para países em vias de desenvolvimento, como o caso de Moçambique, com altas taxas de iliteracia, o livro é uma arma fundamental no processo de educação e emancipação, ocupando sólida relevância.
O contexto evolutivo do registo- de informação desde as sociedades antigas aos nossos dias, mostra que, quando a humanidade fez a transição das fontes orais para as fontes escritas, assistiu-se a um salto qualitativo no processo de armazenamento e um maior acesso as fontes do conhecimento. O saber passou a ser não apenas mais acessível, mas também venceu a barreira geográfica e temporal - podia passar de geração em geração de forma fiel e fidedigna.
A conservação e armazenamento do conhecimento adquirido ao longo do tempo, evoluiu a pari passu a medida que as sociedades foram se desenvolvendo. Das gravuras, passando pelas pinturas rupestres, murais em pedra, em artefactos, e mais tarde em papiro com o uso dos hieróglifos, a humanidade foi se construindo rumo a um mais abrangente acesso a o conhecimento registado. O surgimento da imprensa escrita foi um marco fenomenal pois permitiu que a geografia e historia dos quatro cantos do mundo se cruzassem de forma eficaz e rápida.
Hoje, graças a esses registos, é possível visitar os escritos mais antigos, os clássicos nas suas mais diversas formas (desde o grego, latim, hebraico, aramaico à outras línguas civilizacionais). O livro permite a aprendizagem, a reflexão, a critica e o diálogo entre gerações.
Entre a construção e a (des) construção
O drama do africano durante séculos tem sido associado ao acesso a educação de qualidade que se julga, ser o caminho para a emancipação mental, cultural e de (re) construção da sua identidade. – Num mundo em que o conhecimento significa poder, quem não o tem, vive um drama humano existencial.
Nesta analogia, pouco interessa se o conhecimento que temos nos é identitário, se espelha a nossa cultura, a nossa tradição, a nossa história e as nossas vivencias enquanto africanos e donos de uma ontologia própria. A luta do africano tem sido a conquista pelo reconhecimento da sua racionalidade e de uma incessante afirmação da sua humanidade – ainda que este reconhecimento custe mais a sua alienação. A pouco e pouco vamos enterrando a nossa axiologia, os nossos usos e costumes, as nossas línguas, tradições, religiões e com isto vamos enterrando a nós mesmos, o nosso SER.
A educação que se pretendia libertadora e emancipadora, virou uma educação alienadora e usurpadora. Sim, usurpadora porque permitimos deixar para trás o que é realmente nosso e adoptados com muito orgulho o que não é e nunca foi nosso. E este processo desenrolou-se numa lenta e progressiva narrativa teórica e prática de inferiorização e de negação do ser do africano.
Contemporaneamente um dilema emerge na indagação do nosso lugar no mundo – o dilema identitário que tem muitas semelhanças com a disjuntiva periférica: ser como os do centro ou ser como nós mesmos? – Numa clara alusão a dúvida que se instalou em cada um de nós ditos civilizados.
Aqueles a que chamamos atrasados, ainda conseguem ser mais evoluídos e ilustrados que nós, ditos civilizados e herdeiros da ciência, dos novos ideais que nos foram impostas.
A arma usada para que tudo se efectivasse da forma mais natural foi o livro na sua capa educacional e evangelizadora. Não que ela (a educação) tenha sido má; muito pelo contrário, ela foi e é boa e necessária para edificarmos uma sociedade progressista e alicerçada nos valores da ciência, do desenvolvimento e da evolução da espécie humana. Os modelos educacionais e os currículos adoptados por muitos países independentes como é o caso de Moçambique, foram e são em algum momento modelos que gradualmente preconizaram a negação do nosso ser e inculcaram aceitação do ser do outro, modelos que nos distanciaram da nossa realidade.
Quando o livro que serve para formar milhões de crianças, adolescentes e jovens do Rovuma ao Maputo, e do Zumbo ao Índico, contém erros grotescos, desinformação e atropelos graves a ciência, e tais livros tenham passado pelo crivo da instituição de tutela, então o livro que tanto apregoamos é uma arma altamente destrutiva. Destrutiva porque há anos que vimos escangalhando o ensino público e tornando-o uma autêntica chacota - fazendo mais do mesmo na multiplicação de conteúdos não profícuos; há anos que transferimos a mediocridade e incompetência institucional para as nossas crianças e, há anos que reproduzimos um discurso vazio e inócuo em torno da educação.
Mas, mais do que erros, e incongruências, os nossos currículos estão em parte desfasados da realidade e, não espelham o país que queremos ser nas próximas décadas. Na reflexão em torno do poder do livro (livro não como objecto isolado, mas como base de formação), quero destacar três dimensões julgo fundamentais para a construção de um país genuinamente orgulhoso do seu passado, do seu presente e certo de que o futuro será risonho:
Não se pode normalizar gralhas nem produzir erratas para a nossa quase que penosa e decadente situação, aceitando que no futuro possamos ler e acreditar que a colonização foi um processo pacífico e não conflituoso, e de laços de fraternidade entre o colonizador e o colonizado; que os mais de 500 anos de presença colonial em África, Asia e América Latina foram, juntamente com a desumana escravatura, um momento de intercambio turístico, religioso e de descobrimento mutuo.
Não se pode, nem se deve permitir que o plano de desestruturação e de promoção de uma alfabetização medíocre seja uma bandeira de desumanização do negro e a negação da sua racionalidade, historicidade e eticidade. Um povo sem história é um povo sem rumo e um povo sem conhecimento da sua cultura não tem futuro algum; e o caracter malévolo dos manuais e livros produzidos reside neste aspecto – a marginalização, banalização e vulgarização do processo educativo.
O livro tem o papel idêntico ao da enxada sobre a terra – tornar possível um processo de produção de algo novo, abrir os solos e produzir – subentendendo-se que as mentes dos alunos são solos férteis e que merecem produção de qualidade. O livro deve abrir mentes e ajudar a reflectir um mundo e um país diferente e cada vez mais inclusivo.
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)