Recentemente em Lisboa, João Lourenço foi duro quando um espírito de revanchismo tomou conta do antigo presidente. Lourenço deixou claro que não há "marimbombo" que suplante a força coletiva de milhões de angolanos, agora embarcados numa expectativa reformista que pode devolver a ética à esfera pública, reduzir o enriquecimento ilícito e o tráfico de influências. Em suma, começar a controlar a corrupção, fazendo com que o Estado recupere boa parte de milhões de USD roubados ao povo angolano. Em poucos meses de poder, Lourenço mostrou que suas intenções eram genuínas, deixando um opulento track record de ações e declarações onde não se vislumbra um laivo de hesitação, uma réstia incoerência, uma nesga de recuo ou uma dúbia afirmação.
No entanto, seu desafio ainda é enorme. Passa por fazer rever a constituição angolana e deixar claro que os atuais poderes do PR são excessivos, fazendo dele um omnipresente em todas as esferas da governação, enfraquecendo, por aí, os "cheks and balances". E o repatriamento de capitais para Angola não depende unicamente da sua boa vontade e da legislação angolana mas do envolvimento político das capitais onde esses dinheiros estão depositados, muitas das quais precisam desses dinheiros para alimentar suas economias, como sempre fez o ocidente com os recursos roubados em África. Em Bazaruto onde está desde sábado, Lourenço teve um encontro com o Presidente Nyusi para uma troca de impressões. Seja como for, a presença de João Lourenço em terras moçambicanas é motivo para olharmos não para os angolanos mas para nós mesmos e, em introspeção, nos perguntarmos “quo vadis”?!
O contexto moçambicano é completamente diferente. Mas em pouco tempo, Angola deu passos robustos na matéria colocando na panela o ingrediente mais determinante de uma reforma anticorrupção: a vontade política. O que é que Nyusi pode aprender de Lourenço? Muita coisa mas sobretudo uma fundamental: a fonte primária da sua motivação. Foi o bater no fundo da economia? (E nos não batemos?). Foi o risco do desgaste do MPLA no eleitorado? (e a Frelimo não corre esse risco?). Foi o volume do enriquecimento ilícito (o caso da dívida oculta não nos diz nada?). Foi a pobreza a aumentar e a riqueza se concentrando em poucas mãos (não é este o nosso caso?).
Foi o quê mesmo?
Qualquer que seja a resposta, os angolanos estão a nos ensinar aquilo que nos há muito presumíamos que fazíamos melhor que eles. Empurrar a retórica para o lado e mostrar ações concretas. Na semana passada, Lourenço recebeu de mãos abertas dois dos baluartes da luta contra o desvario do regime de José Eduardo dos Santos: Luaty Beirão e Rafael Marques. Lourenço percebeu que, para fazer a luta, ele deve incluir, sem cooptá-las, a vozes mais dissonantes do anterior regime. Em Moçambique, isso seria possível? Duvidamos! Mas são estas coisas simples mas amplamente simbólicas que deviam estar a acontecer cá deste lado. A capacidade de olhar para os críticos com simpatia. E não como párias.
O que é que Nyusi pode aprender de João Lourenço?