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BCI
sexta-feira, 20 julho 2018 13:25

O modelo do Ruanda não serve para Moçambique

Na terça-feira, a Vice-Ministra dos Negócios Estrangeiros, Maria Manuela Lucas, disse que a visita do PR Filipe Nyusi ao Ruanda era uma empreitada de aprendizagem. Vamos lá para aprender, asseverou ela. Ontem, já em Kigali, o PR reforçou essa vontade. E exigiu que os empresários deviam voltar para cá com negócios fechados. Se o PR não tiver olhar crítico e uma peneira bem tecida para filtrar fino, ele corre o risco de trazer de volta o pior que se pode esperar de uma democracia. Quando o PR regressar, eu gostaria de poder saber o que ele terá aprendido.


Para já, é preciso dizer que o Ruanda, o quarto país mais pequeno de África, tem coisas que atraem quando se lhe olha de relance. Um dado espantoso do World Economic Fórum: está no top 20 dos países mais seguros no mundo. Tem fama de gozar de bom ambiente de negócios. Seu ranking no doing business, um índice do Banco Mundial que avalia o ambiente de negócios do lado da legislação e burocracia, é o segundo melhor para investir em África. A CTA local tem acesso privilegiado ao Governo, que faz as reformas que ela propõe.

A consequência é o país atrair considerável IDE. Há poucos dias, a FIAT anunciou que vai construir uma montadora. E a VW já estava servindo um franchise da UBER, esse esquema de partilha de viaturas que está substituindo o tradicional taxi.


Há poucos meses, o Ruanda assinou um contrato com o clube londrino Arsenal. “Visit Ruanda” é a inscrição publicitária agora estampada num cantinho das tshirts que a malta de Ozil e Lacazzete vão vestir este ano. O contrato foi criticado por cépticos como eu. Como é que um país pobre (que recebeu, em 2017, do DFID, 60 milhões de Libras para seu budget support) estava a gastar dinheiro num clube rico. Um paradoxo. O Ruanda pagou ao Arsenal 40 milhões de USD. A mesma pergunta foi feita ao clube britânico. Como é que o Arsenal negociava com um país cujo track record de democracia e protecção dos direitos humano é assustador?
Pois a Ruanda de Paul Kagame não é uma flor que se cheire.


Ele gere uma enorme máquina de cosmética para garantir que sua montra seja brilhante. Na montra exibe uma performance macroeconómica positiva e a redução da dependência, num registo impressionante, de 87% para 17 em anos. Elevou indicadores de desenvolvimento humano como esperança de vida e literacia. Mas, para lá da vidraça engalanada, nas prateleiras há um cenário desolador. Ruim! E a estória do ambiente de negócios não está bem contada. Porque as reformas foram feitas para acomodar em primeiro lugar uma holding empresarial da Frente Patriótica do Ruanda, o partido de Kagame. É uma espécie da nossa SPI, a holding da Frelimo, que controla a Kudumba, um dos maiores empecilhos ao ambiente de negócios local. Lá chama-se Tri-Star Investments/Crystal Ventures.

Ela tem sua mão em tudo. Desde imobiliário até as finanças, passando pela telefonia móvel, processamento de leite. Seu braço de construção civil é que ergue as novas ruas de Kigali, uma cidade com várias empresas de segurança mas a única que usa armas é a ISCO, que também lhe pertence. Para além da Tri-Star/Crystal Ventures, há a Horizon, sob alçada do Ministério da Defesa, com tentáculos na construção e logística.


Em suma, o partido no poder está no centro da economia, e determina por isso quem pode acumular riqueza. Imaginem a Frelimo jogando um papel de relevo nos negócios locais. 
Pois no Ruanda é assim. Kagame sacrificou a democracia local em nome do desenvolvimento. Sua estabilidade política resulta de um controlo centralizado e autocrático do poder. Um modelo onde o partido no poder gera e controla uma economia de rendas, espezinha a chamada “boa governação” e enriquece uma minoria e suas clientelas. Chamam na academia de “developmental patrimonialism”.


No ano passado, depois de uma alteração constitucional feita para remover a limitação de mandatos presidenciais em dois, Kagame ganhou as eleições com 99% dos votos, estendendo seu reinado de 17 anos até 2024. Teoricamente pode continuar no poder até 2034. Ele suprimiu opositores e mandou assassinar jornalistas e activistas críticos. Outros tiveram que se exilar. Um artigo no New York Review Books, sob o título a Repressão Eficiente de Kagame, descreve o Ruanda como um mosaico de pequenas aldeias comunais, cada uma com um chefe e um informador. É um estado bufo. Imaginem um informador do SISE em todas as esquinas das nossas cidades. Os cidadãos ruandeses são como que marionetas de kagame. Quando ele diz que ninguém deve andar descalço, no dia seguinte estarão todos calçados.


Nosso PR está no Ruanda para aprender mas é óbvio que voltará desiludido. Do Ruanda não temos nada a aprender. Seu modelo não serve em Moçambique. Eu espero que o PR seja assertivo. Como foi quando Kagame esteve cá exigindo que o Governo caçasse e deportasse seus opositores. Uma triste reedição do Recep Erdogan. Nosso Governo rejeitou. E bem!

Sir Motors

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