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segunda-feira, 02 dezembro 2024 10:09

Badernocracia em Moçambique: o poder está nas ruas!

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A tensão pós-eleitoral em Moçambique trouxe pela primeira vez à ribalta um novo fenómeno político: a badernocracia. Trata-se do poder nas ruas e não necessariamente do povo no poder. 


Em Moçambique, a democracia representativa vai nua. A tensão eleitoral desembocou numa crise profunda do Estado, mostrando a falência das suas estruturas, incluindo um tremendo vazio do aparato castrense. O Presidente Filipe Nyusi parece não governar. Seu Comandante-Geral da Polícia, Bernardino Rafael, faz e desfaz, diz e desdiz, passeando-se por aí, incólume, mas cada vez mais ausente. E não lhe acontece nada. Dali não sai, dali ninguém lhe tira!

 

Todos os dias, a polícia sob seu comando exibe sua musculatura atroz contra os indefesos. Atropelam “txopelas” e atiram indescritivelmente contra os jovens rebolos, matando a sangue frio. Não é uma polícia formada para proteger, mas para obedecer às ordens sinistras de um regime autocrata.

 

O Estado faliu! A sua autoridade está esvaziada. Ninguém impõe ordens. E a economia funciona ao ritmo das convocatórias venancistas, que descambam grosso modo na barricada da via pública, como se vê agora o comércio internacional estar refém do desacato em Ressano Garcia. 


O Poder está nas ruas. Venâncio convoca para que os funcionários sigam ao trabalho deixando seus carros em casa, tentando impregnar algum pacifismo nas mentes que dão o seu peito às balas nas ruas. Ninguém acata. E surgem jovens e crianças barricando estradas com pneus, troncos e blocos de cimento, uns jogando a bola, outros cobrando perversas taxas de circulação e “mamanas” confeccionando alimentos. 


É o poder nas ruas. “Este país é nosso”, cantam o slogan mais audível do venancismo, que comanda a revolta de fora do país, evitando uma alegada tentativa de assassinato e uma posterior trama persecutória engendrada sumariamente pela Procuradoria Geral da República.

 

A par dos tentáculos da judicialização de uma tensão política que ainda vai no adro, temos também um Governo completamente ausente, mergulhado num silêncio cúmplice com os desmandos em curso. Parece que o Governo se demitiu. E dentro do executivo não há voz de comando. Consta que poucos são os ministros que se dão ao luxo de ir trabalhar. 

 

Depois do falhanço da saga golpista de 7 de Novembro, esperava-se que o Governo abrisse linhas verdes contra o vandalismo, permitindo a Polícia intervir cirurgicamente para repor a ordem pública e proteger a economia. Mas o Executivo cruzou os braços. E quem governa?

 

São os que barricam os carros nas ruas, que nem sequer seguem a cartilha de VM7, que nunca soube capitalizar a predisposição das classes mais urbanizadas, que abraçaram o panelaço, pacificamente, e agora saem para as ruas de Maputo entoando o “hossi katekisa Africa”, em pleno meio dia, a plenos pulmões, numa expressão de denúncia do seu cansaço com o "status quo", o que representaria, por si só, o aumento da legitimidade do venancismo e, em proporção inversa, a consumação da perda de legitimidade do regime de Filipe Nyusi. 


E VM7 manteve sua predisposição de sabotar a economia, seguindo a cartilha de Gene Sharp (The Politics of Non Violence). Quando podia muito bem implementar as tácticas da não-violência, da resistência inspirada em Gandhi ou Martin Luther King, Venâncio persistiu numa narrativa de paralisação da vida económica e social cujo subproduto é esta badernocracia que se instalou um pouco por todo o país. 


Na verdade, a maior parte dos seus apelos não tem surtido os efeitos que ele deseja, nomeadamente: prometeu 45 dias consecutivos de manifestações, uma marcha de 4 milhões de moçambicanos para a capital, o fecho de todas as fronteiras e portos, que os automobilistas parassem suas viaturas nas ruas de Maputo, entre outras coisas. 


Nada disto aconteceu...e o que restou é esta predisposição para as barricadas, para a desordem pública, a arruaça e a destruição da propriedade pública e privada. E a sociedade a reboque da badernocracia, com a Frelimo também completamente ausente. Moçambique vive seus piores dias desde a transição democrática. Não é o povo no poder, como clamam as vozes desta luta por mudança de regime. É o poder nas ruas...da desordem.

PS.1: O termo “baderneiro" - donde resulta a noção de badernocracia - é utilizado para descrever uma pessoa que se envolve em actos de desordem, tumulto e violência, geralmente em espaços públicos. Essa palavra deriva do verbo "badernar", que significa provocar tumulto ou confusão. O baderneiro é conhecido por seu comportamento desrespeitoso e irresponsável, que pode causar danos tanto sociais quanto económicos. Em geral, ele busca chamar a atenção para si mesmo, muitas vezes de forma negativa, através de actos de vandalismo, agressões físicas, depredação de propriedades públicas ou privadas, entre outros. 

 

PS.2: No contexto baderneiro em que estamos mergulhados, com a Frelimo ausente e o Governo encolhido dentro da sua carapuça, o Primeiro Ministro Adriano Maleiane manteve um encontro recente, de carácter restrito, com alguns "spin doctors" do regime, comentadores afectos, editores da “mídia” pública, entre outras figuras escolhidas a dedo. Maleiane pretendia ouvir ideias sobre o que é que o Governo devia fazer em face da actual crise pós-eleitoral.

 

Quem esteve lá, deu-me conta de duas intervenções que marcaram a conversa por razões distintas. Uma cáustica e que deixou o PM  boquiaberto. Patrício José, antigo Vice-Ministro da Defesa, perguntou: afinal quem está com o Governo? Os professores, não; os médicos, não, os enfermeiros, não; e por aí além.

 

Outra intervenção, notável pelo seu carácter sinistro, foi a do comentador Dércio Alfazema, que deixou a organização holandesa IMD onde trabalhou no espectro das ONGs Moçambicanas e se alistou na franja dos fazedores de opinião que defendem o regime de forma canina, criticando sistematicamente a oposição e a sociedade civil. Alfazema disse mais ou menos assim, em jeito de sugestão para se pôr cobro à crise: “Talvez o ideal fosse mesmo 'visitar' a casa do Venâncio Mondlane”.

 

A sala gelou! Não era para somenos! É que desde que o regime de Nyusi ascendeu ao poder, o termo “visitar” é sinónimo dos actos mais abomináveis usados contra opositores. Por exemplo, Elvino Dias e Paulo Guambe foram “visitados” pelo regime, tendo sido física e politicamente eliminados. (MM)

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Depois que foi estabelecido em 2003 sob a batuta do jurista Rui Baltazar, que morreu em Julho passado aos 91 anos, o Conselho Constitucional (CC) tornou-se rapidamente num sólido pilar dentro do nosso precário sistema de integridade. Apesar de ser composto na base de uma proporção guiada pela representatividade parlamentar dos partidos políticos, cabendo à maioria da Frelimo indicar a maioria dos juízes, suas decisões eram unicamente baseadas nos ditames da Lei e do bom senso, em defesa da Constituição contra quaisquer desvios de inclinação partidária.

 

Em 2007, o CC chumbou ostensivamente uma norma estabelecida no consulado inicial de Armando Guebuza, que obrigava ao uso da expressão “decisão tomada, decisão cumprida” no fecho da correspondência oficial no Estado. Na altura, Rui Baltazar tinha como pares juristas de gabarito inquestionável como Teodato Hunguana e Orlando Graça (este oriundo da Renamo). Seus acórdãos e deliberações eram escritos de forma assertiva e pedagógica, com um registo irrepreensível de jurisprudência. O CC era uma escola. E havia se consolidado como um importante contrapeso do poder. Dentro do nosso sistema político, era a única entidade que mantinha ainda uma grande dose de respeitabilidade na sociedade.

 

Quando Rui Baltazar saiu em 2009, pensou-se que ele levara consigo esse perfil de integridade raramente beliscado. Mas não! O CC manteve-se no mesmo registo. Assertivo, evitando cair na esparrela do juridiquês barato como agora está a suceder - apesar da desconfiança gerada com a chegada de Hermenegildo Gamito, em 2011, no início do segundo mandato de Armando Guebuza. Juízes como Orlando Graça e José Norberto Carrilho garantiriam a qualidade e a independência, mas isso começou a desmoronar quando os dois saíram em 2014. 

 

Gamito foi uma escolha pessoal de Armando Guebuza. Foi reconduzido por Filipe Nyusi em 2016. Mas suas credenciais de isenção foram sempre suspeitas. Ele conduziu o CC de uma forma claramente favorável ao regime da Frelimo, como ficou provado nas eleições autárquicas de 2018, quando o CC a se destacar pela negativa, fazendo tábua rasa das irregularidades e ilegalidades praticadas pela CNE em prejuízo do grupo apoiante de Samora Júnior, o então AJUDEM, que viria a transformar-se no actual Podemos.

 

Depois veio Lúcia Ribeiro, cujos trabalhos nas eleições autárquicas de 2023 vieram a confirmar que o CC perdera definitivamente a aura inicial de integridade e isenção. No dia 24 de Novembro do ano passado, o Conselho Constitucional, anunciou a versão final dos resultados das eleições autárquicas realizadas no dia 11 de Outubro, reforçando a percepção de que o órgão era tendencioso a favor do partido no poder, a Frelimo.

 

O CC fez pouca referência a irregularidades durante o processo de votação e contagem de votos, ou nas eleições como um todo, dizendo que estas questões não influenciaram os resultados globais. Os resultados apresentados pelo CC foram entendidos como fruto de compromisso, pelo menos entre a liderança da Renamo – partido que originalmente reivindicou a vitória em 21 municípios – e a Frelimo, levando a percepção generalizada de que a decisão do Conselho Constitucional (cujos vários juízes são nomeados pelo presidente e por membros do parlamento dominado pela Frelimo) foi fortemente influenciada pelos desejos da Frelimo. Por outro lado, o facto de os resultados eleitorais demorarem demasiado tempo a ser anunciados levantou suspeitas sobre todo o processo.

 

Um dos principais afectados pelas decisões do Supremo em 2023 foi Venâncio Mondlane, que concorreu pela Renamo para a presidência do Conselho Autárquico de Maputo. Furiosos com o CC, seus manifestantes haviam iniciado em Maputo uma série de manifestações, reivindicando justiça social. As “manifs” apenas perderam fôlego porque a Renamo retirou seu apoio à então revolta venancista, que tinha fortes condimentos para afectar a “paz social”, pelo menos na cidade de Maputo. 

 

Foi como que a alertar para esse efeito perverso de um CC tendencioso que Rui Baltazar fez sua derradeira chamada de atenção aos juízes do conselho, que aqui transcrevemos, pois, mais do que em 2023, hoje em 2024, nas actuais eleições gerais, é esperado que o veredicto daquele órgão seja isento e respeite a vontade dos eleitores, sob pena de Moçambique viver dias negros de tumultos pós-eleitorais nunca vistos no passado. 

 

 O Conselho Constitucional vai, no futuro próximo, ter de tomar graves decisões, com grande impacto na sociedade moçambicana, e deve estar preparado para tal, contribuindo através da sua independência e da aplicação intransigente, correcta e exemplar da Constituição e das leis, para a paz social, para o melhoramento da democracia e para que se faça justiça a cada cidadão;

 

— Os desafios a que terá de responder o Conselho Constitucional em Moçambique pouco têm a ver com o risco de se instalar um governo de juízes, mas sim com a necessidade de controlar os excessos no exercício dos poderes, o seu equilíbrio, salvaguardar e reforçar a ordem democrática e constitucional, a separação e interdependência dos poderes do Estado e garantir os direitos e liberdades de todos os cidadãos.

 

*BALTAZAR, Rui. “Lastimável estado do Estado de Direito Moçambicano”, O Guardião, Revista do Conselho Constitucional de Moçambique, Volume IV, 2023, Pág. 290.

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Por Marcelo Mosse

 

Os restos mortais de Bernardo Lidimba, Director Geral dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), que encontrou morte violenta em alegado acidente de viação em Mpuzi, distrito de Mapai, no noroeste de Gaza, a poucos quilómetros da fronteira com o Zimbabwe, foram transladados por helicóptero no fim da manhã deste domingo para Maputo, concretamente para a morgue do Hospital Militar em Maputo.

 

O Ministério do Interior, que anunciou a fatalidade no fim do dia de ontem, disse que a viatura em que Lidimba seguia “despistou-se e capotou”. "Carta" apurou hoje que, com Lidimba, um maconde de Montepuez, estavam mais três pessoas, nomeadamente o motorista, o ajudante de campo e um assessor. Os três estão hospitalizados com ferimentos (não saíram ilesos como escrevi esta manhã num “post” no X), mas sem risco de vida.

 

Apesar da “normalidade” com que o Ministério do Interior encarou a morte de Lidimba na sequência de um acidente, informações recolhidas pelo nosso jornal apontam para elementos circunstanciais que mereceriam uma atenção particular em sede de uma investigação forense.

 

Ontem, por causa da instabilidade política que o país vive, Lidimba participou de uma reunião do Comando Conjunto das Forças de Defesa e Segurança (CCFDS), um órgão colectivo de coordenação operativa institucional cuja missão é “analisar, avaliar e delinear estratégias com vista a fazer face a diversas situações emergentes na garantia da segurança nacional”. 

 

Após essa reunião em Maputo, Lidimba partiu para uma “missão” secreta, no norte de Gaza, junto da fronteira com o Zimbabwe.

 

Curiosamente, ele partiu sozinho para essa missão sem a companhia do Director da Divisão de Operações Internas do SISE e do Director Nacional na Divisão de Operações Internas do SISE, e que, por regra, participaram num evento semelhante de trabalho operativo. 

 

Os dois directores são, por inerência, membros do Comando Operacional do Comando Conjunto Central, o órgão operativo do Comando Conjunto. Nos meandros das forças castrenses, colocam-se duas questões centrais: o carácter marcadamente enigmático da missão (aparentemente seus pares no Comando Conjunto Central não tinham conhecimento da missão); e, por outro lado e dada a distância do local da missão (a fronteira com o Zimbabwe), por que razão Lidimba não viajou de helicóptero.

 

Seja como for, Lidimba, Antigo Director Provincial (Cabo Delgado) do SNASP (o então temível Serviço Nacional de Segurança Popular, um serviço paramilitar e de inteligência do governo de Moçambique, desde a independência em 1975, até 1991, quando foi substituído pelo SISE; tinha poderes quase absolutos, incluindo a manutenção da detenção por período indeterminado e a negação do direito a habeas corpus, entre outros), desde o passado dia 20 que andava em constantes missões no terreno, designadamente visando manter os operacionais da “secreta” em prontidão em face dos tumultos por causa dos resultados eleitorais e da convocação da marcha para Maputo, com epicentro agendado para o próximo dia 7 de Novembro.

 

"Carta'" apurou que, em privado, Lidimba, cujo nome de guerra era “Tchombe”, andava preocupado essencialmente com duas coisas: a) a “deriva ideológica” da Frelimo e b) a convicção de ter sido “injectado muito dinheiro”, de fora e de dentro do país, para insuflar oxigênio nas manifestações em curso, que, para ele, visam essencialmente o “derrube” do regime da Frelimo.

 

Apesar do enigma da missão de Lidimba junto à fronteira do Zimbabwe, “Carta” apurou que o Governo estava a mandar vir daquele país “stocks” de artefactos de gás lacrimogéneo e munições para uso por parte das forças policias, uma vez que, no caso do gás lacrimogéneo, o “stock” existente está fora do prazo, segundo uma fonte bem colocada. 

 

“Tchombe” foi o terceiro chefe da secreta do Nyussismo. Ele foi nomeado por Filipe Nyusi em Maio de 2022, em substituição de Júlio dos Santos Jane. Este tinha sido nomeado em 2017, em substituição de Lagos Lidimo. Antes da posição cimeira no SISE, Lidimba passou sucessivamente pelos cargos de Cônsul de Moçambique no Malawi (por regra, todos os chefes dos serviços consulares de Moçambique no estrangeiro são membros do SISE), Chefe do Protocolo Nacional e Embaixador no Quénia.

 

Após o anúncio da sua morte ontem, o Ministro do Interior, Pascoal Ronda, disse que as autoridades policiais abriram uma investigação, mas é bem provável que nada de substancial venha a ser revelado. Lembre-se, como Lidimba, o antigo Director o SISE, José Castiano de Zumbire, natural do Chimoio, perdeu a vida em circunstâncias estranhas em 2004, na transição entre o consulado de Joaquim Chissano e o do Armando Guebuza. 

 

Foi Zumbire que fez a transição entre o SNASP e o SISE e, em 2004, logo após a tomada de posse de Guebuza, ele foi encontrado morto, tendo sido levantada a suspeita de “envenenamento”, alegação que nunca foi provada em sede da medicina legal. Na altura, o falecido médico legista do Hospital Central de Maputo, Eugénio Zacarias, que era afilhado de Zumbire, bem queria fazer o derradeiro exame ao cadáver do finado para esclarecer os motivos da sua morte, mas a família foi instruída para evitar o procedimento.

 

Tal como Zumbire, Lidimba morre em circunstâncias estranhas, aventando-se agora, em muitos círculos, a hipótese conspiratória da “queima de arquivo”. M.M

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O “loose cannon” voltou a disparar. Nesta semana, o venancismo convocou novas “manifs” para repudiar o cruel assassínio de Elvino Dias e Paulo Guambe, atingidos os dois por 25 balas no conjunto, faz hoje uma semana. Depois da violência de rua desta quinta-feira, VM7 reafirmou, a partir de lugar desconhecido, que sua meta são 25 dias de “manifs”, com a consequência nefasta da paralisação da vida económica e social nas principais cidades de Moçambique. Sua mensagem, disse ele, visa também denunciar as eleições fraudulentas e a perfídia da classe política.

 

O grande dilema de Venâncio é a escolha do estilo da sua acção política, designadamente a opção entre uma postura de Estado, mais comedida e cuidadosa perante o desiderato da protecção das propriedades pública e privada, num movimento de moderação do seu radicalismo; e uma postura dita revolucionária, de luta sem quartel, quase espalha-brasas, arregimentando toda a sua falange de apoiantes, maioritariamente jovens marginalizados e sedentos de emprego e pão.

Para VM7, abraçar agora uma postura de Estado contrasta com sua determinação de tomar o poder já. Mas há quem pense que, diante da presente conjuntura eleitoral, ele podia orquestrar um recuo estratégico, táctico, pois parece quase certo que suas possibilidades de sucesso nas próximas eleições são enormes – tal como fez Adalberto Júnior, o líder da Unita em Angola. Mas VM7 não está disposto a esperar; ele quer tudo já. Por isso, ele optou pela “revolução” urbana.

 

O problema desta postura dita revolucionária é que ela arrasta o intolerável da destruição da economia e da propriedade privada. Por mais que VM7 convoque manifestações pacíficas, apenas de cartazes em punho, o mais provável é surgir juventude pronta para queimar pneus, afrontando de peito aberto uma Polícia debilitada na sua moral, esfomeada ela também, mal equipada, mas pronta para matar e não proteger. Uma revolução com este pendor de violência diminui o carácter messiânico da sua jornada política. Seus apelos a “manifs” pacíficas não estão a surtir efeito. E com a violência agora subjacente, ele perde o apoio de boa parte do pequeno e médio empresário e das classes médias urbanas também sedentas de mudança e alternância democrática, mas num registo de paz e serenidade.

 

O grande paradoxo destas “manifs” de VM7 é aquilo que é chamado de “o paradoxo do pão”. O pomo da reivindicação é, simplificando, a falta de pão em todas as casas marginalizadas da moçambicanidade. A rapaziada venancista reivindica pão nas suas casas, mas, no êxtase da revolta, destrói a cadeia de fornecimento desse mesmo pão que lhe dará forças para, no dia seguinte, enganar novamente o estômago para responder aos apelos do venancismo. Na “manif” de quinta-feira, industriais da panificação em Maputo foram severamente afectados, reduzindo as entregas; e na manhã de sexta-feira, revendedoras de pão nos bairros, que também foram vandalizadas e roubadas, imploravam para que recebessem remessas de pão nas suas bancas para revenda. E é provável que ontem, sexta-feira, a “manif” tenha perdido gás porque boa parte da rapaziada acordou sem pão em casa. 

 

Isto significa que a meta das 25 “manifs” de VM7 é uma miragem. Isso nunca vai acontecer. Sua revolução não tem estrutura logística para manter seus apoiantes tanto tempo na rua. Aliás, eles dependem de haver comida para a barriga. Com a vigência da vandalização da economia, o pão desaparece das mesas. E ninguém faz luta de barriga vazia. Ou seja, as “manifs” só terão sangue nas veias se a economia funcionar. Tal como no rescaldo das autárquicas: VM7 queria tanto estender suas “manifs” por longos dias, mas a Renamo tirou-lhe o tapete, e ele perdeu seu élan reivindicativo. 

 

Por outro lado, o sumiço de VM7 é, ele próprio, desmobilizador. Tradicionalmente, grandes líderes revolucionários não somem para esconderijos insondáveis, mesmo após um golpe fatal na véspera. Um bom líder acusa o golpe, mergulha no pranto, mas logo a seguir enxuga as lágrimas e enfrenta novamente o inimigo. 

 

O sumiço de VM7, mesmo depois ter sido ostensivamente visado por invólucros de gás lacrimogéneo na sequência imediata do assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe, não caiu bem em círculos que o apoiam, nomeadamente entre franjas da classe média urbana zangadas com a Frelimo, e que preferiam que ele continuasse dando o peito às balas até às últimas consequências. Daí decorre a questão de saber se ele vai fazer a mobilização das 25 “manifs” refugiado em “parte incerta”. 

 

Por outro lado, o corte da internet ontem foi um golpe profundo no seu principal vector de comunicação e mobilização. O regime de Nyusi, nos derradeiros dias da sua decadência, está disposto a ir até às últimas consequências para cortar-lhe as pernas.

 

O país está polarizado entre o radicalismo de Venâncio e a autocracia do martelanço de Filipe Nyusi, que atribuiu esta estonteante vitória eleitoral aos alegados feitos do seu segundo mandato, desastroso tal como o primeiro. O radicalismo do regime evidenciou-se também na forma tenebrosa como suas tropas atiraram contra os manifestantes, matando e ferindo sem contemplações. 

 

Como disse, o regime parece pronto para ir até às últimas consequências para se manter no poder. A relutância da CNE em averiguar as incongruências do processo de votação – que ela própria identificou – não permitindo a transparência nas etapas cruciais do apuramento, enquadra-se nesse radicalismo. Esta polarização entre o campo de VM7 e a ala Frelimista de Filipe Nyusi repercute-se também na sociedade e até nas famílias, nomeadamente nos grupos de WhatsApp. O país está profundamente dividido.

 

Então, o que fazer diante desta polarização extrema? 

 

A nosso ver, as principais confissões religiosas têm agora uma oportunidade para mostrar seu serviço em prol da defesa do povo moçambicano, promovendo o diálogo entre as partes. Tanto a Frelimo como o VM7 têm de assumir que, se o radicalismo prevalecer, quem perde não são seus egos, mas a totalidade da Nação. Isso significa que o movimento de moderação tem de ser assumido pelos dois campos; não se pode exigir que VM7 modere seu radicalismo sem que a Frelimo também mostre uma abertura para a mudança. 

 

Mas que “quid pro quo” é razoável para VM7 “baixar a bola”?  Um Governo de Unidade Nacional? Duvido que esta Frelimo tenha a maturidade do ANC para enxergar longe e assumir que é preciso abrir mão de parte do excessivo poder que exerce sobre o Estado e a sociedade, perpetuando seu monopartidarismo numa democracia encapotada. 

 

No entanto, na quinta-feira, na sede do partidão, diferentemente da narrativa fraudulenta de Nyusi, que agora recorre sempre à metáfora do jogo de futebol para falar de uma competição eleitoral com arbitragem proveniente das suas hostes, Daniel Chapo recuperou a velha perspectiva da inclusão, de que a Frelimo sempre falou, mas aplicou de forma hesitante, minimalista.

 

O grande desafio para a Frelimo (e para Chapo) é começar já a revelar em que consiste tal inclusão, quais os seus verdadeiros indicadores; se ela envolve apenas o alargamento do tachismo a uma meia dúzia de políticos da oposição, através da distribuição de cargos no sector empresarial do Estado; Ou se isso envolve a mudança da política. 

 

A luta de VM7 – e é aí onde ele busca a força motriz do apoio popular – não é por tachismo...é uma luta contra as desigualdades e contra todo o laxismo e corrupção desenfreada que tem conduzido celeremente Moçambique ao abismo. Uma inclusão deve envolver reformas políticas profundas, uma partilha programática que muda radicalmente o estado caótico da gestão do bem público. Sem isso, nada feito!

terça-feira, 22 outubro 2024 11:04

Vêm aí dias mais difíceis para os moçambicanos

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domingo, 20 outubro 2024 14:27

Saravá Homero Lobo!

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Eu queria tanto que o Homero voltasse para o jornalismo. Ele foi minha inspiração quando escrevia no "Desafio". Eu era um leitor entranhado. Aprendi muito com seu cronicar sobre os futebóis e quejandos. Descrevendo os golpes de asa do Nico com seu portentoso remate, os saltos de chita do Filipe Chissequere, evitando o golooooo que o grito do João de Sousa havia já dado como certo; os duelos excitantes entre o basquete sénior do Desportivo e do Maxaquene, na áurea e inigualável fase do reinado absoluto do astro Amade Mogne.

 

Eu ia fazer fila no quiosque dos jornais em Inhambane à espera dos jornais que vinham do Maputo para não perder o “Desafio". Sob a batuta do Renato Caldeira (que me confirmou esta tremenda morte em casa na semana passada, não escondendo sua voz machucada, mas sobretudo com pena da irmã, a mãe do Homero, que era a pessoa “mais direitinha” entre os irmãos), o Homero, no jornal, se destacava entre gurus como Alexandre Zandamela e Almiro Santos. 

 

Uma vez tentei me embrenhar nessa redacção à guisa de estagiário, um principiante ranhoso e apaixonado pela palavra escrita, mas ainda estava eu demasiado cru. O Homero foi se calhar o tipo que me acarinhou. Mas ele não controlava nada!

 

Quando vim a Maputo de vez, na segunda tentativa da aventura para o el-dourado murchante, já instalado no Mediafax com o CC e escrevendo Cultural no SAVANA (adorava as vernissages regadas da Associação Moçambicana de Fotografia, uma emblemática galeria engolida pelo lobby financeiro da capital), privei muito com o Homero nas cavalgadas culturais da cidade. Era um aficionado do Michael Jackson, com tiques de “bon vivant”. Um rapaz muito fixe. Seu lado humano era decente e dizia o que pensava, sem o receio de remorsos. 

 

Andou na UFICS - tal como muitas das vozes incontornáveis de hoje - aquela fábrica de cérebros que o Brazão Mazula fez diluir, integrando as Ciências Sociais na Faculdade de Letras da UEM. Ele foi da segunda leva de uficsianos. Eu da terceira. Nunca nos cruzámos discutindo nos corredores os clássicos da Ciência Política da formação do Estado Moderno ou mesmo a epistemologia em Bachelard. Ele fez Administração Pública e andou por aí, trabalhando pela vida, sempre com um pé no jornalismo e na vivência da vida.

 

Em 18 de Dezembro de 2018, Homero Lobo assumiu funções como Editor da "Carta de Moçambique". O jornal tinha nascido no mês anterior. O jornal publicou uma sua mini-bio assim, galanteando-se pela aquisição de um galáctico: 

 

“Homero Lobo é jornalista há 32 anos, tendo iniciado a sua carreira na Sociedade Notícias. Naquela casa permaneceu por uma década e esteve ligado ao nascimento do primeiro jornal desportivo nacional, o Desafio. Mais tarde voltou a estar igualmente ligado ao surgimento de um outro jornal desportivo/cultural, o Campeão, onde desempenhou as funções de Editor do suplemento cultural. Ao longo destas três décadas de percurso jornalístico pertenceu aos quadros do jornal Savana, das revistas Sol do Índico, MozIn e Moz Business, para além de ter colaborado com uma série de publicações nacionais e estrangeiras. Foi igualmente Assessor de Comunicação em diversos organismos nacionais (estatais e privados), com especial destaque para o Ministério da Administração Estatal e Função Pública e o Conselho Municipal de Maputo. Pertence à primeira ‘fornalha’ de licenciados em Administração Pública, pela UFICS (UEM), e possui ainda uma pós-graduação em E-Government pelo SIBIT (Shriram Institute of Business and Information Technology) de New Delhi, Índia. Tem formação média em jornalismo pela Escola de Jornalismo”.

 

Como Editor na "Carta", Lobo foi enviado por duas vezes para cobrir os procedimentos judiciais à volta da tentativa de extradição para Moçambique do antigo Ministro das Finanças Manuel Chang. Já não tinha a disciplina férrea de um “enviado especial”, mas suas crónicas, às vezes passando ao lado do essencial, buscavam o lado mais travestido da vida mundana. O escritor Sérgio Raimundo, que também trabalhava na "Carta" nessa altura, não ficou nada impressionado pelo jeito "fudjista" do Homero aquando do caso Chang.

 

Na semana passada, na quentura da partida do jornalista, Raimundo escreveu assim: "Aquando do julgamento de Manuel Chang, na África do Sul, Homero foi o nosso enviado especial. O Homero enviou-nos um texto e depois sumiu. Não mais soubemos dele. Um jornalista amigo disse-nos que sempre via o Homero nos corredores do tribunal. Depois de uns dias, o Homero ressuscitou e enviou-nos um longo texto, bem escrito, no qual relatava as pulseiras da juíza que amarinhava o julgamento. E nada sobre o julgamento!". Ri e chorei. Raimundo não conheceu o escriba beirense na sua fase mais intensa.

 

Sua passagem por esta empresa foi efêmera. Ele queria tanto regressar para a Beira, se reencontrar nas profundezas da sua Munhava. Qualquer coisa o incomodava em Maputo. E zarpou para o Chiveve sem qualquer despedida.

 

Quando veio o IDAI (ciclone) ainda consegui cravar-lhe dois ou três dedos de  crônicas com sua narrativa escorreita, linguagem elegantemente figurativa e uma descrição brutal da verdadeira. Queríamos que ele escrevesse sempre, impregnando seus mundos coloridos em nosso jornalismo envolto neste "leitmotiv" epistolar, e ele se furtava. Sua disponibilidade para o jornalismo se esvaziara, inversamente à indumentária "dreadlock" que trajava. Quando, depois do anúncio da sua morte, me recordei da sua adoração por Michael Jackson, um amigo lembrou-se da cabeleira do Homero, imitando justamente os devaneios capilares do eterno Rei do Pop. Ele editava textos ouvindo Billie Jean. Quanto bom gosto. Saravá Homero!

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O assassinato do advogado Elvino Dias (mandatário da CAD) e de Paulo Guambe (mandatário do PODEMOS), na madrugada de hoje na zona da COOP em Maputo, é a derradeira tinta indelével do horror que está a marcar o presente acto eleitoral e, por incrível que pareça, simbolizando os últimos dias do regime de Filipe Nyusi, a figura mais autocrática e errática que a Frelimo colocou no poder desde a independência deste país em 1975.

 

Depois que a CAD, a primeira plataforma de apoio à candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, foi barrada de participar do acto eleitoral, Elvino Dias permaneceu como assessor jurídico do VM7, que, entretanto, acabou viabilizando sua candidatura através do Partido Podemos. Elvino era um perspicaz advogado, intrépido, com fibra rija de combatentes. Ele fez furor o ano passado, nas tenebrosas eleições autárquicas, litigando como um gladiador solitário numa arena de justiça eleitoral moldada para favorecer o regime de Filipe Nyusi e não a vontade do eleitor. 

 

Apesar desse cenário de campo eleitoral desnivelado a favor da Frelimo, Elvino Dias mostrou que era capaz de esgrimir argumentos contra a batota eleitoral vigente, sempre munido de evidências inabaláveis, desafiando até o Conselho Constitucional. Ele foi assassinado quando justamente se preparava para levar as evidências da reivindicação de vitória de Venâncio Mondlane e do Podemos ao Conselho Constitucional.

 

Elvino sabia que ele era um alvo, tal como VM7. Nos últimos dias, ele postou o seguinte na sua página do Facebook:

 

“Quando soube, através de um amigo que me quer bem, que havia um plano milimetricamente desenhado pelos Esquadrões da Morte para tirar a vida do Engo Venâncio Mondlane e a minha, pensei em fugir por alguns dias da cidade de Maputo. Mas antes, liguei ao Engo para lhe contar em primeira mão dessa pretensão e também lhe sugerir a sua fuga por alguns dias. Ele, apesar de também mostrar preocupação, disse-me que não era necessário fugir; pois, eles sabem perfeitamente onde nos encontrar; foi a opção da vida que escolhemos; estar do lado da verdade e justiça. (...) Na verdade, num país ao avesso como o nosso, a verdade e a justiça têm o seu preço; e o maior preço é a morte de quem a diz. Desde que os esquadrões se reuniram para nos tirar a vida, não tenho dúvidas (...)”.

 

Pois...de forma macabra, ele pagou o preço, com a morte, de lutar pela verdade e justiça eleitoral.  Ele era apenas um advogado que lutava politicamente em sede do Direito. Inofensivo, tal como Giles Cistac, que nos iluminava politicamente sobre Direito em sede da Academia. Cistac foi barbaramente assassinado nos primeiros meses da vigência do Nyusismo, em Março de 2015. Era um sinal do que viria a ser este caótico consulado. Elvino Dias e Paulo Guambe são os últimos mártires da nossa democracia recente. Eles foram mortos por uma única razão: fazer oposição política, usando legalmente o aparato institucional da nossa democracia incipiente.

 

E agora? Agora ficou claro que o assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe foi também uma ameaça aberta a Venâncio Mondlane. Sua vida pode estar em perigo. Ele desafiou de forma arrojada o regime e mostrou que é possível propor ao seu eleitorado jovem uma nova forma de governação, com uma verdadeira abordagem distributiva da riqueza do país, agora apenas acessível a uma restrita elite da Frelimo.  Sem Elvino Dias, Mondlane fica limitado à sua acção legal de disputa dos resultados eleitorais junto do CC. Mas é esperado que surjam imediatamente voluntários para levarem a cabo esse desiderato em regime “pro bono”.

 

A grande questão que agora se coloca é: até onde o regime da Frelimo pode barricar-se para manter-se inamovível no poder, não querendo abrir uma pequena mão desse poder perante os resultados contestados destas eleições? Será mesmo preciso, num futuro não muito distante, que a juventude saia para as matas e promova uma nova revolução armada, como apregoava Carlos Cardoso, quando na redacção gritava suas premonições acertadas em face da escalada galopante da corrupção e do roubo ao Estado.

 

O futuro depende de a Frelimo vestir as roupas da humildade e chapéu do bom senso. O problema agora parece não ser Daniel Chapo. Com Nyusi ainda no comando, mergulhado em seu nervosismo indisfarçável, seu modelo autocrático vai marcando o compasso do processo político nacional. Na passada terça-feira, a Comissão Política da Frelimo determinou uma coisa: tolerância zero para VM7. Era a tirania sendo decretada, diante de um silêncio ensurdecedor da linha chamada reserva moral e dos que, consta, são favoráveis a reconhecer que uma partilha, mesmo que limitada, do poder (por exemplo, concedendo maior representação parlamentar ao Podemos) pode ser crucial para o futuro do partido. Definitivamente, a Frelimo não está a perceber os sinais dos tempos. 

 

Mas...matar para quê!?

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Quando há sete anos, num dia 5 de Outubro, uma esquadra Policial da República de Moçambique foi assaltada em Macomia, Cabo Delgado, os moçambicanos nunca imaginaram o horror que marcaria a vida dos seus conterrâneos nos distritos mais nortenhos da província do gás do Rovuma. O Governo de Filipe Nyusi desqualificou o ataque, memorizando seu significado simbólico e descartando a consequência nefasta para a segurança do Estado. Era um caso de Polícia! 

 

Nas semanas seguintes, o horror implantou-se, a tragédia engravidou o horizonte. Os monstros haviam iniciado uma onda abjecta de decapitações. A tragédia horripilante se instalara em Cabo Delgado, qual guernica dos nossos tempos. Com o tempo, um cenário apocalíptico pintando os quadros do horizonte e as paredes do nosso quotidiano. A hedionda táctica do terror se implantara. Decapitações em massa, crianças esfaqueadas, mulheres esventradas, inclusive grávidas. Aldeias inteiras incendiadas. 

 

Carta de Moçambique nascera em Novembro de 2018. Na altura, a generalidade da imprensa local cavalgava as ondas da auto-censura, expondo seu silêncio ostentado sobre a tragédia. Com recurso a um jovem repórter louco, Amade Aboobacar, nossa linha editorial dedicou atenção sobre a matança em Cabo Delgado. A carnificina era todos os dias exposta. E “cunhamos” a ideia de que estávamos perante uma "insurgência", com os vestígios marcantes do "jihadismo" tal como é conhecido. 

 

Mas à medida que a carnificina se sedimentava, do aparato castrense se aplicava o silêncio negacionista. Basílio Monteiro e Bernardino Rafael seguravam as rédeas de uma narrativa governamental que minimizava da forma mais cruel a vida dos moçambicanos. 

 

A ladainha do caso policial mantinha-se incólume. E, na "média", todos os que ousássemos expor o terror em Cabo Delgado éramos visados pelos "mahindras digitais" do nyusismo, com toda a petulância que se lhe conhece. O regime activou “mahindras digitais” para expelirem seus uivos tenebrosos contras nós. Éramos os maus da fita, uns contra-natura. Amade Aboobacar foi detido em Macomia e levado para Pemba (mais tarde o jornalista Ibraimo Mbaruco foi silenciado em Palma).

 

Mas o recrudescimento do terrorismo fez parangonas cujo impacto levantou dúvidas sobre a perversa coexistência entre o terrorismo e a exploração do gás no Rovuma. Mesmo assim, a reacção governamental contra a insurgência – mais tarde cunhada de "terrorismo" pelo Governo – esteve centrada na acção policial, com protagonismo notório do Ministério do Interior, que controlava todo o procurement inerente, com os gastos militares subindo exponencialmente. Fontes seguras relataram a presença de uma festança corruptiva sem precedentes na cadeia dos gastos com o esforço de contenção do terrorismo.

 

Em Setembro de 2019, quando a coisa já estava demasiado preta, chegaram os mercenários da Wagner, naquilo que foi o primeiro envolvimento de forças exteriores em Cabo Delgado, e apenas depois de se considerar que o assunto era militar e ter sido desencadeado o envolvimento mais directo das nossas forças armadas, que se revelaram não preparadas para além de uma gritante pobreza logística.

 

A táctica dos mercenários da Wagner era a da “terra queimada”. Eles queriam incendiar o mato onde havia focos de terror, varrendo tudo o que fosse elemento vivo. Essa táctica foi recusada pelo regime de Nyusi e as incursões no terreno fracassaram, surgindo Lione Dyck, o falecido patrão dos mercenários africanos da Dyck, fazendo troça dos russos para conseguir o negócio moçambicano, sempre bem pago. O grupo Dyck chegou em 2021, em pleno Covid-19, para prestar apoio aéreo. E quando estava a obter algum sucesso, com violação dos direitos humanos à mistura, o General Eugénio Mussa, sua principal contraparte no Exército, foi “morto” pela Covid-19.

 

Depois da Dyck seguir-se-ia na fileira de apoio ao Governo a tropa de Kagame, do Ruanda, e a SAMIN (Missão Militar da SADC-Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral) e também da Tanzânia. Estranhamente, todo esse envolvimento estrangeiro em Moçambique foi feito à revelia das entidades representativas da soberania nacional. 

 

Bertolino Capetine diz sem papas na língua que, na reacção contra o terrorismo em Cabo Delgado, nunca houve declaração de guerra. Tudo que foi feito não obedeceu aos comandos obrigatórios, incluindo a falta de consulta ao Conselho Nacional de Defesa e Segurança (CNDS). Sua palestra na semana passada, em parte vertida nesta edição de Carta da Semana, foi um autentico libelo acusatório contra uma conduta errática e ilegal da guerra em Cabo Delgado.  

 

Durante estes anos todos, o esforço de guerra foi tremendo, com os gastos orçamentais. Só entre 2017 e 2020, nosso país tinha gasto mais de 1 bilião de USD por causa da guerra (de acordo com um relatório do CIP). Ou seja, o nosso Governo embarcou para um ostensivo despesismo de guerra sem ter declarado guerra, sem ter envolvido o CNDS e a Assembleia da República (AR) quando teve que abrir as fronteiras a países estrangeiros, incluindo a entrada e pagamentos milionários a mercenários.

 

Ou seja, estamos perante um novo calote que deve ser investigado, primeiramente em sede da Comissão Parlamentar de Inquérito. Para que isso possa vir a acontecer na próxima legislatura é do interesse nacional que a configuração da próxima Assembleia da República seja de tal modo equilibrada que a Frelimo não possa protelar o derradeiro inquérito ao nyusismo. A demissão de Bertolino na semana passada foi um indicador do seu nervosismo culposo. A guerra de Cabo Delgado foi uma maquinação ilegal e isso deve ser investigado e responsabilizado.

 

Marcelo Mosse

 

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Na semana passada, mais um desses insípidos anúncios de uma adjudicação por ajuste directo veio escarrapachado no matutino incontornável, a pretexto de transparência. Tratou-se de mais uma “golpada” do conglomerado de José Parayanken, através das suas MHL Auto (concessionária da Mahindra) e FAUMIL (que detém o monopólio do fornecimento de uniformes às entidades castrenses de Moçambique).

 

As suas empresas gozam de um privilégio oferecido de bandeja pela UFSA. Mas seu beneficiário não é revelado nos documentos. A ligação de Parayanken com as referidas empresas é conhecida através de noticiário estrangeiro de plataformas ditas de informação classificada.

 

Durante muitos anos em Moçambique, beneficiários efectivos de negócios altamente lucrativos e centrados no Estado – muitos dos quais feitos a coberto da manipulação e do tráfico de influências – escondiam-se por detrás da opacidade das Sociedades Anônimas. Justamente, esse postulado legal foi revogado, agora no advento da transparência e do “follow the money”, que contempla anticorpos cada vez mais incisivos contra a lavagem de dinheiro (por favor, usem a noção de lavagem que não de branqueamento de capitais – esta última tem muito preconceito e não é assertiva.

 

O novo Código Comercial aprovado em 2022, e que já está em vigor desde 2023, manda que as sociedades devam ajustar os seus contratos de sociedade (Estatutos). Uma das grandes inovações deste código – em cumprimento das regras e standards da GAFI (Grupo de Acção Financeira Internacional), um órgão intergovernamental que estabelece padrões de gestão de riscos e prevenção de fraudes, bem como boas práticas no desenvolvimento de actividades relacionadas ao sector financeiro, prevenindo a lavagem de dinheiro e seu financiamento ao terrorismo – é a proibição da existência de acções ao portador. Ou seja, todas as acções das sociedades anÓnimas devem ser nominativas.

 

Isto significa que a falta de indicação de determinados beneficiários efectivos, nos documentos oficiais sobre contratação pública em Moçambique, como se depreende da lista da UFSA sobre os fornecedores do Estado em 2023, é uma grande afronta do nosso governo contra as regras da GAFI, depois de muito esforço feito para que possamos sair da lista cinzenta.

 

A questão final é: o que é que a MHL, empresa que se tornou com o nyusismo o principal fornecedor de automóveis ao Estado, incluindo veículos militares, tem a esconder? Quem a protege?

 

Um dos grandes desafios do futuro Governo no quadro do controlo da corrupção é justamente a remoção dos cartéis que manipulam o procurement público nos diversos sectores do Estado.

 

A MHL, por causa das suas ligações políticas, tornou-se no campeão do fornecimento de viaturas ao Estado, e essa dominação não decorre unicamente do “value for Money” dos seus produtos. Decorre, como disse, das suas ligações políticas e da sua capacidade de olear as máquinas corruptivas das UGEAs (Unidades de Gestão de Aquisições) sectoriais. Se a MHL domina no fornecimento de viaturas, a lista da UFSA confirma a percepção sobre  uma certa  cartelização do procurement público em Moçambique. Ou seja, cada sector do Estado tem o seu dono. No livro escolar, nos eleitorais, nos medicamentos e no equipamento hospitalar. Tudo tem um dono. Como reverter este cenário? Eis a questão final.

 

Adeus Rui de Carvalho!

 

PS: Morreu o jornalista Rui de Carvalho. Sua história é de alguém que, antes de ser jornalista, era uma fonte de informação. Depois foi arregimentado para uma redação. Pelas mãos do Carlos Cardoso. Creio que o Rui juntou-se à pequena equipa do mediaFAX em 1995. Eu tinha vindo de Inhambane em 1994 (onde fazia reportagem na RM) e na redacção já estavam o saudoso Orlando Muchanga e o Arnaldo Abílio (que cursou Direito e hoje exerce como Magistrado do Ministério Público). O Rui era uma fonte do CC no conturbado contexto da desmobilização depois do AGP em 1992. Ele fornecia informações sensíveis sobre os desmandos do exército, incluindo na gestão financeira, etc. Ele era um oficial do Exército, tendo chegado a patente de Capitão, com a qual foi desmobilizado. Depois das eleições de 1994, o interesse particular numa fonte como ele perdeu-se pois já não havia "assuntos''. Cardoso mandou-lhe então sentar-se na redação. E o Rui permaneceu durante dois anos. Em 1996, depois de uma “briga ética” com o editor, ele teve de sair. Mas nunca deixou o jornalismo, a par de uma militância frelimista discreta. Depois do mediaFAX, o Rui esteve ligado à fundação de algumas iniciativas editoriais, uma das quais é o semanário Público, onde a sua paixão pelo partido Frelimo ficou vastamente patente. Essa militância, valeu-lhe um lugar como Vereador no Conselho Municipal de Maputo, no acual elenco de Razaque Manhique.

 

Há uns meses, logo após ele tomar posse, eu disse-lhe: parabéns Rui, finalmente!

 

Ele retorquiu: “Finalmente o quê, Mosse! Eu estou doente”.

 

E falou-me penosamente da sua doença, com a voz amargurada, de um cancro da próstata que, segundo ele, foi diagnosticado tardiamente; ele não ligou aos sintomas, protelando os exames. Foram alguns amigos que notaram, num convívio, suas idas constantes ao urinol. E o alarme soou! Depois do diagnóstico, a solução era uma cirurgia, com consequente perda da virilidade. Rui imaginou a simbologia inerente a esse infortúnio e descartou tal cirurgia. Nos últimos dois anos, ele esteve sucessivamente entre a RAS, Portugal e Índia, mas seu tumor derrubou todas as radio e quimeoterapias. Ele desenvolvera uma metástase. E, nesta semana, chegou a notícia da sua morte, quase que esperada entre aqueles que acompanharam seu calvário.

 

Durante estes anos todos, desde 1995, mantive uma amizade afável com o Rui de Carvalho e, por isso, curvo-me aqui, na hora da sua morte! (MM)

segunda-feira, 23 setembro 2024 11:54

Uma obsessão maliciosa contra a pequena corrupção

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Na semana passada, a Ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, veio ao pública denunciar os pais que “ensinam a corrupção aos alunos”, não investindo na sua preparação ao longo do ano, mas oferecendo dinheiro aos filhos para estes subornarem os professores em troca da sua passagem de classe. Com essa acusação, ela fez seu resumo pleno da corrupção no sector da educação em Moçambique; para ela, o fenômeno grassa apenas lá nos níveis mais baixos da estratificação social.

 

E face ao cenário, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano assinaram, na terça-feira, um memorando de entendimento que visa reforçar a educação comunitária e dos alunos sobre a prevenção contra o recrutamento dos jovens para as fileiras da criminalidade, com enfoque na corrupção.

 

“Estes programas irão capacitar, igualmente, os professores, oferecendo ferramentas eficazes para identificar sinais de risco e prevenir a criminalidade, com enfoque para a corrupção, branqueamento de capitais, extremismo violento, tráfico e consumo de drogas”, referiu, por sua vez, a PGR Beatriz Buchili.

 

Nada mais falacioso! A mobilização das classes profissionais do sector público para a mudança de comportamento, no caso da cobrança de subornos, depende de haver incentivos estruturais que estimulem a sua adesão à reforma. E para isso,  remuneração condigna é um dos incentivos. Em Moçambique, os professores vivem no quadro da incerteza salarial. Pior, uma semana antes desta falaciosa abordagem, o Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, reconhecia que o Governo deve aos professores mais de 3,3 mil milhões de Meticais, relativos ao pagamento de horas extras aos professores.

 

Como se vê, as condições no terreno são mais propícias à manutenção das práticas nocivas. Os pais dos alunos subornam os professores porque estes, num quadro de miséria, estão predispostos a receber, com todo o despudor ético.

 

Um sistema corrupto desde o topo da administração do Estado (e do Governo), permitiu que se chegasse a um cenário onde as trocas corruptivas acontecem de forma tácita na infra-estrutura da sociedade. Ninguém tem vergonha. Nas camadas inferiores da sociedade a facilidade com que a corrupção é praticada é reflexo da impunidade a que está votada a grande corrupção. “Se o governante rouba e come sozinho porque é eu não vou roubar?”. Esta é, pois, a mentalidade vigente.

 

De modo que é errado esperar que a pequena corrupção seja revertida isoladamente, sem um combate cerrado à grande corrupção. Infelizmente, em Moçambique ninguém está interessado em controlar a grande corrupção. "O mindset" dominante na classe dirigente finge que a grande corrupção não existe, mas a manipulação do procurement público tornou-se no principal mecanismo de acumulação de renda por parte das elites governantes.

 

No sector da Educação, a problemática do livro escolar decorre de uma guerra entre facções rivais para o controlo  de adjudicações de vários milhões de USD. E disto, da grande corrupção na Educação, a Ministra nao fala!

 

Pior foi o consulado cessante, de Filipe Nyusi, que simplesmente, imbuído na sua profunda ignorância, tentou vender a ideia de que não há qualquer distinção entre pequena e grande corrupção, focando qualquer discurso de anticorrupção na pequena corrupção. De resto, esta abordagem era consistente com o descalabro estatístico do Gabinete Central de Combate à Corrupção, que em cerca de 20 anos esteve focado na pequena corrupção, com um track record desastroso quanto à grande corrupção.

 

Agora, com a certeza de novo Governo, Moçambique precisa de sair da redoma do negacionismo nyusista e enfrentar o problema da grande corrupção. Isso passa por Daniel Chapo ir para lá da "digitalização". no seu discurso anti-corrupção. 

 

A redução da "interface" humana entre os utentes do sector publico e a burocracia da administração apenas reduz a pequena corrupção. Mas, na sua essência, passa ao lado da grande corrupção, que é mais corrosiva e vai adiando o país.

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