Por Marcelo Mosse
Os restos mortais de Bernardo Lidimba, Director Geral dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), que encontrou morte violenta em alegado acidente de viação em Mpuzi, distrito de Mapai, no noroeste de Gaza, a poucos quilómetros da fronteira com o Zimbabwe, foram transladados por helicóptero no fim da manhã deste domingo para Maputo, concretamente para a morgue do Hospital Militar em Maputo.
O Ministério do Interior, que anunciou a fatalidade no fim do dia de ontem, disse que a viatura em que Lidimba seguia “despistou-se e capotou”. "Carta" apurou hoje que, com Lidimba, um maconde de Montepuez, estavam mais três pessoas, nomeadamente o motorista, o ajudante de campo e um assessor. Os três estão hospitalizados com ferimentos (não saíram ilesos como escrevi esta manhã num “post” no X), mas sem risco de vida.
Apesar da “normalidade” com que o Ministério do Interior encarou a morte de Lidimba na sequência de um acidente, informações recolhidas pelo nosso jornal apontam para elementos circunstanciais que mereceriam uma atenção particular em sede de uma investigação forense.
Ontem, por causa da instabilidade política que o país vive, Lidimba participou de uma reunião do Comando Conjunto das Forças de Defesa e Segurança (CCFDS), um órgão colectivo de coordenação operativa institucional cuja missão é “analisar, avaliar e delinear estratégias com vista a fazer face a diversas situações emergentes na garantia da segurança nacional”.
Após essa reunião em Maputo, Lidimba partiu para uma “missão” secreta, no norte de Gaza, junto da fronteira com o Zimbabwe.
Curiosamente, ele partiu sozinho para essa missão sem a companhia do Director da Divisão de Operações Internas do SISE e do Director Nacional na Divisão de Operações Internas do SISE, e que, por regra, participaram num evento semelhante de trabalho operativo.
Os dois directores são, por inerência, membros do Comando Operacional do Comando Conjunto Central, o órgão operativo do Comando Conjunto. Nos meandros das forças castrenses, colocam-se duas questões centrais: o carácter marcadamente enigmático da missão (aparentemente seus pares no Comando Conjunto Central não tinham conhecimento da missão); e, por outro lado e dada a distância do local da missão (a fronteira com o Zimbabwe), por que razão Lidimba não viajou de helicóptero.
Seja como for, Lidimba, Antigo Director Provincial (Cabo Delgado) do SNASP (o então temível Serviço Nacional de Segurança Popular, um serviço paramilitar e de inteligência do governo de Moçambique, desde a independência em 1975, até 1991, quando foi substituído pelo SISE; tinha poderes quase absolutos, incluindo a manutenção da detenção por período indeterminado e a negação do direito a habeas corpus, entre outros), desde o passado dia 20 que andava em constantes missões no terreno, designadamente visando manter os operacionais da “secreta” em prontidão em face dos tumultos por causa dos resultados eleitorais e da convocação da marcha para Maputo, com epicentro agendado para o próximo dia 7 de Novembro.
"Carta'" apurou que, em privado, Lidimba, cujo nome de guerra era “Tchombe”, andava preocupado essencialmente com duas coisas: a) a “deriva ideológica” da Frelimo e b) a convicção de ter sido “injectado muito dinheiro”, de fora e de dentro do país, para insuflar oxigênio nas manifestações em curso, que, para ele, visam essencialmente o “derrube” do regime da Frelimo.
Apesar do enigma da missão de Lidimba junto à fronteira do Zimbabwe, “Carta” apurou que o Governo estava a mandar vir daquele país “stocks” de artefactos de gás lacrimogéneo e munições para uso por parte das forças policias, uma vez que, no caso do gás lacrimogéneo, o “stock” existente está fora do prazo, segundo uma fonte bem colocada.
“Tchombe” foi o terceiro chefe da secreta do Nyussismo. Ele foi nomeado por Filipe Nyusi em Maio de 2022, em substituição de Júlio dos Santos Jane. Este tinha sido nomeado em 2017, em substituição de Lagos Lidimo. Antes da posição cimeira no SISE, Lidimba passou sucessivamente pelos cargos de Cônsul de Moçambique no Malawi (por regra, todos os chefes dos serviços consulares de Moçambique no estrangeiro são membros do SISE), Chefe do Protocolo Nacional e Embaixador no Quénia.
Após o anúncio da sua morte ontem, o Ministro do Interior, Pascoal Ronda, disse que as autoridades policiais abriram uma investigação, mas é bem provável que nada de substancial venha a ser revelado. Lembre-se, como Lidimba, o antigo Director o SISE, José Castiano de Zumbire, natural do Chimoio, perdeu a vida em circunstâncias estranhas em 2004, na transição entre o consulado de Joaquim Chissano e o do Armando Guebuza.
Foi Zumbire que fez a transição entre o SNASP e o SISE e, em 2004, logo após a tomada de posse de Guebuza, ele foi encontrado morto, tendo sido levantada a suspeita de “envenenamento”, alegação que nunca foi provada em sede da medicina legal. Na altura, o falecido médico legista do Hospital Central de Maputo, Eugénio Zacarias, que era afilhado de Zumbire, bem queria fazer o derradeiro exame ao cadáver do finado para esclarecer os motivos da sua morte, mas a família foi instruída para evitar o procedimento.
Tal como Zumbire, Lidimba morre em circunstâncias estranhas, aventando-se agora, em muitos círculos, a hipótese conspiratória da “queima de arquivo”. M.M