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terça-feira, 31 outubro 2023 09:10

O início da sabedoria é chamar as coisas pelo seu nome correcto - Confúcio

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O modelo Kübler-Ross ajuda a entender o processo de mudança e como as pessoas respondem. Este identifica [1]com uma doença incurável ou que passou por uma perda grave. No  primeiro estágio (de negação), a  pessoa  não vive  numa "realidade real”, mas, sim, numa realidade "preferível". Assim, poder entender cada um dos estágios ajuda tanto a família como o próprio doente e a sociedade.

 

No nosso caso, o diagnóstico já foi dado há muito tempo, de várias formas, pelo cidadão comum, pela sociedade civil e, principalmente, internamente, no partido. Há anos que os debates nos convívios informais, e não só, são sobre o aumento da corrupção, a degradação da qualidade dos membros do partido e da qualidade de vida no geral. O que antes era uma cegueira deliberada, a pobreza e o desespero do povo, hoje são tão óbvios, que até crianças conhecem os cantos chamados revolucionários da oposição, que mesmo não trazendo um manifesto progressivo ou bem elaborado, consegue abanar a casa de palha. Só que, mesmo com o diagnóstico e com as cartas no chão, parece que continuamos no estado de negação. O impossível, o improvável aconteceu?  Roma caiu ou não? Estamos com dúvidas. O eco da suposta vitória da Renamo em cidades chave paira no ar. Desta vez, o povo não foi persuadido pelas camisetes, ou por outro meio, pois nem promessas foram efectuadas. A indicação das irregularidades deste processo eleitoral e o desespero para a mudança podem dar credibilidade a outros actores que acreditam em formas não convencionais para se alcançar o poder porque todas as outras vias estão bloqueadas.

 

Várias análises estão a ser feitas sobre o momento actual. Algumas apontam, como sempre, para uma mão externa, outras para uma conspiração interna ou a tentativa de um 3º mandato. Qualquer que seja a razão, o que nós como partido precisamos é de encontrar um caminho para frente, reformar e reconciliar os corações e as mentes. Isso significa olhar para trás, não com nostalgia ou um dever histórico, mas como inspiração para dialogar abertamente com membros antigos e novos para encontrar soluções. É preciso entender o Moçambique de hoje, com acesso às tecnologias de informação, onde o sofrimento e a desilusão no norte ou no centro é igual ao do sul, e que, sim, estes últimos também podem mudar a tendência de voto.

 

“Um Estado de ricos e poderosos em que uma minoria decide e impõe a sua vontade, quer aceitemos ou não, quer compreendamos ou não, é a continuação sob novas formas da situação contra a qual lutamos” (S.Machel Frelimo,1974[2]). Como é que, em 2023, todos os pilares do partido estão com a oposição. Viva! Viva!! Povo no Poder! até a Praça dos Combatentes. Parece que estamos com vergonha do nosso passado popular. Vergonha de estar associado à pobreza e bêbados com a ilusão de vitórias de curto prazo. Um comício da oposição tem a presença do povo, a urgência da face dos esfomeados e um grito de socorro.  Por outro lado, o nosso é uma competição de motas, carros de luxo, uma verdadeira tropa elitista. Sim, é bonito de se ver, mas a alma fica perdida na pobreza do momento e deixa no ar um sentimento colectivo ou individual de amnésia. Olhando para um lado, vês o camarada que estava na capa do jornal por algo obscuro, viras e vês outro que devia estar na prisão, mas está livre. Fica o sentimento de auto-hipnose e, reformulando as palavras de um histórico do partido, não basta ser. Nós temos colectivamente de dizer que a realidade não é essa escolhida por alguns.

 

É um absurdo que, faltando menos de um ano para as eleições presidenciais, tenhamos de aceitar e defender decisões impopulares que irritam e afastam o eleitorado. Ao atrasar a selecção interna de candidatos, o partido não está a dar tempo suficiente para que sejam conhecidos e reconhecidos. Estas eleições mostraram que a “boleia” do partido já não é suficiente, pelo contrário. Precisamos de alguém suficientemente carismático e com realizações, que possa carregar o Partido não só para a vitória, mas principalmente para uma mudança inevitável, que demonstre que nem todos são farinha do mesmo saco.

 

Escudando-se nos estatutos, e com raras excepções, parece que no partido só existem pessoas fracas ou muito disciplinadas, mas o certo é que muitos têm medo de expressar a sua opinião devido às represálias ou por medo de afectar os seus interesses empresariais. Porque não se ouvem vozes a solicitar uma reunião extraordinária do comitê central? Porque o comunicado da Comissão Política soa como um “meme”? A incerteza não é boa para a economia e o partido não está a transmitir confiança aos seus membros.  Parece que estamos todos reféns: o partido, o povo, o país.

 

Não podemos ser como avestruzes pondo a cabeça em baixo enquanto o povo clama por justiça. Este é um momento crucial, de fazer ou quebrar. Nos próximos meses, temos de mover montanhas para mostrar que ainda somos melhores que a oposição. Precisamos de sinalizar uma era de confiança. Devemos resgatar membros que foram afastados por expressarem os seus alertas, chamar de volta os intelectuais, reconectar com o povo. Precisamos de resgatar valores e, acima de tudo, precisamos pedir desculpas às pessoas que enganamos.

 

Imagino que iniciar nesta altura um processo de “filtração”, de justiça segundo os valores que nos foram incutidos, olhando para os estatutos do partido e aplicando as sanções correspondentes, tornaria uma grande parte dos membros inelegível. Por outro lado, considerando o presente estágio, fica difícil imaginar um cenário interno democrático e não viciado. Quem poderá votar para o seu próprio fim? Será que o “consenso” vai ser colocar todo o mal debaixo do tapete, cantar canções de vitória e esperar por um milagre enquanto os que detêm o poder económico consolidam e consomem os últimos anos de glória de um país que caminha para o caos.

 

As cartas estão lançadas. Temos de (re)conectar com a essência da Frelimo, não para reivindicar o papel histórico na conquista da independência, mas para nunca esquecer a razão da luta. Mudar é inevitável, quem não progride estagna e torna-se irrelevante.

 

A luta continua!

 

Maputo, 29.10.2023

 

Mantchiyani S. Machel

 

[1] (i)negação,(ii) raiva, (iii)negociação, (iv)depressão e (v)aceitação

[2] S.Machel;  Estabelecer o poder popular para servir as massas .FRELIMO, 1974

 

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