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terça-feira, 26 abril 2022 08:46

Em socorro dos empregados de mesa!

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Uma das prestimosas lições que o meu falecido pai deixou foi a de que nunca, NUNCA MESMO, devia trabalhar, em qualquer que fosse a circunstância ou empreitada, com uma pessoa esfomeada. Antes de iniciarmos o trabalho, fosse qual fosse a dimensão, recomendava o velho Eugénio que devia procurar saber se a pessoa (ou pessoas) com quem ia trabalhar teriam comido alguma coisa já ou não. Extremamente importante isto, vim a constatar anos mais tarde! Não só nas pequenas empreitadas domésticas, mas também na vida profissional.

 

Não estamos a falar de grandes empreitadas, mas de afazeres domésticos. Muitas vezes, lá em casa rural em Xipadja era necessário ou (re)construir um simples celeiro, ou uma capoeira, um curral; mas, às vezes, era preciso construir ou reconstruir uma palhota mesmo. Era nestas pequenas empreitadas domésticas em que se cingia a recomendação do professor Eugénio. Não estou a falar das empreitadas profissionais… essas foram poucas lá em casa.

 

É que, reza o ensinamento, uma pessoa com fome ou pode perder sentidos e cair e morrer até, ao longo do trabalho, portanto, nas tuas mãos; ou pode cair em cima de ti… causando-te lesões inesperadas e de dimensões incalculáveis; ou, ainda, cair embaixo dos paus, blocos, na cova, consoante o trabalho em execução e haver consequências dramáticas, que até podem ser de perda de vidas; ou, ainda mais, cair com os paus e estes irem em cima de ti… Mas, mais uma possibilidade ainda… sendo seu empregado, ou subordinado, por alguma razão, declarada ou não mas mal resolvida para uma das partes, pode ter uma raiva com o patrão/empregador… e, com fome, mau conselheiro na vida, pode ser mais arrojado, mais suicida… ele tem muito pouco a perder!

 

Esta lição persegue-me a vida toda. Hoje por hoje, para desencadear qualquer que seja um projecto, o mais micro que seja, pessoal, profissional ou outro, olho sempre para os aspectos logísticos, incluindo ou sobretudo o estado físico e emocional dos executores/colaboradores. Não fico bem disposto quando a assistente doméstica lá de casa fica muito tempo sem comer, ainda que seja uma chávena de chá.

 

Vem este arrazoado todo na sequência de uma informação que me chegou aos ouvidos, não me perguntem como… Esta coisa de falar na rádio e televisão tem o que se lhe diga. A tomar o copinho e petisquinho da ordem, em algumas das esquinas da cidade, os empregados de mesa aproveitam-se do reconhecimento que fazem da figura que “fala na rádio e televisão” ali diante delas para pedirem que “fale também da nossa situação”. Situação? - retorqui, atônito, completamente ignorante e completamente impreparado para ouvir tal situação… ou melhor, longe de imaginar que tal pudesse acontecer no século XXI! “Sim, nossa situação” - desafiou sem rodeios o empregado interpelador. Machanganamente. “Trabalhamos oito horas consecutivas e os nossos patrões não nos dão um simples prato de comida. Servimos comida toda a hora a clientes de todas as categorias, mas o nosso patrão não nos dá absolutamente nada para comermos. Os bons cheiros só passam pelas nossas mãos e narinas… Só temos direito a uma chávena de chá e uma arrufada! Imagina… entramos às 7, 8 e vamos até 15, 16 horas, a comer só uma arrufada e uma chávena de chá?"

 

Mama mia! Algo que nunca na vida tinha esperado ouvir. Sobretudo, trazendo comigo a lição de meu falecido pai! Os meus ouvidos foram feitos ouvir esta… (abominável) mensagem… com estas ou outras palavras, em três restaurantes de categoria na cidade de Maputo, CIDADE DE MAPUTO NO SÉCULO XXI. Em surdina e com toda a vigilância, com medo que os patrões ouvissem e lhes pusessem na rua, ou lhes ralhassem desrespeitosamente, me passaram a mensagem.

 

NUNCA MAIS ME REENCONTREI! O QUE APRENDI DE MEU PAI É O CONTRÁRIO!

 

Quero acreditar que esta queixa seja verídica. Não tenho razões para pensar que… os empregados estejam a mentir diante de alguém que “fala na rádio e televisão”. Sei de restaurantes onde os patrões dão um prato de comida aos seus empregados. Mas também sei de outros onde os patrões não dão a comida constante do menu, mas mandam fazer outra à parte e disponibilizam para os empregados de mesa. Menos mal!

 

Agora, que há aqueles outros que, pura e simplesmente, não dão um prato de comida aos empregados... Um prato de comida! Os empregados trabalham sete, oito horas de barriga vazia… o que é uma arrufada e uma chávena de chá? NÃO SABIA E NUNCA TINHA IMAGINADO QUE HOUVESSE EM PLENO SÉCULO XXI! UM PRATO DE COMIDA…

 

Eixxi! Que desumanidade!

 

Já entendo a razão do mau atendimento em muitas casas de pasto. Como podem as pessoas trabalhar com fome? Como podem levar pratos de comida de toda a espécie e tipo de um lado para o outro, da cozinha para os clientes, permanentemente, sete, oito horas, se desde manhã cedo não comeram nada? Como querem os patrões que os empregados de mesa dêem tudo para que a casa tenha mais receita/renda se os serventes estão com fome? Como esperam que os serventes tenham bom humor, riam e sorriam, muita disposição, agradem os clientes com a barriga vazia? Saco vazio fica em pé?… NEVER!

 

Não sei qual é a (i)legalidade desta prática. Se houver alguma ilegalidade… eis o pedido de socorro para que as instituições de direito intervenham. Se não houver nenhuma ilegalidade, fica aqui a denúncia de uma imoralidade com cheiro à monstruosa desumanidade. Não acredito que por darem um prato de comida a meia dúzia (ou a uma dezena) de empregados de mesa deixem de ter lucro!

 

Haja humanismo!

Sir Motors

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