O superintendente Namuiri, oficial-dia em serviço no comando distrital da PRM[1] aprecia pela janela do seu gabinete quão forte é a chuva que fustiga a baia de Memba e aumenta o seu estado de tensão sobre as operações de salvação da embarcação da Atusag, SA que ainda balança sobre as águas de Mitemane.
Com alguma agitação a mistura deita para boca de uma vez só uma chávena de café duplo a ver se alguma calma abrace o seu espírito. É preciso alguma frieza para salvar este barco – pensou. Não era para menos, pela primeira vez todas as forças policiais preocupavam-se com o naufrágio de uma, dentre as várias embarcações que fazem da caça ao atum, o seu dia-a-dia.
Volta a sentar e abre a sua gaveta de onde retira um maço de cigarros e respectivo isqueiro, entretanto, antes que os seus pulmões ingerissem o seu habitual antídoto, o seu telemóvel chama. Comandando distrital da PRM de Memba, oficial-dia em serviço. Às ordens meu superintendente, apenas para informar que é melhor avançar com as operações em terra, porque o mar não nos facilita. Está bem inspector, por enquanto continuem com o trabalho e façam de tudo para salvar esse barco, porque ele não só leva pescadores de atum, mas pessoas que podem tomar decisões que impactem nossas vidas. E o superintende Namuri desliga o telefone sem esperar uma resposta positiva do inspector do outro lado da linha.
- Sargento Nicauane.
- Às órdens meu superintendente.
- Criem um auto-stop em todas estradas e recolham tudo quanto pode ajudar na logística para salvar o barco da Atusag, SA que como sabes está no meio das águas de Mitemane desde a madrugada.
- As ordens meu superintendente – uma resposta que seguiu-se de um movimento de sirenes jamais visto pela vila de Memba.
Será que é um novo casamento da mama Habiba Nikhuke? Não sei. Mas por onde ela anda? Trabalhava em Nacaroa e acabou de regressar. Mas ainda não tem enquadramento. Mama Habiba é muito forte, lembras do seu casamento? Sim lembro, teve uma festa jamais vista na vila. Tens mesmo razão, se não fosse o processo no tribunal. Processo? Sim. Ela tem um processo no tribunal, dizem que levou dinheiro da Capitania na altura que ela era a chefe dos pescadores e usou de forma indevida. Será que o dinheiro foi para o casamento? Não sei.
O espectro de especulações não conseguia parar as operações em terra. Os agentes da polícia estavam tão empenhados que chegaram a criarar um Auto-Stop na zona do Mitequereque, sendo que qualquer carro que por ali passasse era multado. Queria-se a todo custo angariar donativos que pudessem ajudar na logistica de salvamento do barco da Atusag, SA ora náufrago.
No meio de operações tanto no mar como em terra, uma calmia se faz notar na baía. As tempestades reduziram e o sol de forma envergonhada tentava mostrar-se. Por via disso, os agentes da policia estavam satisfeitos porque haviam já começado a resgatar o navio.
- Vamos, façam força rapazes
- Sim, estamos a conseguir
De repetenete um som de trovoada se faz ouvir para o susto de todos. O que se passa? A corda rebentou e o mau tempo está regressar. Uma mensagem que deixou os agentes da polícia lacustre e fluvial preoucupados. Afinal, dava para imaginar a angonia dos pescadores de atum cuja embarcação flutuava nas águas de Mitemane.
[1] PRM – Polícia da República de Moçambique
Tudo o que ela diz parece uma renovação, pela maneira como dá sentido às palavras. Vibra em todo o ser quando diz, por exemplo, que a linha férrea passava por aqui. Aqui perto da minha casa. É como se ela própria fosse o comboio à vapor puxando em tempos de história e cumplicidades e amizades desinteressadas, longas carruagens repletas de gente em feliz algazarra. Rebusca passados esquecidos e transforma-os em fonte de água nos dias de canícula. Desdenha as muletas e o andarilho, mesmo sabendo que aquelas pernas precisam de ajuda.
Sumbi Mahenhane é a lembrança das frenéticas execuções de zorre, em noites vertiginosas nos subúrbios da cidade de Inhambane. Era a raínha sobre quem tudo gravitava, incluindo o batuque tocado por Mafanele, o “King”. Sumbi puxava os instrumentistas para o ritmo do seu corpo, desenhado pela Mão do próprio Deus para enlouquecer. E quando ela não estivesse nesse dia, as estrelas do Céu recusavam-se a brilhar. A lua também.
Hoje ficaram as palavras que lhe ressurgem da boca e do espírito. São elas – as palavras – que dançam debaixo do rufar imaginário dos tambores que outrora eram os fundamentos da vida desta mulher. Só a dança lhe dá o sentido de existência. O sonho só pode prevalecer com o som do ritmo. Nada é mais importante, senão a dança. E o amor. É por isso que continua a dançar, agora com as palavras. Retumbantes.
O que mais impressiona em Sumbi Mahenhane é a inabalável vontade de viver. Ela fala com esperança, como se o corpo esperasse nova oportunidade de pisar os palcos e balançar em liberdade. Espanta a memória deste pássaro. Ela lembra-se de todas as noites em que a luz era o seu corpo. E na verdade, Sumbi era o encanto da própria vida. Ou seja, o óleo derramado em Abraão, desde a ponta dos cabelos até à ponta dos pés, foi inoculado também sobre esta mulher que brilhava em todo o corpo e em toda alma. E agora reluz em toda a alma que ainda mora neste corpo em derrocada.
O que move Sumbi Mahenhane não é o presente. Mas o passado de glória. Passado do qual nunca recebeu medalhas. Nada! Ela nem sabe o que é isso. Bastam-lhe os ecos da alegria que dava ao povo. As galardões são as pessoas do vulgo, algumas das quais ainda demandam a sua casa para falar desse passado. Com a mesma verve com que o corpo se entregava à dança. É essa presença humana que a faz acreditar no futuro.
Completou noventa anos no dia 15 de Junho passado. Festejou com a família e amigos, num ambiente em que não faltaram batucadas leves, para celebrar o passado de alguém que continua a falar com alegria. Com esperança.
Parabéns, Sumbi Mahenhane!
É sabido que Samora Machel trouxe a independência. Joaquim Chissano a paz. Armando Guebuza o caminho para a conquista da riqueza. Infelizmente, o que os três antigos presidentes trouxeram, não deixaram “tal&qual” para o actual inquilino da Ponta Vermelha, a residência oficial do Presidente da República (PR), Filipe Nyusi. Às costas – do mandato (2015-2019) – de Nyusi o peso dos quarenta e poucos anos de Moçambique e de contas por saldar: restabelecer a dignidade de um país independente; materializar uma paz permanente; e concretizar as condições para um país rico/desenvolvido.
Suponho que o PR – no seu primeiro dia de governação – tenha perguntado: por onde começar? Do que se viu e pelos primeiros actos – dois encontros com Afonso Dhlakama, líder da Renamo, o partido-armado da oposição e arqui-rival da Frelimo, o partido-governo – a sinalização de que a paz seria o ponto de partida. E, no momento em que o PR se posicionava para definir o passo seguinte, cai o assunto das “dívidas ocultas”. No pacote, seguia um bónus de outras dívidas e por saldar: a transparência, a integridade e a prestação de contas.
Num contexto atípico, um início e decurso de um mandato também atípico e de difícil gestão. Acredito que não tenha sido fácil ao PR deixar – ou tomar – decisões sobre assuntos transitados de outros governos ou sobre os quais os mais entendidos e tarimbados colegas do seu governo e cercanias (partido, assessores, entre outros) tivessem outro entendimento. Mário Soares, falecido estadista português, contava – a propósito de discussões nas sessões do governo a que presidia (e em tempos de grandes dificuldades) – que tinha perdido a conta de noites de insónias cada vez que os ministros, alguns deles, segundo Soares, muito mais inteligentes e experientes, esperassem que ele tomasse a decisão.
O mandato de Nyusi – prestes a findar – herdou problemas (e outros nasceram) cujas soluções – havendo-as – ainda não geraram efeitos positivos no dia-a-dia do grosso dos cidadãos. E mesmo assim – para o espanto de alguns – o país não despencou. E abono que tenha o valioso contributo do PR para que o país não despencasse. Porventura, o melhor – que ele esperava – carecesse de outras condições que os seus antecessores não providenciaram, tanto é que o quarto andar do edifício que lhe competia dar continuidade não se encontrava à superfície: era o quarto piso dos andares do estacionamento ainda no subsolo. Outra provável razão do país não ter despencado.
E por horas de fecho do mandato antevejo que o PR, no seu último dia de governação, pergunte: por onde sair? Espero que uma voz por perto diga: por onde entrou, Senhor Presidente! Neste caso pelo discurso da cerimónia de tomada de posse proferido no dia 15 de Janeiro de 2015. Uma nova leitura em jeito de balanço - à NAÇÃO - é recomendável. Vamos recordar alguns trechos:
“Iniciamos hoje uma importante etapa do nosso percurso histórico como Povo e como Nação que levará Moçambique a um novo patamar de Harmonia e Desenvolvimento.”
“Como disse na minha campanha: o povo é o meu patrão. O meu compromisso é de servir o povo moçambicano como meu único e exclusivo patrão. O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as Leis de Moçambique. E eu estou pronto!”
“Lutarei para que os moçambicanos sejam os donos e a razão de ser da economia, assegurando uma crescente integração do conteúdo local e a participação efectiva dos moçambicanos nos projectos de Investimento, em especial na exploração de recursos naturais…”
“Promoverei uma governação participativa fundada numa cada vez maior confiança e num efectivo espírito de inclusão. Este espírito de inclusão só se conquista por via de um permanente e verdadeiro diálogo. Necessitamos de construir consensos, necessitamos de partilhar, sem receio, informação sobre as grandes decisões a serem tomadas pelo meu Governo.”
“Dentro de dias anunciarei a equipe governamental que a mim se irá juntar (…). Dois critérios básicos nortearão os órgãos da administração pública e da justiça: o mérito e o profissionalismo.”
“Asseguraremos que as instituições estatais e públicas sejam o espelho da integridade e transparência na gestão da coisa pública, de modo a inspirar maior confiança no cidadão. Queremos uma cultura de responsabilização e prestação de contas dos dirigentes para que a que conquistem o respeito profundo do seu povo…”
“Eu, cidadão Filipe Jacinto Nyusi, sou o Presidente de todos vós! Tudo o que fizer e tudo o que farei será para que cada moçambicano se sinta parte do processo de desenvolvimento nacional. Mais unidos, mais fortes e mais determinados construiremos uma nação que todos celebramos como uma pertença comum. Neste acto solene, reitero a todos vós, moçambicanas e moçambicanos, no país e na diáspora, que dentro do meu coração cabem todos os moçambicanos. Vamos, todos juntos, construir um país à medida dos nossos sonhos.”
Um dos sonhos – e bem à medida – é a transformação do discurso oficial de tomada de posse, acrescido do respectivo balanço das promessas feitas, em discurso de despedida do mandato. Deste e de outros mandatos. Tenho a convicção que o PR, na esteira do seu inquestionável compromisso com o povo moçambicano, realizará este sonho, inaugurando um precedente histórico.
Assim, no final do mandato, o PR deixaria o país à entrada do túnel (da transparência, da integridade e da prestação de contas) e com a viva e renovada esperança para uma caminhada conjunta em direcção à luz (independência, paz e riqueza) que se vê, piscando colorido, ao fundo. Em caso de concordância e assim proceder: estaremos no bom caminho, Senhor Presidente!
Para a História: um legado excepcional de um mandato atípico. Saravá!
A propósito do debate despoletado por conta do desempenho do Presidente da República (PR) de Moçambique, Filipe Nyusi, numa entrevista a canais portugueses de comunicação social (RTP-África e RDP-África) - na sua recente visita a Portugal - no fundo não se estava a avaliar o seu desempenho, na aludida entrevista, mas o que cada um pensa sobre o que devia ser o perfil adequado para o cargo de PR, para o caso, em Moçambique. Na verdade, um debate adiado e que urge, tomando o interesse público sobre o assunto.
Em função do perfil (barómetro para avaliação) que se pretende para um PR – e decisivo para a escolha do candidato a nível partidário – o interessado (e não necessariamente o interesse dos outros por ele) faria a sua auto-avaliação e daí - em caso de conclusão positiva – o início das devidas articulações para se apresentar como candidato. Nestas circunstâncias, em princípio, este candidato apresenta garantias e mais comprometimento na defesa e promoção do seu projecto político quer na mobilização para a sua eleição quer na respectiva implementação, em caso de vitória e até como oposição. Algo que se enquadra em parte nesta visão foi, entre nós, o exemplo de Carlos Tembe, o falecido edil da Matola. Ele partiu de um projecto pessoal (Matola no Coração) e conquistou o Partido e a Matola.
Voltando a entrevista. Não tomei nenhuma posição (favorável e nem contra). Considerando que o faça, acredito que partiria de uma abordagem comparativa com outros líderes mundiais, passados e actuais. Sobre isto, tenho em memória uma intervenção, em Maputo, numa Cimeira da CPLP - e de estreia internacional – de Kumba Yala (falecido), antigo PR da Guiné Bissau. Ele fez questão de anunciar que gostaria de ser como o então Primeiro-ministro português, Engº António Guterres, actual Secretário-geral das Nações Unidas: Um orador nato e com discurso (de improviso) coerente e eloquente. Para Kumba Yala, suponho, este seria um requisito fundamental para um chefe de Governo/Estado.
E para o caso interno e tendo a Frelimo como referência. Certa vez, e numa entrevista a uma televisão local, Marcelino dos Santos, membro sénior e histórico da Frelimo, referiu que a capacidade do Presidente Chissano “engolir sapos” - uma característica ímpar no seio dos presidenciáveis na altura - foi determinante para o contexto em que Joaquim Chissano foi Presidente, sobretudo na gestão dos processos de paz e de transição económica (aposta numa economia de mercado) e política (passagem para o multipartidarismo) do país. Depreende-se que para Marcelino dos Santos, a escolha de um PR depende do contexto e desafios em que esse Presidente exercerá as suas funções.
Por tabela, a escolha de Samora Machel para substituir Eduardo Mondlane, depois da morte deste em 1969, foi determinante a sua qualidade de liderança e comandante da força militar, combinando com os objectivos de intensificação da luta armada rumo a independência. Ademais um sinal de demonstração de força e vitalidade ao regime português sobre a clareza do que se pretendia com a escolha de Samora Machel. Em relação ao Presidente Armando Guebuza? Pelo acompanhado a sua visão económica, entre outras características e ideias própria sobre o que o país deveria fazer - depois da chamada transição - jogou a seu favor na mobilização da Frelimo e de outras franjas da sociedade.
E para a escolha do candidato para os mandatos 2015-2019/2020-2024? O que determinou? Da leitura pesam mais razões de deslocação geográfica do poder, simbolizado no cargo de Presidente. Dos candidatos do partido Frelimo que se apresentaram nas eleições internas, em 2014 (todos provenientes acima do rio Save), o voto maioritário foi para o candidato Nyusi, embora os outros candidatos tivessem mais anos de experiência e credenciais no exercício de cargos governamentais.
Em parte, o facto de Nyusi ser oriundo da província do oil&gas (Cabo Delgado) - o berço da libertação política do país e pelo que se consta, o da futura libertação económica - foi determinante na sua escolha. Nessa condição, entre outros, em melhor patamar para gerir politicamente o dossier – extractivo, em particular as expectativas locais (Cabo Delgado) e até regionais (outras províncias limítrofes). A ideia de que o Sul tomará de assalto os “Biliões de USD” provenientes do gás, não está em pauta por conta deste factor. Além disso, reforçado com um outro factor: O gestor- mor da “petrolífera moçambicana” é procedente das mesmas paragens.
Dentro da mesma lógica: as razões que ditaram a escolha de Filipe Nyusi para candidato da Frelimo - deslocação geográfica do centro de poder - será o mesmo critério para a escolha do candidato da Frelimo para as eleições dos mandatos 2025-2029 e 2030-2034 – deslocando o centro do poder do norte para o centro do país. Suponho que o candidato será da província que nesse tempo tiver maior ou expectante papel económico. Tenho a nítida impressão que assim será e que o assunto esta devidamente acomodado e fora da agenda como substância de debate partidário.
Nesta matéria - escolha do timoneiro para candidato a direcção da Nação - a realidade do que acontece na Frelimo não difere tanto a dos outros partidos, observando as respectivas especificidades. Deste modo, a discussão do Perfil do Presidente da República no quadro do que se avaliou em relação ao desempenho do actual PR, na entrevista referida, continuará adiada por mais quinze anos - a menos que fenómenos contrários ao curso normal da História façam a diferença.
PS (i): Uma vez que as próximas eleições estão à porta e como diz um amigo: Podemos começar a discutir a proposta dos Termos de Referência para a definição do Perfil-base do Presidente e com cenários de características específicas em função dos contextos em que a governação será exercida. Durante o próximo mandato (2020-2024) - continua o amigo - um debate nacional e o consentimento das forças partidárias e cívicas - e com ampla base de apoio e legitimidade popular - sobre o perfil acordado para um PR em Moçambique poderá ser um bom ponto de partida para influência legislativa e dos candidatos dos próximos mandatos, pós 2020-2024, sobretudo a nível das escolhas internas dos que submetem as candidaturas.
Todos eles serão elegíveis a sumo-pontíce, no clero restrito a que pertencem. Foram escolhidos entre muitos, e recebido a missão de cintilar em palcos de nunca acabar. Sem outro propósito senão o de fazer da melodia, a própria almadia de libertação do espírto. Fizeram isso. Cantaram em revolta. Apelaram-nos ao amor nas letras espontâneas e buriladas com sabedoria. Dançaram com todo o corpo. E o resultado é aquele que se viu, deixaram baba por onde passaram.
Com Pedro Langa, Zeca Alage, Roberto Chitsondzo, juntos, Gorwane era de facto a lagoa infinita. A alma da banda eram os três. Gorhwane sintetizava-se neles. De tal modo que, mesmo havendo correntes diferentes no mesmo rio, as águas mantinham a doçura dos tempos. Os “Bons rapazes”, como Samora Machel os apelidava na sua loucura de actor, só faziam sentido com uma alma composta por aquelas três peças fundamentais. Mas hoje, eu pessoalmente não conservo o mesmo entusiasmo perante o Gorhwane. Porque a alma deste grupo está despedaçada. Ficou o Roberto Chitsondzo, e o Roberto vale por ele mesmo. É por isso que considero injusto, continuar a chamar Gorhwane a um grupo de mito, sem o Zeca Alage e sem o Pedro Langa.
Kapa Dêch vai ser para sempre o paradigma da juventude. Mas também este grupo será eternamente ligado ao Tony Django e Roberto Isaías, juntos. Quando se fala de Kapa Dêch, avulta imediatamente o nome de Tony. A banda pode fazer tudo, pode ir para todos os lugares exibindo uma grande perfomance, até porque na sua plêiade tem artistas de primeiro nível, mas eles próprios vão perceber que falta o Tony Django. Então isso significa que há alguma coisa que deve ser repensada. Talvez debatida. Porque se quisermos continuar com a marca de um determinado produto, temos que ter a certeza de que estamos certos.
Em relação ao Eyuphuru, depois da saída de Gimo Remane, era evidente que Zena Bacar estaria sozinha. Eyuphuro era Gimo e Zena. Tudo o que eles fizeram pelo mundo e dentro do país, tinha as duas vozes como eixo principal, fazendo do grupo o cristal de Nampula e de Moçambique. A alma do ritmo macua estava nos dois, tornados um pelo compromisso que tinham com a boa música. Mesmo assim, depois da saída de Gimo, Zena manteve aquele nome sagrado, sem que ela própria se sentisse bem. Tremia nas bases, porque Eyuphuro era muito grande demais para ela. Sozinha. Sem o Gimo.
Sobre o Alambique tenho outro sentimento. Pode faltar o Childo. Podem ser incoporados outros elementos e novos instrumentos, mas a banda não vai tremer porque a alma está intacta. O coração do Alambique é o Arão Litsuri e o Hortêncio Langa, astros inquestionáveis com lugar cativo nas prateleiras de ouro existentes no mundo. Aliás estes dois, agora, mais do que nunca, exibem no trabalho a estabilidade dos monstros, e a criatividade inesgotável de um espírito que está sempre no auge. Alambique continua a ser a banda do futuro.
Corria um dos anos da segunda metade da década noventa do séc. XX. O Professor Severino Ngoenha - com ar de um futuro preocupante - irrompe o anfiteatro com um jornal na mão. Era um dos semanários da praça. Ele vinha da UEM pela Julius Nyerere. No trajecto passou pela embaixada da China (em construção) e pela então agência do Banco Fomento, actual BCI (em remodelação). No caminho ainda cruzou com as sonoras sirenes de comitivas dos órgãos de soberania.
O jornal, a imponente embaixada da China (em construção), a agência do banco português (em remodelação) e as barulhentas sirenes dos órgãos de soberania foram motivos para o início de mais uma palestra. Na verdade uma viagem ao temp(l)o do conhecimento.
Depois de certificar a presença de todos os passageiros o Professor, na verdade o Piloto, projecta o jornal para a secretária de forma a deixar o título visível aos olhos de todos. Em seguida pergunta aos passageiros - ávidos de conhecimentos – se tinham lido. A resposta foi um harmónico Não! Depois pergunta - e para reflexão - se os passageiros notaram algo de interesse nas construções da embaixada chinesa e do banco português. Idem: Não! E por fim, pergunta se tinham ouvido as sirenes do poder. Ibidem: Não!
Óptimo. Nada melhor que decolar ciente que todos estão na mesma classe (económica) da aeronave. Penso que assim cogitou o Professor-piloto. Em diante a turma embarcou para séculos anteriores - com escalas técnicas no séc. XV, XVIII e XIX - e, na volta, uma passagem - em voo rasante - pelo século XX, na altura, aterrando tempos depois no séc. XXI. Foram quase duas horas de uma alucinante viagem ao passado, presente e futuro. Depois da praxe habitual de despedida, o piloto deixa a sala de desembarque sob o olhar vertiginoso dos seus passageiros. Estes, depois de recuperados, tentam juntar as pontas que cada um foi segurando ao longo da viajem antecipada ao séc. XXI.
Para começar, as pontas sobre os motivos da viagem: um título do Jornal (arrisco o “Demos”) que dizia: “Parece Sina: Os portugueses de 500 em 500 anos descobrem Moçambique”. Isto porque na altura começava a registar a entrada massiva de portugueses (e para alguns o regresso). E, historicamente, onde chegam portugueses, outras nacionalidades - tal hienas - se abeiram para colmatarem as fragilidades caninas dos lusos.
O segundo motivo foi a observação feita pelo Professor-piloto sobre as duas obras. Na primeira obra (chinesa) anotou que viu chineses no chão a ordenarem aos moçambicanos que estavam nos andaimes. O mesmo na segunda obra (portuguesa). O terceiro motivo – sobre as sonoras sirenes do poder – a sinalização das benesses do poder. Os passageiros complementaram com outros exemplos de outros sectores, em particular estratégicos, e de outras situações, que não diferenciava ou assim tendia.
E para reflectir, as pontas sobre o destino da viagem: A necessidade do país definir e operacionalizar o que pretende ser nos próximos tempos dentro do quadro e desafios da globalização, onde, por um lado, estão os globalizadores, e por outro, os globalizados. E, para concluir, as pontas sobre as lições e aprendizagem da viagem: Na verdade - entendo agora - quando o Professor-piloto largou os seus passageiros no séc. XXI queria que eles soubessem, se nada fosse feito, a realidade do país duas décadas depois, partindo da data da palestra/viagem.
Hoje, duas décadas depois, quem passe pelas obras que pululam em Maputo e pelo país fora - e pegando como referencial a China e Portugal - vê chineses e portugueses no chão (base) a direccionarem o que deve ser feito e, nos andaimes (topo), outros chineses e portugueses a executarem as orientações. Os demais – com responsabilidades na edificação do país – estavam distraídos – a todos os níveis - na discussão sobre os direitos da poluição sonora.
Foi esta uma parte da realidade encontrada pelos passageiros da viagem antecipada ao séc. XXI: A economia e as finanças tomadas por alienígenas e os indígenas aos empurrões à caça do que ainda sobrava (e também dependente) - o controle do barulhento “tacho político”.
E sempre que o espaço do “tacho político” escasseia – porque, entre outros, a fila é cada vez enorme - alargam-no, ampliando a e(x)terna dependência de alienígenas.
PS (i): Quando a China decidiu construir no país a sua imponente embaixada foi um sinal claro que no séc. XXI Moçambique seria uma infinita prioridade. Quem passe pela Av. Marginal não lhe passa despercebido a imponente embaixada dos gingos (americanos) em construção. A História ensina – e exemplo local não falta - que quem constrói uma embaixada daquela dimensão é um sinal que por estes lados tão já não removerá o pé.
PS (ii): Perante estes e outros factos tão evidentes o país não se movimenta para arredar o pé do pedal de travão. Não se explica que se continue a desperdiçar o tempo a discutir a terminologia da paz que se segue e as condições para a ocupação de cargos. Desde os cargos do topo à base – dos mais sonoros e com carga apetitosa aos de menor sonoridade e apetência – e todos vitais na distribuição de benesses. E, infelizmente – para agravar – tais benesses são provenientes e no limite dos que fazem o business (e estes de certeza que não são os lobistas /prostitutos de negócio referidos pelo Presidente da República na recente visita à Portugal).