Naquela que pode ser interpretada como sendo a primeira reacção pública da Frelimo à polémica gerada em torno da saída de Victor Boges, Governador da província de Nampula, da sua residência oficial, os deputados desta formação política acusaram, esta quinta-feira, o actual Edil da Cidade de Nampula, Paulo Vahanle, de ser o “promotor” de todos os males.
No recente conclave da Frelimo em reunião de Comité Central, o antigo Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, disse que não sabia quem era Téofilo Nhangumele, um dos réus detidos preventivamente no processo das “dívidas ocultas” e que teve parte do seu património confiscado por ordens do Ministério Público no âmbito do processo 1/PGR/2015. Um dos detidos, como se sabe é Ndambi Guebuza, filho de Armando.
Teve lugar, na passada terça-feira (14 de Maio), no Estabelecimento Penitenciário de Máxima Segurança, vulgo B.O., na Matola, a fase das alegacões finais de dois processos relativos à emissão “fraudulenta” de passaportes no Serviço Nacional de Migração (SENAMI). Um relacionado com a emissão do passaporte que permitiu Nini Satar sair do país e outro sobre o esquema paralelo de produção de passaportes.
Continua o clima de suspeição em torno da gestão transparente dos fundos canalizados ao Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC). Se a sociedade, logo que os fundos começaram a entrar nos cofres para assistir às vítimas dos ciclones Idai e Kenneth, já olhava com enorme desconfiança à forma como os mesmos seriam ou estão a ser geridos, o Governo veio, esta quarta-feira, adensar as desconfianças.
O advogado e especialista em assuntos relacionados à anti-corrupção, Richard Messick, defende haver condições para Moçambique recuperar o dinheiro “lavado” no estrangeiro, no âmbito das “dívidas ocultas”, contratadas entre 2013 e 2014, pelas empresas EMATUM, MAM e ProÍndicus, no valor superior a 2.2 mil milhões de USD.
Há pouco menos de duas semanas, numa tarde de sexta-feira, o Governador do Banco de Moçambique (BM), Rogério Zandamela, quadro do Fundo Monetário Internacional (FMI), empossou quatro novos directores para as áreas de Supervisão Comportamental, Regulamentação e Licenciamento (Emília Mabunda), Documentação e Informação (Cabral Benedito) e Inclusão Financeira (Carla Fernandes). Também tomou posse Angélica Macave, como gerente da Filial da Maxixe.
Fontes seguras notaram um endurecimento discursivo de Zandamela, quando ele usou da palavra. Entre outra coisas, ele disse o seguinte: “No Banco de Moçambique há pessoas que promovem a gatunagem, vazamento de informação, fofocas e corrupção”. E ameaçou: “Quero aproveitar para informar que não hesitarei em colocar essas pessoas fora do banco, pois estão a dar cabo de nós”.
Suas palavras caíram como uma bomba. Muitos quadros engoliram em seco. Não era para menos! Nos últimos meses, Zandamela abraçou uma postura de desconfiança, policiando o comportamento dos colegas: como pensam e o que falam.
Em Fevereiro, o banco central foi palco de uma conferência chamada de “alto nível” que serviu para discutir o tema dos Fundos Soberanos. Na ocasião, ele virou motivo de chacota ao relevar publicamente que desconhecia a figura de Omar Mithá, o contestado PCA da ENH. Meses antes, num Conselho Consultivo em Quelimane, Zandamela criticara uma alegada “falta de sintonia institucional” entre as grandes entidades que gerem os interesses do Estado em Moçambique. Mas, afinal, ele estava a pregar no deserto...
O episódio sobre Omar Mithá foi mencionado em princípios de Abril num comentário neste jornal. Dias depois Zandamela mostrou-se furioso. Apesar de a conferência sobre Fundos Soberanos ter sido atendida por gente de fora do banco, o Governador achou que os sórdidos detalhes mencionados na “Carta” tinham sido vazados...por gente de dentro do banco. Um ex-administrador era então o grande suspeito de ter sido a “garganta funda” para uma situação pública. Não passaram muitos dias e Zandamela implementou regras de choque, contam as nossas fontes. Numa reunião em CA, ele determinou que ninguém devia entrar com telemóvel para a sala. O ambiente de desconfiança interna continuou a agravar-se.
Depois veio a menção, aqui na “Carta”, de que o Governador havia autorizado a construção de três palacetes na zona da Polana-Caniço (um para ele, outro para o vice-Governador e um terceiro para pessoa desconhecida). O caldo entornou-se de vez. No círculo restrito de quem faz o processo decisório interno no banco, o facto de a “Carta” estar na posse dessa informação era “inconcebível”.
E instalou-se o presente ambiente de caça às bruxas. O investimento em obras na Polana Caniço, em tempos de crise e aperto geral de cintos, devia estar no segredo dos deuses. E é provável que assim venha a ser (mesmo que o banco tenha ontem, 14 de Maio, distribuído e-mails para a comunicação social a solicitar questões para mais uma ronda de respostas, selectivas como a entidade agora faz e, portanto, este é daqueles assuntos que, eventualmente, não vai ser abordado mesmo se perguntado e, talvez, por isso, colocar a questão da racionalidade dos palacetes da Polana Caniço pode ser uma perda de tempo).
Mas “Carta” sabe que Rogério Zandamela, numa operação internamente contestada, mandou alocar 18 milhões de USD para o pagamento de indemnizações a alguns moradores da Polana Caniço e posterior construção dos três palacetes. Dentro do banco, Zandamela começa a assumir, dizem as nossas fontes, uma postura de transparência duvidosa. Sobre o investimento imobiliário, ninguém percebe para quem é a terceira casa.
A saída recente de três administradores (um, Aberto Bila, que já cumprira dois mandatos) abriu caminho para outro tipo de comportamento, eticamente duvidoso, e até de alegada violação das normas internas do banco. O ano passado, Zandamela aprovou para si mesmo um crédito no valor de 78 milhões de Meticais. Mas as normas internas do BM proíbem que pessoas que não sejam do quadro beneficiem desse “crédito social”. Por causa dessas normas internas em vigor, a antiga Administradora Esselina Macome viu um pedido seu de crédito recusado.
Uma fonte comentou que, ao autorizar um “crédito social” para si mesmo, ele não só violou as normas internas como também a Lei da Probidade Pública. Ele não é trabalhador do BM, diferentemente de Ernesto Gove e Adriano Maleiane, que eram funcionários do BM e ascenderam ao mais alto cargo na hierarquia. As normas estabelecem, entre outras coisas, que só um trabalhador com contrato de trabalho por tempo indeterminado e com pelo menos três anos de serviço, é que pode beneficiar de “crédito social” do BM. O Regulamento de Crédito Social consta do Manual de Pessoal.
Há quem interprete as declarações ameaçadoras de Zandamela, no recente empossamento, como uma forma de desencorajar a denúncia desta e doutras situações que marcam a sua gestão cada vez mais autoritária no Banco de Moçambique. Mas uma questão ética vai certamente ser aflorada na opinião pública: a intervenção correctiva do banco central em relação à crise obrigou os moçambicanos a apertarem os cintos e agravou o acesso ao crédito bancário comercial. Em contrapartida, o Governador do Banco de Moçambique beneficia de um “crédito social” eventualmente sem taxas de juros. Interessante! (Marcelo Mosse)