A Amnistia Internacional torna-se no mais recente movimento de direitos humanos a acusar Israel de praticar apartheid pela forma como tem vindo a tratar os palestinos, uma acusação que causou uma resposta irada do Israel, que denunciou o relatório como anti-semita.
Juntando-se a outros grupos de direitos humanos, a Amnistia Internacional afirma que o “sistema de opressão e dominação” do Israel sobre os palestinos equivale à definição internacional de apartheid. O relatório causou a fúria entre os políticos israelitas que pediram a sua retirada.
Entre eles, está o ministro das Relações Exteriores do Israel, Yair Lapid, que rejeitou o relatório, classificando-o como “divorciado da realidade” e afirmou que “a Amnistia Internacional cita mentiras espalhadas por organizações terroristas”.
Lapid também acusou a Amnistia Internacional de anti-semitismo. “Eu odeio usar o argumento de que se Israel não fosse um estado judeu, ninguém na Amnistia ousaria argumentar contra isso, mas, neste caso, não há outra possibilidade”, disse Lapid.
No entanto, o relatório da Amnistia Internacional foi bem recebido pela Autoridade Palestina, que disse esperar que isso abra caminho para julgamento do Israel no tribunal criminal internacional.
“O Estado da Palestina saúda o relatório da Amnistia Internacional sobre o regime de apartheid do Israel e as políticas e práticas racistas contra o povo palestino”, disse o Ministro das Relações Exteriores da Autoridade Palestina.
A Amnistia Internacional pediu “aos Estados Unidos da América, a União Europeia e ao Reino Unido, mas também àqueles estados que estão em processo de fortalecimento dos seus laços com Israel – como alguns estados árabes e africanos – para que reconheçam que o estado judeu está cometendo o crime de apartheid e outros crimes internacionais”.
A mensagem da Amnistia Internacional é um alerta, sobretudo, à União Africana que no ano passado atribuiu ao Israel o estatuto de observador. Israel tinha estatuto de observador da Organização da Unidade Africana, mas perdeu-a em 2002, com a transformação da organização em União Africana.
Na recente cimeira da União Africana terminada no domingo em Adis-Abeba, capital da Etiópia, a organização continental criou uma comissão para analisar a polémica readmissão do estado judeu. Em Julho do ano passado, Israel recuperou o estatuto de observador da União Africana, mas, em Setembro, 21 dos 55 estados-membros, incluindo Moçambique, denunciaram a acreditação, condenando o presidente da Comissão da União Africana Moussa Faki Mahamat, por ter tomado uma decisão unilateral e apresentado o assunto como facto consumado.
Em resposta às críticas, Mahamat reconheceu o compromisso da União Africana para a solução da questão palestiniana, mas argumentou que a acreditação está prevista no seu mandato e lembrou que mais de 40 países africanos já têm relações bilaterais com Israel.
Entretanto, a Amnistia Internacional pediu a todos os países que “usem todas as suas ferramentas políticas e diplomáticas para garantir que as autoridades israelitas implementem as recomendações descritas no seu relatório e revejam qualquer cooperação e actividades com o Israel para garantir que não contribuam para a manutenção do sistema de apartheid”.
O relatório de 278 páginas compilado durante um período de quatro anos pelo grupo de direitos humanos com sede em Londres significa que a Amnistia Internacional se juntou às fileiras da Human Rights Watch e ao grupo de direitos israelita B'Tselem, que no passado também acusaram Israel de praticar apartheid.
“Quer vivam em Gaza, em Jerusalém Oriental e no resto da Cisjordânia, ou no Israel, os palestinos são tratados como um grupo racial inferior e sistematicamente privados dos seus direitos”, disse a secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, ao apresentar o relatório, rejeitando, no entanto, alegações de anti-semitismo.
“As políticas cruéis de segregação, expropriação e exclusão do Israel em todos os territórios sob seu controlo, claramente, equivalem ao apartheid”, disse Agnès Callamard.
Embora no passado grande parte das reivindicações do apartheid israelita se tenha concentrado nas áreas palestinas tomadas por Israel durante a guerra dos seis dias em 1967, incluindo a Cisjordânia, onde existem sistemas duplos de direitos e administrações legais para palestinos e colonos judeus, as alegações de apartheid dentro do Israel são mais controversas.
Há um ano, o B'Tselem atraiu críticas de políticos israelitas quando afirmou que as políticas israelitas foram projectadas para impor "supremacia judaica desde o rio Jordão ao mar Mediterrâneo".
E em Abril do ano passado, a Human Rights Watch, sediada em Nova York, tornou-se o primeiro grupo de direitos humanos a levantar publicamente a alegação de apartheid, para redefinir o conflito israelo-palestino como uma luta por direitos iguais, em vez de uma disputa territorial.
Esses esforços ganharam força desde que o processo de paz parou, à medida que Israel consolidou o seu controlo sobre os territórios ocupados e azedou a ideia de um Estado palestino.
Israel rejeita qualquer alegação de apartheid e insiste que os seus próprios cidadãos árabes têm direitos iguais. Para complicar a questão, estão as diferentes experiências dos palestinos nos territórios ocupados em comparação com os cidadãos palestinos de Israel.
Enquanto os palestinos que permaneceram no Israel viviam sob regime militar até pouco antes da guerra de 1967, esses palestinos agora têm cidadania, incluindo o direito de votar, mas ainda enfrentam discriminação generalizada em áreas como mercado de trabalho e habitação.
Os palestinos na Cisjordânia vivem – apesar de um grau de autonomia política – sob o regime militar israelita, que inclui a exposição ao sistema de justiça militar israelita, enquanto os colonos judeus na Cisjordânia são tratados de acordo com a lei civil israelita.
Por sua vez, aqueles que vivem na Faixa de Gaza governada pelo Hamas – da qual Israel se retirou em 2005, mantendo o controlo rígido da terra e da fronteira marítima – também enfrentam um bloqueio israelita.
Reagindo ao relatório da Amnistia Internacional, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, disse num briefing que "(rejeita) a visão de que as acções de Israel constituem apartheid".
"Nós certamente rejeitamos o rótulo que foi anexado a este (relatório)", disse Price, acrescentando, "achamos que é importante como único estado judeu do mundo que o povo judeu não deve ser negado seu direito à auto-determinação e devemos garantir que não haja um duplo padrão."
Desde seu estabelecimento em 1948, Israel promove uma política explícita de estabelecer e manter uma hegemonia demográfica judaica e maximizar o seu controlo sobre a terra para beneficiar os judeus israelitas.
O termo apartheid teve origem na África do Sul, onde um sistema de segregação racial e "desenvolvimento separado" foi a política oficial entre 1948 e 1994. O sistema foi projectado para confinar os não-brancos a "bantustões autónomos", privando-os da sua cidadania, com um sistema de passes e documentos de identidade controlados para onde os não-brancos poderiam viajar e trabalhar.
Mas Israel sempre rejeitou comparações com a África do Sul da era do apartheid. Mesmo alguns críticos israelitas ferrenhos da ocupação argumentaram que a discriminação contra os palestinos não equivale ao racismo intencional ou institucional, sendo apenas resultado de temores genuínos de segurança.(Carta)