Com o futuro ainda incerto na vizinha África do Sul, onde está detido desde 29 de Dezembro de 2018, a pedido da justiça americana, no âmbito das “dívidas ocultas”, o Ministro das Finanças, durante o reinado de Armando Emílio Guebuza, vê a sua acusação, em Moçambique, formalizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no contexto do mesmo dossier.
Esta segunda-feira, através do Comunicado de Imprensa nº05/PGR/GCI/012.3/2020, a PGR anunciou a remessa, no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, do processo autónomo sobre as “dívidas ocultas”, em que são acusados Manuel Chang e mais três antigos funcionários do Banco de Moçambique (BM), a entidade reguladora do sistema financeiro nacional e que foi peça-chave para a contratação dos empréstimos, no valor de 2.2 mil milhões de USD.
“O arguido Manuel Chang vem indiciado da prática dos crimes de violação da legalidade orçamental, corrupção passiva para acto ilícito, abuso de cargo ou função, associação para delinquir, peculato e branqueamento de capitais”, diz o comunicado da PGR, referindo que os restantes arguidos “são indiciados da prática do crime de abuso de cargo ou função”.
Sublinhar que o documento não revela quem são os funcionários do BM arrolados no processo autónomo nº 536/11/P/2019, entretanto, “Carta” sabe que o ex-Governador do Banco Central, Ernesto Gouveia Gove, era um dos alistados num dos quatro processos autónomos abertos, em 2019, pela PGR.
Lembre-se, Ernesto Gove foi ouvido pela PGR, a 05 de Abril de 2019 (14 dias após a remessa, no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, do processo nº1/PGR/205, em são arguidos 20 indivíduos), no âmbito do dossier das “dívidas ocultas”, após ter-se constatado que este assinou quatro despachos de autorização para a contratação das dívidas pelas três empresas caloteiras, nomeadamente, EMATUM (Empresa Moçambicana de Atum), MAM (Mozambique Asset Management) e ProÍndicus.
De acordo com a PGR, a conclusão da instrução preparatória do processo autónomo nº 536/11/P/2019 estava “dependente” da colaboração de vários países, com destaque para a África do Sul, Estados Unidos da América, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e Líbano.
“Parte dos países solicitados tem estado a colaborar com a Procuradoria-Geral da República e, neste contexto, a República da África do Sul executou algumas diligências relativas ao arguido Manuel Chang, em 20 de Outubro de 2020”, explica o documento, mas sem revelar quais diligências.
Manuel Chang, recorde-se, na qualidade de Ministro das Finanças, foi responsável pela emissão das garantias soberanas, que permitiram a contratação das dívidas por parte das três empresas caloteiras, entre 2013 e 2014, em nome do Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva, arquitectado pelos serviços secretos moçambicanos.
O ex-Ministro das Finanças aguarda, neste momento, por uma decisão quanto à sua extradição (para Moçambique ou Estados Unidos da América), porém, a PGR avança que “a sua presença se configura de extrema importância para as fases processuais subsequentes”, pelo que, “Moçambique ainda aguarda a decisão das autoridades sul-africanas”.
O presente processo autónomo, refira-se, incluía seis pessoas, porém, a PGR decidiu proferir despacho de abstenção relativamente a dois arguidos, também não identificados.
Entretanto...
No seu comunicado de quatro páginas, a PGR revelou ter ordenado a extração de certidões pertinentes com vista à instauração de um novo processo autónomo, registado na Procuradoria da República – Cidade de Maputo, sob o nº. 372/11/P/2020. O mesmo visa sete arguidos, dos quais três aguardam decisão sobre pedido de extradição, apresentado pelo Estado moçambicano às autoridades dos Estados Unidos da América e “quatro estão em parte incerta”.
Os nomes dos sete novos arguidos também estão em “segredo de justiça”, mas, no passado mês de Outubro, a PGR emitiu três mandados de captura internacional contra os três ex-funcionários do Credit Suisse envolvidos na concessão dos empréstimos. São eles, Andrew Pearse, Detelina Subveva e Surjan Singh. Também emitiu um mandado de captura internacional contra o executivo da Privinvest, Jean Boustani.
“O novo processo autónomo irá ainda abranger outros suspeitos que, de forma ilícita, solicitaram ou se beneficiaram de somas em dinheiro ou bens, no âmbito do Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique”, clarifica o detentor da acção penal, em Moçambique.
Mais dinheiro e bens recuperados
A PGR anunciou ainda que, no âmbito do processo autónomo, recuperou 580 milhões de Meticais em dinheiro e uma vivenda que tinha sido comprada por 850.000 USD, na cidade de Maputo.
Referir que 20 pessoas aguardam, desde ano passado, pelo julgamento, no âmbito das “dívidas ocultas”, sendo que 19 se encontram detidas. Entre os detidos estão o primogénito do ex-Presidente da República, Armando Ndambi Guebuza e o antigo Director do SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado), Gregório Leão. (A.M.)