Confirmou-se o aborto há muito anunciado. O introito vem a propósito do relatório da primeira Comissão da Assembleia da República (AR), a dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade (CACDHL), que se deslocou às províncias de Cabo Delgado, Manica e Sofala para averiguar os alegados relatos de violação dos direitos humanos.
Na verdade, o relatório veio dar razão às vozes discordantes, especificamente a Renamo, que, para o efeito, queria que fosse constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar a situação dos direitos humanos naquelas três províncias, actualmente palcos de ataques aramados.
Para averiguar as alegadas violações dos direitos humanos nas três províncias, a mando da Comissão Permanente da AR, foi a primeira Comissão. Por não concordar, a direcção máxima do partido Renamo instruiu os seus deputados a não integrar a comitiva por entender que se tratava, em termos práticos, de “turismo”. O maior partido da oposição queria que fosse uma Comissão Parlamentar de Inquérito a escalar as zonas de conflito, precisamente, por esta estar investida de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, facto que não acontece com uma comissão de trabalho, desígnio, entretanto, chumbado pela bancada da Frelimo, a maioritária.
E a conclusão não podia ser a mais óbvia: há, sim, violação dos direitos humanos em Cabo Delgado, Manica e Sofala. Aliás, não poderia ser mais do expectável, quando a metodologia de trabalho escolhida pela Comissão assentou na realização de encontros atrás de encontros.
Os encontros, refere o documento, concretamente no capítulo sobre metodologia, foram com Governadores de Província; Secretários de Estado; Comado Conjunto das Forças de Defesa e Segurança; representação do Instituto Nacional Gestão de Calamidades; organizações Humanitárias, representantes das confissões religiosas; representante da sociedade civil; interacção e auscultação às populações deslocadas; e, finalmente, de balanço.
Foi durante o encontro mantido com Comando Conjunto das FDS que a primeira Comissão foi informada que a situação na província de Cabo Delgado é grave e que, a título de exemplo, o distrito de Mocímboa da Praia está nas mãos dos terroristas, sobretudo, o porto e o aeródromo locais. Para o caso dos ataques nas províncias de Manica e Sofala, a Comissão de especialidade soube, durante um encontro com a Governadora e o Secretário de Estado, que os ataques da Junta Militar da Renamo fizeram 11 óbitos, dos quais dois membros das FDS.
O relatório tem, ao todo, 63 páginas. O conteúdo informativo, propriamente dito, parte da página 11 a 30 (conclusão). Da página 30 a 63 são anexos, nomeadamente, pequenas tabelas e fotografias. Corporizam o relatório os pontos-chave das informações prestadas pelas entidades com que a comissão manteve encontros. Aliás, é de salientar que as constatações da comissão e as respectivas recomendações, agrupadas, não fazem seis páginas.
O documento foi submetido à consideração da Comissão Permanente da Assembleia da República no passado dia 30 de Outubro. O órgão analisou, sabe-se, o aludido relatório na passada terça-feira (03). A Comissão Permanente, reunida em sessão extraordinária, mandatou, recorde-se, no passado dia 24 de Setembro, a CACDHL para averiguar a situação dos direitos humanos nas zonas de conflito nas províncias de Cabo Delgado, Manica e Sofala.
A Comissão foi dividida em dois grupos. Um deslocou-se à província de Cabo Delgado e outro foi a zona centro, tendo escalado as províncias de Manica e Sofala. Os deputados visitaram as três províncias de 11 a 16 (de Outubro último). Em Cabo Delgado, o grupo trabalhou, no espaço de cinco dias, na capital provincial (cidade de Pemba) e nos distritos de Montepuez, Chiúre, Metuge e Quissanga. Já o grupo da região centro escalou, em Manica, a cidade de Chimoio e o distrito de Gondola. Na província de Sofala, apenas a cidade de Beira.
Aquela Comissão de especialidade levava como objectivos, anota o documento: “aferir a situação que se vive nas províncias de Cabo Delgado, Manica e Sofala; constatar in loco o ponto de situação dos direitos humanos das populações; colher o ponto de situação dos deslocados do terrorismo nos distritos de Cabo Delgado; colher informações sobre o ponto de situação das populações deslocadas vítimas dos ataques armados em Manica; confortar e manifestar solidariedade às populações afectadas; inteirar-se das medidas que estão sendo tomadas para mitigar o sofrimento das populações; e inteirar-se do ponto de situação de solidariedade interna às vítimas”.
Afinal o que a primeira Comissão constatou nas três províncias? O relatório aponta que a situação humanitária nas zonas de conflito e dos ataques armados (Cabo Delgado, Manica e Sofala) requer uma intervenção coordenada e multissectorial urgente das autoridades para aliviar o sofrimento das populações, isto porque os centros de acolhimento não têm capacidade de albergar todos os deslocados; que os centros de acolhimento não possuem condições materiais e de higiene sanitária para responder à demanda; que os deslocados necessitam urgentemente de locais de reassentamento definitivo.
O documento aponta, igualmente, que é urgente redefinir o plano de reintegração das crianças, adolescentes, e outras pessoas com idade escolar nos centros de acolhimento; que é necessário criar brigadas móveis de ensino e aprendizagem para os que não se encontravam nos centros de acolhimento; que muitos deslocados necessitam de assistência psicossocial em virtude de terem presenciado cenas de assassinatos; que as agências humanitárias condicionam a ajuda aos deslocados à criação de condições pelas autoridades moçambicanas; insuficiência de kits dignidade às mulheres e raparigas, bem como a interrupção da sequência das consultas médicas e de planeamento familiar.
O relatório destaca ainda que aumentou o risco de prostituição; o risco de contaminação pela Covid-19; o risco de eclosão de doenças de origem hídrica com o aproximar da época chuvosa; o aumento de casos de desnutrição crónica; e o risco de aumento da exploração infantil.
Relativamente à violação dos direitos humanos
O relatório da Comissão começa por dizer que a situação dos conflitos armados e os ataques terroristas constituem uma violação grave dos direitos humanos das populações afectadas. Os ataques nas províncias de Manica e Sofala, cuja autoria é apontada à Junta Militar da Renamo, diz o documento, configuram também uma violação dos direitos humanos.
O documento que temos vindo a citar diz também que não foram encontradas evidências de violações dos direitos humanos por parte das Forças de Defesa e Segurança, apenas reportadas situações de uso abusivo da força e autoridade por partes destas. A Comissão diz também que a capacidade logístico-material das FDS está longe das reais necessidades do teatro de operações.
“Não foram encontradas evidências de violação de direitos humanos por parte das Forças de Defesa e Segurança, porém, foram reportadas situações de uso abusivo da força e da autoridade parte destas”, refere o relatório da Comissão. (Ilódio Bata)