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terça-feira, 06 outubro 2020 05:37

Ataques em Cabo Delgado: “É uma situação grave e eu penso que os comandos deviam pensar seriamente nisso”, Armando Guebuza

Os ataques, na província de Cabo Delgado, continuam na ordem do dia. E, na semana passada, mereceram a análise de uma voz autorizada na sociedade moçambicana. Trata-se do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, para quem se a situação, até hoje, não conheceu qualquer desfecho é devido à apatia do comando das Forças de Defesa e Segurança (FDS).

 

Através de um vídeo, de 3:01 minutos, publicado na sua página da rede social Facebook, Armando Guebuza faz a radiografia do cenário que se vive naquele ponto do país. E a conclusão é simplesmente aterradora: “a situação é grave”.

 

Aliás, para Armando Guebuza, não apenas é uma “situação grave”, como também os comandos devem “pensar seriamente” no que está a acontecer no teatro operacional norte.

 

O antigo estadista moçambicano diz que as FDS têm manifestamente denotado uma clara incapacidade de conter os ataques a alvos civis e militares na província de Cabo Delgado, estando os terroristas, cada vez mais, a ganhar terreno.

 

Em meio a suspiros, Armando Guebuza apresenta, igualmente, sérias reservas sobre a capacidade do comando instalado no teatro operacional norte, vincando que este (comando) está a enfrentar dificuldade para dar resposta cabal, sendo, por isso, que a situação evoluiu para estágio de “guerra”.

 

O antigo Presidente da República anota que a situação se torna ainda mais grave porque, para além das vítimas mortais e destruição de infra-estruturas públicas e privadas, os ataques estão a precipitar o deslocamento da população para outros pontos e a interromper todo um ciclo de vida.

 

No aludido vídeo, o antigo estadista moçambicano dá indicações de estar a conceder uma entrevista, porém, não se sabe a quem. Guebuza aparece sentado numa cadeira e dirige-se a uma segunda pessoa que, entretanto, não aparece nas imagens. O vídeo não ostenta assinatura de nenhum órgão de comunicação social, senão um título “temos capacidade para resolver a questão de Cabo Delgado” e uma data indicativa no canto superior direito “02.10.2020”. Aliás, Armando Guebuza, tal como ilustram as imagens, está sentado numa cadeira, sobressaindo ao fundo várias espécies de plantas.

 

“O caso de Cabo Delgado [suspiros] é mais complicado. Muitíssimo mais complicado. Nós temos as nossas forças lá (polícia e as forças armadas). Temos de saber se o comando que elas têm localmente está em condições de garantir a paz que nós queremos. Aparentemente, até agora, há muitas dificuldades. É guerra. Isso é complicado. É muita dificuldade [suspiros]. Também no caso norte, a coisa agrava-se porque a população está a deslocar-se do seu ambiente de vida para locais muito distantes. Interrompe-se todo um ciclo de trabalho e vida das populações. Sem falar das mortes que acontecem. É uma situação grave e eu penso que os comandos deviam pensar seriamente nisso. Mas também se apoiar cada vez mais”, disse Armando Guebuza.

 

O antigo estadista moçambicano aponta, igualmente, que os comandos da FDS não deviam marginalizar os moçambicanos que produzem estudos que versam sobre a situação que se vive naquele ponto do país.

 

Armando Guebuza não parou por aqui. Disse não estar certo de que se está a fazer uso dos quadros com experiência de guerra, alguns hoje membros do Governo. Aliás, Armando Guebuza disse ainda ter reservas sobre se o actual comando das FDS estava a valer-se da experiência de que possuem elementos da Renamo, que fizeram parte da guerra civil que durou os longos 16 anos e fizeram mais de um milhão de mortos. Guebuza disse haver muita “capacidade óssea”, numa altura em que o país está a braços com uma situação “grave”.

 

“Não deviam marginalizar aqueles que têm experiência para a solução destes problemas. Por exemplo, nós temos no Governo pessoas que participaram na luta de libertação nacional e que chegaram a oficiais. Será que estão a ser devidamente utilizadas? Eu penso que não. Por isso, eu penso que é fundamental a exploração das capacidades instaladas ao longo de todos estes anos. Mesmo os da Renamo. Fizeram 16 anos. Estaremos a trabalhar com eles para a solução do nosso problema? Não parece que estejamos a utilizar, com sucesso, essa capacidade óssea num momento tão grave como este”, disse.

 

O trecho da “entrevista” vem semanas depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) ter recebido luz verde do Conselho do Estado para ouvir Armando Guebuza no âmbito do intricado caso das chamadas dívidas ocultas, que lesaram o Estado em cerca de 2.2 mil milhões de Mts. Os empréstimos foram contratados à revelia dos órgãos de soberania, pela EMATUM, PROINDICUS e MAM, no decurso do segundo e último mandato de Armando Guebuza.

 

Por via de uma carta resposta, apresentada durante a sessão que decidiu a favor da audição pela PGR, Armando Guebuza disse, entre outros, que estava a ser vítima de uma perseguição cujo fim último era aniquilá-lo politicamente. O antigo estadista moçambicano disse também se tratar de um expediente político e que não confiava na Procuradoria-Geral de República.

 

Entretanto, é de notar que Armando Guebuza, que conduziu os destinos do país entre 2005-2008 e 2009-2014, foi acusado pelo actual PCA da Empresa Nacional de Parque de Ciências e Tecnologia, Julião Cumbane, que também é docente universitário, de apadrinhar a insurgência em Cabo Delgado.

 

Por via de um post denominado “Carta pública ao meu pai e ídolo político”, na sua conta do Facebook, Julião Cumbane aponta António do Rosário, antigo director de Inteligência Económica no Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), ora detido no Língamo, de usar parte dos dinheiros das dívidas ocultas para financiar a insurgência em Cabo Delgado.       

 

Na aludida carta, Cumbane acusa Armando Guebuza de ter transformado o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) “numa organização criminosa e antipatriótica”. Diz também que o antigo Presidente da República geriu o Estado moçambicano num “império pessoal” e de ter ignorado e odiado a todo aquele que tivesse opinião diferente.

 

Referir que, esta segunda-feira, completaram os precisos três anos desde o registo do primeiro ataque, cujo alvo foi a Vila da Mocímboa da Praia. Coincidência ou não, mas os relatos apontam que aquela estratégica Vila (Mocímboa da Praia) está tomada pelos terroristas.

 

De 5 de Outubro de 2017 a esta parte, os ataques terroristas já fizeram, de acordo com informação oficial, pouco mais de 1.000 mortos e provocaram mais de 350 mil deslocados. (Ilódio Bata)

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