O antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, foi, na última quinta-feira, convidado a falar dos 30 anos da Democracia Multipartidária, cujo marco foi a aprovação da Constituição de 1990. A ideia era mesmo para contar, ao detalhe, os passos que abriram espaço para o nascimento daquela lei fundamental, que, praticamente, marcou a viragem do sistema do partido único para o multipartidarismo. A “Constituição de 90”, como ficou baptizada, que este ano completa três décadas (30 anos), até que preencheu toda a sua intervenção, mas a “estrela dia” foram mesmo os ataques terroristas que têm estado a ocorrer na província de Cabo Delgado, para quem deve-se “cavar razões”.
Na calma que lhe é característica, Joaquim Chissano defendeu a necessidade de se fazer um diagnóstico claro, vincando não ser líquido que os ataques terroristas estejam fundados na existência de recursos naturais naquela província da região norte do país. Aliás, Chissano disse que só com a descoberta das reais razões é que se poderá encontrar os meios para sua erradicação.
A existência de abundantes recursos naturais (gás, petróleo e outros), disse o antigo Presidente da República, nem sempre constitui razão para a eclosão de ataques terroristas. A título de exemplo, Joaquim Chissano destacou os casos de Congo, Gabão, Guiné-Equatorial, Arabia Saudita, Qatar que dispõem de recursos como petróleo e gás, mas que nem por isso se debatem com situações de ataques terroristas nos locais onde estão implantados os megalómanos projectos.
“Eu ainda não cheguei a nenhuma conclusão. Ainda não fui informado que haja uma conclusão de que o que acontece, em Cabo Delgado, é devido aos interesses nos recursos que lá existem. Nem sempre há guerras desse género onde há recursos. É frequente encontrarmos aqui e acolá uma pequena relação. Mas, não se manifesta da mesma maneira, pois há muitos países que têm recursos, mas não há esta guerra. Vamos para Congo, Gabão, Guiné-Equatorial há petróleo, gás, mas não há esta guerra. O mesmo acontece nos Emirados, Arabia Saudita, Qatar, Indonésia não há esta guerra. Mesmo Timor Leste que é pequeno e tem recursos não há esta guerra. Portanto, eu ainda não cheguei à conclusão de que é por causa dos recursos que temos esta situação. Deve-se cavar a razão desta guerra para se encontrar os meios para debelar. Na guerra, a gente tem um adversário com quem se bate. Mas esta aqui que guerra é? Portanto, para saber o que fazer devemos primeiro fazer um diagnóstico claro”, defendeu Joaquim Chissano.
Os ataques terroristas, em Cabo Delgado, e os que têm estado a ter lugar nas províncias de Sofala e Manica, cuja autoria moral e material é imputada à auto-proclamada Junta Militar da Renamo, liderada por Mariano Nhongo, configuram os desafios da actualidade.
Adiante, o antigo Chefe do Estado disse que o diálogo continua a ser a melhor via para resolução de qualquer diferença, recordando que foi assim com o regime fascista, com a Renamo sendo, igualmente, aplicável a situação dos ataques armados em Cabo Delgado, apesar de ainda não se conhecerem os rostos, bem como as reais motivações.
“O diálogo nunca se deve pôr de parte. Agora, é preciso encontrar com quem dialogar e sobre o quê dialogar. E sempre procurar. Fizemos assim com os portugueses. Fizemos assim com a Renamo. O diálogo nunca deve ser descartado. Deve ser encontrada sempre uma forma de ser iniciado e termos um interlocutor”, anotou.
A província de Cabo Delgado é, desde Outubro de 2017, palco de ataques armados a alvos civis e militares. Ao que tudo indica, os ataques vêm sendo protagonizados por indivíduos inspirados no radicalismo islâmico extremo. Dados oficiais apontam para o registo de cerca de 1.000 mortos e mais 300.000 deslocados. (I. Bata)