O Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização da sociedade civil que se dedica à investigação e promoção de debates acerca das políticas e outras temáticas agrárias e de desenvolvimento rural, defende que a descentralização democrática na administração de terras deve reflectir-se, através do reconhecimento, ao nível distrital e local, das competências não só de formulação, como também da implementação de planeamento territorial.
A tese está expressa numa análise divulgada pela organização, esta segunda-feira, na publicação Destaque Rural, e vem a propósito da revisão da Lei Política Nacional de Terras, em curso no país, cujo processo de auscultação pública foi lançado no passado dia 16 de Julho, pelo Chefe de Estado.
O facto, diz a análise assinada por João Carrilho – Presidente da Organização e membro da Comissão Técnica para a revisão da Política Nacional de Terras – é que, actualmente, os administradores de distrito ou responsáveis dos escalões mais baixos do Estado não têm competência para autorizar o DUAT (Direito do Uso e Aproveitamento de Terra) ou sua transmissão, para qualquer dimensão de terreno, embora sejam os mais informados.
Porém, defende a organização, um dos principais requisitos para que um sistema de administração da terra seja eficiente é a existência de informações fiéis, actualizadas e precisas. “Tal pressupõe um papel importante da subsidiariedade, isto é, as autoridades superiores realizam função subsidiária apenas quando essa função as ultrapasse em capacidade e interesse local. É ao nível local que melhor e com maior actualidade se conhece a situação do uso da terra, quem a utiliza, como a utiliza, onde se localiza e eventuais mudanças”, explica, acrescentando que os planos distritais de uso da terra constituem um instrumento de ordenamento do território que deve contemplar as aspirações das comunidades locais e que deve tomar em conta as directrizes nacionais e provinciais.
“O nível mais baixo com competências de adjudicação de DUAT por autorização é o de governador de província. (...) Então, para que servem os planos de uso da terra ao nível de distrito, que já são ratificados ao nível provincial?”, questiona.
A análise defende ainda que a importância que o Estado atribui à descentralização democrática da terra deve também reflectir-se no reconhecimento de competência de cadastro local e na criação de mecanismos de ligação deste ao Cadastro Nacional, pois, actualmente, “não existem mecanismos para que actualizações e mudanças passíveis de averbamento sejam registadas no Cadastro Nacional de Terras”, nas situações em que a terra é obtida, através das regras costumeiras.
“A revisão deve contemplar a possibilidade de um papel mais activo das comunidades, uma vez clarificado o seu conceito e constituição, na atracção de investimentos, com supervisão das autoridades do Estado, com critérios bem definidos”, acrescenta o documento, que classifica o actual papel das comunidades nas consultas comunitárias como “passivo”, alegando até haver casos de consultas sobre o mesmo terreno para investidores diferentes.
“A gratuidade do uso da terra deve ser mantida para toda a utilização de subsistência, mas não deve ser fechada a possibilidade de surgimento de actividade rural comercial – agrícola, turística e outra – a qual deve ser tributada, mesmo que seja da iniciativa da comunidade e seus membros”, sublinha.
No entender do OMR, a política e a legislação de terras mantêm um dualismo no tratamento da questão de terras, por um lado, através do direito escrito, que reflecte a visão colonial-central de administração de terras e, por outro, a administração das terras comunitárias por autoridades locais, com base no direito costumeiro.
Por isso, considera a organização, “(...) esta tendência de desenvolvimento separado, combinando uma tímida descentralização democrática com sinais de re-centralização, irá atrasar a integração e a construção de uma cidadania moçambicana. A sua justificação com base em assimetrias de informação, no medo das forças externas e do mercado, que tem sido utilizado para uma «blindagem» à protecção automática e centralizada das comunidades, tem também o efeito negativo de manifestar uma descrença na capacidade local de gestão e fecha oportunidades de desenvolvimento”. (A.M.)