Organizações da sociedade civil, nomeadamente Kuwuka JDA, Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC) e o Centro de Integridade Pública (CIP), exigem ao Governo a reforma de alocação dos 2,75%, de receitas de exploração dos recursos minerais, para as comunidades afectadas pela indústria extractiva.
Em causa, apontam em geral, que as comunidades não estão a beneficiar-se efectivamente do valor, facto que gera desigualdades e que a verba é muito ínfima.
O grito pela reforma aconteceu numa conferência organizada pela Kuwuka JDA e na qual as organizações debateram em torno da alocação dos 2.75%, pelo Governo, para o desenvolvimento das comunidades afectadas pela exploração dos recursos minerais.
Coube ao representante da AAAJC, António Zacarias, contextualizar, em evento, que a percentagem de 2,75% das receitas geradas pela extracção mineira (e petrolífera) para programas que se destinam ao desenvolvimento das comunidades das áreas onde se localizam os projectos, foi definida, pela primeira vez, pelo Orçamento do Estado de 2013, também conhecida por Lei n°1/2 no âmbito das leis de Minas e de Petróleos.
Zacarias expôs que, embora vise garantir a melhoria das condições de vida das comunidades afectadas, o impacto na vida da população é problemático porque o valor é gerido pelo Governo central, “e não pelos Conselhos Consultivos nem da localidade, nem do Posto Administrativo, nem os famosos Conselhos Consultivos Distritais muito menos nos Conselhos Consultivos Autárquicos”.
O representante da AAAJC, em Tete, apelou ainda para a revisão do conceito de comunidades afectadas porque nem sempre as comunidades afectadas são aquelas em que as empresas exploram os recursos minerais.
Exemplificou que, parte dos 2,75% do dinheiro resultante da exploração de carvão de Marara pela Jindal África deve ser redistribuído para o benefício das comunidades da povoação do Porto Seco, no distrito de Moatize. “Quanto aos moradores das áreas adjacentes à estrada que liga as usinas de produção em Chirodzi, passando pela linha férrea até ao porto de exportação, esses, devem beneficiar-se de alguns pacotes de compensação pela sua exposição ao ar contaminado, vibrações entre outros males”, acrescentou o activista.
À semelhança do representante da AAAJC, o investigador do CIP, Rui Mate, também disse, citando um estudo recente feito pela sua organização, que o modelo não distingue as transferências de receitas para as comunidades (os 2,75%), das transferências do Orçamento do Estado para os Governos Distritais.
“O processo de partilha de receitas não é transparente tanto a nível da determinação do volume de receitas bem como a nível da gestão dos fundos no distrito. No modelo, os investimentos não são geradores do desenvolvimento para as comunidades beneficiárias, mas, um potencial de geração de desigualdades”, acrescentou o investigador.
Perante esses problemas, Mate recomendou a alteração do actual fluxo de transferências das receitas de partilha com as comunidades que é feita por via do Orçamento do Estado para um fluxo fora do Orçamento do Estado.
Mate disse ainda ser necessário criar-se um órgão independente para a gestão e execução das receitas das transferências para as comunidades, bem como mudar-se os mecanismos de alocação, gestão e determinação dos projectos de desenvolvimento comunitário para promover maior transparência e eficácia nos resultados da implementação dos projectos.
“Aumentar a percentagem da taxa de partilha de receitas para 5,75% de modo a incluir comunidades do distrito produtor não directamente afectadas pelos projectos extractivos e actualmente excluídas nos benefícios das transferências comunitárias; e consolidar mecanismos de transferências para as comunidades que permitam reduzir desigualdades e riscos de conflitos nos distritos produtores de recursos naturais”, concluiu o pesquisador no CIP.
À margem da conferência, o Director Provincial de Economia e Finanças, em representação do Conselho dos Serviços de Representação do Estado, Carlos Comissal, disse que o Governo acolheu todas as inquietações e recomendações apresentadas e que deverá encaminhá-las às autoridades superiores.
Aliás, Comissal também reconhece haver no processo de alocação dos 2,75% muitos desafios, com destaque para a clarificação do cálculo do montante, desenvolvimento das comunidades das áreas onde se canalizam os empreendimentos, que muitas vezes se confundem com as comunidades reassentadas; e melhorar o nível de conhecimento, através de capacitações das comunidades para gerir os processos sobre a implementação dos fundos.
Por seu turno, o Presidente do Conselho Directivo da Kuwuka JDA, Camilo Nhancale, assinalou também, à margem do evento, que as organizações da sociedade civil têm vindo a desencadear movimentos para sensibilizar o Governo a fim de reverter o actual modelo de alocação dos 2.75% às comunidades afectadas pelas explorações mineiras. “O Governo não tem outra saída, senão reformular a política”, vincou Nhancale. (Evaristo Chilingue)