Está instalado o mal-estar na Câmara de Comércio de Moçambique (CCM). Julião Dimande, Presidente da CCM, é acusado de desmandos e gestão ruinosa da agremiação.
Ao presidente da CCM são-lhe apontados vários pecados. Desde a má relação com os seus colaboradores directos (incluindo o vice-Presidente), o uso de facturas falsas para obter reembolso na CCM, simulação de avarias na sua viatura para sacar valores da instituição e ainda a realização de despesas sem elegibilidade, para benefícios pessoais, destacando a reparação da sua viatura com valores superiores a 500 mil Meticais. As acusações constam de uma “Carta-denúncia” a que o nosso jornal teve acesso.
Os queixosos não param por aqui. Apontam que Julião Dimande realiza viagens de proveito “nulo” para a CCM, ignorando o parecer desconfortável dos colaboradores, com o objectivo de beneficiar de ajudas de custos, numa altura em que, tal como referem, a instituição tem a sua situação financeira precária.
Apontam, igualmente, que o Presidente da CCM vive, actualmente, às custas do subsídio de 70 mil Meticais e aufere regalias tais como combustível, comunicação e outras, bem como de realizar viagens pontuais com valores do caixa diário.
Aliás, referem na missiva, que a empresa Jhossi Comércio Internacional (sediada na Av. de Moçambique), que representa o Presidente da CCM, está em execução junto da banca, num lote onde também faz parte a sua residência, sita no bairro da Costa do Sol, rua nº. 5786.
Num anúncio, datado de 19 de Julho de 2020, publicado no Jornal Notícias, a 1ª. Secção Comercial do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo comunica a execução ordinária nº. 108/2014-p da Jhossi Comércio Internacional e Julião Dimande, num processo que tem como exequente o Banco Mercantil e de Investimentos (BMI). Concretamente, ordena a venda de um imóvel sito no bairro do Jardim, Av. de Moçambique, no valor de 9.170.000,00 Mts e o outro, já no bairro da Costa do Sol, no valor de 6.937.000,00 Mts.
“[Presidente da CCM] chega a usar facturas falsas para solicitar reembolsos na CCM; usa influência em alguns estabelecimentos hoteleiros e restaurantes simulando reuniões de trabalho com empresários; Simula avarias na sua viatura para tirar valores da CCM; Realiza viagens desnecessárias, sem proveito nenhum para a CCM, não obstante o parecer desfavorável dos demais colaboradores e assembleia geral, para beneficiar de ajudas de custos, nunca tendo trazido realizações dessas viagens. Chega a realizar viagens mesmo estando a CCM numa situação financeira precária”, refere o documento.
A carta destaca que, na senda da gestão pouco criteriosa dos fundos da instituição, membros do seu elenco colocaram os seus respectivos cargos à disposição e que, por não concordar com os moldes de gestão, o vice-presidente chegou mesmo, via oficiosa, a manifestar o seu descontentamento junto do seu superior hierárquico (Julião Dimande).
Na folha de serviços daquele dirigente consta ainda, anota o documento que temos vindo a citar, a recusa de uma auditoria independente que seria feita, a título gratuito, pela firma Ernest&Young. Referem também que foram identificados certificados de origem falsos, tanto a nível nacional como internacional, emitidos pela CCM, estando o caso a correr os seus trâmites nos órgãos de justiça.
Resultante das “nebulosas empreitadas” de Julião Dimande, dizem os queixosos, a imagem da CCM está a deteriorar-se por causa do histórico de execuções de que têm sido alvo o presidente, facto que, igualmente, revela a falta de capacidade de gestão e, ainda, de estar a sacrificar as contas da instituição, numa altura em que a mesma se debate com sérios problemas de tesouraria.
Julião Dimande conduz os destinos da Câmara de Comércio de Moçambique desde o ano de 2015. A 30 de corrente mês, está agendada a Assembleia Geral para discutir o presente e o futuro da agremiação.
Fundada em 1980, a CCM é uma instituição que actua na área do comércio. Concretamente, dedica-se à promoção do desenvolvimento harmonioso dos negócios dos associados, com vista a garantir participação efectiva destes nas actividades económicas. A instituição possui delegações em todas as províncias do país.
Reacção de Julião Dimande
Carta de Moçambique contactou, na manhã desta segunda-feira, Julião Dimande. Dimande não se coibiu em responder as nossas questões. Disse que não se revia nas alegações e que era obra de pessoas “sobejamente conhecidas” que tarde ou cedo serão conhecidas pelo grande público. Dimande apontou que, para além de desprovidas de qualquer fundamento, as acusações não visam outra coisa senão denegrir a sua imagem.
Execução dos seus bens pela banca
“Quando a empresa coloca o seu património para resolver os seus assuntos, penso que não se trata de qualquer crime. Pelo contrário, tínhamos de ter muitas empresas idóneas com esta natureza. É diferente de estar ligado a uma dívida oculta que eu acredito que as pessoas que estão a trazer esta informação, que são sobejamente conhecidas, pensam que as coisas são feitas assim. Eu tenho crédito bancário. O património é meu. Acho que, em nenhum momento, esse património deve ser discutido porque não é colectivo. É meu. Não vejo nenhum problema um empresário que tem as suas empresas em dificuldades, porque foi financiado, colocar os seus bens à venda. Eu não sei se isso é problema. Todos sabem que eu tenho património avaliado acima de 3 a 4 milhões de USD. As pessoas sabem. E não é dinheiro de dívidas ocultas, não é dinheiro duvidoso. Trata-se do meu dinheiro que trabalhei no Estado”.
Regalias
“Eu, como Presidente, tenho as minhas regalias, assim como os funcionários da Câmara que têm um salário. Ainda disseste bem, subsídio. O subsídio é para quem trabalha e não para quem rouba. Mas o que a câmara não vai permitir é que trabalhe com pessoas que não sabem fazer nada para poder ganhar o que ganhava, não vai acontecer. Isso não vai acontecer”.
Auditoria independente
“Sabe, essas pessoas estão numa instituição e não querem olhar para aquilo que são as regras. A Câmara tem uma assembleia que reúne, e por acaso vai reunir dia 30 (Setembro), e isto tudo é em volta daquilo que vai acontecer. A câmara deliberou e aprovou em sede da assembleia que as auditorias não são oferecidas. Primeiro, o Conselho Fiscal deve fazer auditoria da Câmara. Eu sei que estás a falar da Ernest &Young, um contrato que alguém tratou, tenho conhecimento sim, mas eu não passo por cima das decisões da assembleia. Disseram que primeiro devia ser feita a auditoria interna e, de facto, os auditores internos estão a trabalhar. Segundo, vamos fazer essa auditoria que também tem recomendações claras em acta na câmara. Não são minhas palavras. Está na acta”.
Carta de Moçambique: já agora, Sr. Presidente quem é essa pessoa?
“Não. Não. Em sede própria. Não estamos preocupados com as pessoas. Estamos preocupados com o trabalho. Todos os procedimentos são feitos dentro de um quadro legal. Estou na Câmara desde 2015 e a evolução que está a conhecer é essa que todos estão a testemunhar. É estranho, mas nós percebemos o que as pessoas querem. A lei não permite. Quem trouxe essa carta é um anónimo hoje, mas amanhã já não será um anónimo. Porquê? Porque tem antecedentes. Tem antecedentes que em sede da assembleia, inclusive, houve propostas duras para esse grupo. Estas pessoas não se vão esconder por muito tempo”.
Certificados de origem falsos (nacional e internacional)
“Bom, o que acontece é que quando as pessoas não conhecem os procedimentos tudo aquilo que acham que devia ser feito, porque eles pensam que é daquela forma, é um problema. Eu gostaria de perguntar porque esta coisa de certificação tem regras. Quando é que um certificado é falso? Quando é que um certificado é válido. É depois da emissão ou depois da venda? Se perguntares a essas pessoas não te vão saber explicar. O problema está aí. Não sabem. Não precisamos criar alaridos. Quando a Câmara não tinha capacidade de pagar os salários há quatro anos e só trabalhava para pagar salários aos trabalhadores não era sustentável. Entretanto, hoje a câmara é sustentável, inclusive, está a impor que na sua organização não é para beneficiar pessoas. Essas pessoas vão trazendo isso. Eu sempre vivi à custa das minhas empresas. Agora, se eu trabalho, eu organizo, se eu trago sustentabilidade tenho sim direito a subsídio e os mesmos não começaram hoje. Começaram desde a existência da Câmara. Agora, essas pessoas que vieram de para-quedas e pensam que percebem o funcionamento institucional é que estão, infelizmente, perdidas”.
Situação financeira da CCM
“Desde que nós estamos nessa situação da pandemia, não conheço nenhuma viagem que foi feita. Mas conheço resultados à luz dos princípios que a CCM está a fazer todo o trabalho que devia fazer em deslocações”.
O Sr. Presidente está a dizer que não efectuou nenhuma viagem desde a eclosão da pandemia no país?
Temos estado a assinar contratos de forma virtual e com apoio do Governo a partir das embaixadas desses países. Essas pessoas que te estão a trazer esses elementos metem pena porque não conhecem o nosso trabalho. Caso queira, temos provas e vamos fornecer. Olha, desde que a Câmara foi fundada em 80 nunca ficou um mês sem pagar salários. Mesmo quando nós encontramos a Câmara em 2015, tinha de facto problemas financeiros, entretanto, nunca passou um mês sem pagar o irrisório salário aos seus trabalhadores. Se calhar as pessoas saibam o que estão a dizer. O que eu sei é que a Câmara está sustentável. Está a capacitar os seus técnicos e mobilizamos cooperação com a Alemanha, onde estão sendo formados quadros da Câmara”.
Relação do Presidente com o vice e colaboradores
“Sabe o que dizia o presidente Samora Moisés Machel? Quando o inimigo reclama é porque vocês estão certos. O vice-Presidente está vivo e pode ligar para falar com ele. Ele pode responder pessoalmente. Eu não respondo por ele, mas eu trabalho com ele. Coordeno com ele. Planificamos os trabalhos a serem feitos. Assinamos acordos e o que é para implementação, ele implementa”. Membros que pediram demissão? Mais uma vez volto a dizer: quando as pessoas não conhecem o funcionamento vêm com essas afirmações. Há pessoas nomeadas pelo Presidente tal como vem nos estatutos. Essa pessoa pode ser nomeada e pode ser exonerada ou querendo pode renunciar ao cargo. Há algum problema? Eu não vejo. A instituição está lá”.
Viatura, despesas com viatura que ultrapassam 500 mil e facturas falsas
“Uma coisa vergonhosa. Eu estou a usar carro próprio. Então, tem de avariar o meu carro quando uso no trabalho que desenvolvo é em benefício da Câmara. Facturas falsas? É um assunto novo que está a trazer. Esse valor de 500 mil são informações para aqueles que vivem denegrindo a imagem das pessoas. Eu não estou preocupado com isso. Eu estou na Câmara desde 2015 e essas pessoas estão na Câmara desde 2017. A Câmara até devia dar uma viatura ao Presidente como fazem outras organizações enraizadas no país. E a Câmara tem de lutar para fazer isso”. (Carta)