A Brigada de Intervenção da SADC (FIB) na RDC não deve ser adulterada, insistiu a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) na sua recente cimeira anual, realizada em Maputo. Esta asserção consta num artigo de análise de Peter Fabricius, consultor do Instituto de Estudos de Segurança baseado em Pretória, na África do Sul.
A SADC enviou uma mensagem ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, em resposta às propostas do Conselho de Segurança da ONU para que a força fosse reconfigurada.
O FIB (versão na língua inglesa) é um componente especial da Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) - a missão de paz da ONU naquele país. Tem um mandato mais robusto do que o resto da MONUSCO, para permitir-lhe montar operações ofensivas contra a miríade de grupos rebeldes que tornam miserável a vida dos que vivem no leste da RDC.
A Brigada de Intervenção foi criada em 2013, composta por batalhões de três estados membros da SADC - Tanzânia, África do Sul e Malawi. Inicialmente, concentrou-se na eliminação da ameaça representada pelos rebeldes da M23 apoiados por Ruanda, no leste da RDC.
O M23 tinha chegado a capturar Goma, a capital da província de Kivu do Norte.
A Brigada derrotou o M23, mas desde então a sua missão e operações mudaram. Nunca pareceu a envolver-se com o outro grupo rebelde, as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR).
Depois de várias escaramuças com grupos rebeldes menores, a partir de 2017, o FIB enfrentou as Forças Democráticas Aliadas (ADF), uma facção rebelde originária de Uganda e que agora está supostamente filiada ao Estado Islâmico.
É contra as Forças Democráticas Aliadas que o FIB tem travado as suas batalhas mais sangrentas. A título de exemplo, a 7 de Dezembro de 2017, 14 soldados da Tanzânia foram mortos e mais de 50 feridos num grande ataque das Forças Democráticas Aliadas a uma base da MONUSCO no território de Beni, Kivu do Norte.
Já a 3 de Setembro de 2018, num outro ataque do ADF em Beni, dois soldados sul-africanos ficaram feridos e a 14 de Novembro de 2018, uma ofensiva combinada do FIB e do exército da RDC deu muito errado e seis soldados do Malawi e um da Tanzânia foram mortos. Outros oito soldados do Malawi foram feridos e vários desaparecidos.
Esta última batalha custosa parece ter mudado o mandato do FIB. Desde então, a Brigada de Intervenção da SADC tem desempenhado um papel diferente, mais no apoio às Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) do que no combate activo.
Tem conduzido o planeamento conjunto, estratégias e patrulhas e compartilhando inteligência com as FARDC, mas deixou a luta para os congoleses.
No Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos (EUA) parecem liderar a tarefa de reconfigurar o FIB, como parte de sua missão de cortar os custos de manutenção da paz. Os Estados Unidos consideram que após as pacíficas, embora pouco democráticas, eleições de 2018, a MONUSCO deveria começar a encerrar suas operações na República Democrática do Congo.
Quando a ONU reduziu a MONUSCO para 16.215 soldados em 2017, a SADC opôs-se na redução da força da Brigada de Intervenção. O núcleo do FIB permaneceu praticamente intacto, embora tenha perdido alguma força de reserva, incluindo o apoio aéreo dos helicópteros de ataque Rooivalk da África do Sul, que foram fundamentais para derrotar o M23.
Hoje o Conselho de Segurança da ONU quer reconfigurar a força, substituindo um dos três batalhões da SADC por um composto por tropas não pertencentes à SADC. Entretanto, a SADC opõe-se, alegando que não foi consultada.
Um funcionário da SADC lembrou que a Brigada de Intervenção da SADC (FIB) foi concebida para actuar no leste da RDC 'para resgatar uma situação que a MONUSCO não conseguiu ou não quis resolver'. Isso foi claramente uma referência ao fiasco das tropas da MONUSCO que permaneceram impotentes enquanto o M23 tomava Goma. Em 2013, o FIB injectou um novo propósito na MONUSCO e aumentou as esperanças de que poderia ajudar os militares da RDC a restaurar a paz no leste cronicamente violento e instável. Mas agora grande parte dessa esperança se desvaneceu.
Os rótulos, afiliações e talvez objectivos dos grupos rebeldes mudaram ao longo dos anos, mas a perseguição brutal à população local parece ter piorado.
“Entre Janeiro e Junho de 2020, combatentes de grupos armados foram responsáveis pelas execuções sumárias ou assassinatos arbitrários de pelo menos 1.315 pessoas, três vezes mais do que no mesmo período em 2019”, disse o Escritório Conjunto de Direitos Humanos da ONU sobre o leste da RDC.
O Grupo de Pesquisa do Congo prevê um aumento constante do número de civis mortos pelo ADF desde Junho de 2017, com pico em Novembro de 2019, quando matou cerca de 120 pessoas. O ataque de 2019 foi aparentemente uma retaliação contra uma grande operação das FARDC conduzida contra suas bases - sem o apoio da FIB.
Esses massacres provocaram protestos civis no leste da RDC, com grande parte da raiva dirigida à MONUSCO por não ter conseguido conter as mortes.
Se o FIB perdeu de facto, senão de jure, o seu mandato original para perseguir agressivamente os grupos rebeldes, porque é que a SADC insiste em manter o seu carácter especial? Fontes da ONU sugerem que alguns países da SADC no FIB estão realmente mais preocupados em não perder o dinheiro que a ONU lhes paga para contribuir com tropas.
O que parece ser necessário aqui não é tanto uma insistência que o FIB permaneça uma operação totalmente SADC, mas que recupere totalmente a sua missão e propósito originais.
Que era, de acordo com a Resolução 2098 do Conselho de Segurança da ONU, realizar operações ofensivas direccionadas ... seja unilateralmente ou em conjunto com as FARDC, de forma robusta, altamente móvel e versátil ... [para] prevenir a expansão de todos os grupos armados, neutralizá-los e desarmá-los, a fim de contribuir para reduzir a ameaça representada pelos grupos armados às autoridades estatais e à segurança civil no leste da RDC e abrir espaço para actividades de estabilização. (Faustino Igreja)