Os tribunais moçambicanos parece terem tomado uma decisão tácita no processo das “dívidas ocultas”: violar os prazos processuais virou norma. E não há instância que escape a este comportamento: os próprios tribunais Supremo e Superior de Recurso, que deviam ser exemplo de boas práticas, também embarcaram na mesma onda.
A 31 de Julho, o Tribunal Superior de Recurso (TSR) libertou finalmente um acórdão através do qual recusa a liberdade provisória de Ndambi Guebuza, Sérgio Namburete, António Carlos do Rosário. Os juízes da 3ª Secção Criminal do TSR da cidade de Maputo, colectivo composto por Manuel Guidione Bucuane, Gracinda da Graça Muiambo e Achirafo Abdula, decidiram não dar provimento aos recursos da defesa dos três arguidos, que contestavam a prisão preventiva decretada pelo juiz Délio Portugal, em Fevereiro. O TSR alega agora que sua soltura representaria “risco de fuga, continuação da actividade criminosa e perturbação da instrução do processo”.
O acórdão do TSR responde a um recurso interposto imediatamente após a prisão preventiva dos três arguidos, em Fevereiro, e é lavrado depois da expiração dos prazos dessa prisão preventiva e, também, da própria instrução contraditória, perdendo qualquer relevância para os requerentes.
Curiosamente, no despacho a que tivemos acesso, os juízes explicam que “os princípios da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva demonstram-se preenchidos para se manter os acusados em prisão preventiva”.
Em meios forenses, o facto de o TSR ter levado quase cinco meses a dirimir sobre simples recurso à prisão preventiva está a ser motivo de comentários tanto jocosos como de simples indignação. O TSR, constituído há poucos anos, com o objectivo de desanuviar o trabalho do Tribunal Supremo, é composto por 12 juízes distribuídos por quatro secções, os quais gozam de mordomias infindáveis, incluindo casa e viatura.
O acórdão em causa não faz qualquer efeito sobre a prisão preventiva dos arguidos visados uma vez terminada a instrução contraditória, mas pode ser fundamental para uma futura decisão da juíza da causa, Evandra Uamusse, que dentro de poucas semanas deverá fazer a pronúncia (acusação definitiva) ou despronúncia dos arguidos.
Nesse processo, Evandra Uamusse deverá reavaliar a situação de reclusão de cada arguido e, agora, com o acórdão do TSR, sua tendência será a de seguir a mesma linha. Aliás, sem o acórdão do TSR, Uamusse não teria como tomar uma decisão a esse respeito. Ou seja, o acórdão do TSR, mais do que responder a um pedido dos arguidos é interpretado como um expediente para influenciar a decisão da juíza Evandra Uamusse.
Outro caso de completa violação de prazos acontece no Tribunal Supremo. Depois de ter levado mais de três meses a decidir sobre pedidos de “habeas corpus” de três arguidos, contrariando a Constituição da República (que estabelece um prazo de oito dias), o Supremo está novamente a fazer vista grossa a prazos nos pedidos extraordinários de “habeas corpus” requeridos por alguns dos arguidos há mais de 12 dias, na sequência da expiração dos prazos de prisão preventiva. O caso está nas mãos do juiz-conselheiro António Namburete, que já teve uma passagem cinzenta como Procurador-Geral da República. (M.M. e O.O.)