Um grupo, constituído por mais de 150 ex-trabalhadores da empresa pública Petróleos de Moçambique (Petromoc), acusa a sua antiga entidade patronal de ter usado, indevidamente, os valores referentes às suas pensões de reforma, no valor superior a 12 milhões de Mts, no âmbito do seguro colectivo que a empresa firmou com a Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE), em 1978, agora transferida para o regime obrigatório do Sistema de Segurança Social, gerido pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
Na denúncia submetida à Procuradoria-Geral da República, a 20 de Março último, a que a “Carta” teve acesso, o grupo de trabalhadores reformados da Petromoc alega ter sido ludibriado pela gestão da Petromoc, ao lhe ter convencido a assinar acordos de rescisão contratual para depois excluí-lo do benefício do direito da pensão de reforma.
Em causa, segundo os contestatários, está o suposto incumprimento do Contrato de Seguro, denominado Apólice nº 8, que a empresa celebrou com a EMOSE, a favor do seu pessoal. O documento, sublinhe-se, é uma herança das extintas Companhia de Seguros Nauticus (agora EMOSE) e das Sociedades Nacionais de Petróleos de Moçambique e de Refinação de Petróleos – que se fundiram e criaram a Petromoc – que as duas empresas assumiram, tendo dado continuidade até 2010, ano em que foi extinto. O seguro cobria subsídios de morte, por invalidez e esquema de pensões de reformas.
Segundo o grupo, a referida Apólice não era de regime contributário, sendo que cabia à Petromoc, na qualidade de segurado, contribuir através do pagamento de anuidades e cobertura de todos os trabalhadores que fizessem parte do quadro pessoal. Entretanto, apesar de reconhecer que cessou os contratos de trabalho antes de atingir a idade normal de reforma (50 e 55 anos de idade para homens e mulheres, respectivamente), o grupo refere que reunia condições para se beneficiar de qualquer valor de esquema de pensões de reforma.
O contrato em causa afirma, no seu artigo 8.1: “de comum acordo com a seguradora, qualquer pessoa segurada poderá ser reformada antes da data normal da reforma, desde que tenha completado 20 anos de serviço pensionável, mas não antes de ter atingido os 45 anos de idade. No entanto, por motivo de doença, poderá qualquer pessoa assegurada ser reformada antes dos 45 anos de idade, mesmo que não tenha completado 20 anos de serviço pensionável”.
Na exposição, os denunciantes defendem que a assinatura do acordo de rescisão de contratos de trabalho, no âmbito do Redimensionamento da Força de Trabalho, decorrida entre 2013 e 2014, nunca significou prescindir do direito de benefício da pensão de reforma pelo seguro colectivo que a Petromoc tinha com a EMOSE.
Já na carta submetida à Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), a 11 de Janeiro de 2019, os denunciantes afirmam que a sua pensão foi retirada sem consulta prévia. Acrescentam que tentaram resolver o litígio com a empresa, através do Órgão Sindical e da Direcção dos Recursos Humanos da Petromoc, mas sem sucesso. “Desesperados, recorreram aos Ministérios do Trabalho e de Energia. Do primeiro não obtiveram nenhuma reacção e do segundo receberam uma carta, prometendo pronunciamento definitivo que nunca mais houve”, relatam.
“Portanto, a retirada do direito à Pensão de Reforma depositada na EMOSE (…) constitui uma grave violação dos seus direitos e cria grande tristeza e preocupação”, afirmam, sublinhando: “neste momento, a maior parte dos signatários está desempregada, já na terceira idade e não puderam fazer a manutenção voluntária no sistema de segurança social obrigatória, encontrando-se na situação de pobreza junto das suas famílias, enquanto deram toda a sua juventude e o melhor de si como trabalhadores da Petromoc”.
“Os signatários sentem-se burlados pela Petromoc, que durante anos criou expectativas de direito de reforma na EMOSE e no INSS, direito retirado a uns e mantido aos outros, porque os que atingem a reforma normal estando abrangidos pela Apólice no 8 continuam a beneficiar-se das suas pensões”, revelam, na missiva que submeteram à CNDH.
Tribunal deu razão à Petromoc
O caso chega à PGR, depois de ter sido “dirimido” na 12ª Secção-Laboral do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM). Na Petição Inicial submetida àquele Tribunal, os denunciantes sublinhavam: “o direito, uma vez adquirido, não pode ser retirado, seja por futuras mudanças legislativas ou qualquer facto jurídico superveniente porque tal direito já se encontra incorporado na esfera jurídica do respectivo titular”.
A acção foi intentada a 13 de Novembro de 2015, facto contestado pela Petromoc, alegando que entrou naquela instância judicial à margem do prazo legalmente estabelecido. O facto foi acolhido pelo Tribunal, citando os números 1 e 2 do artigo 56 da Lei nº 23/2007, de 01 de Agosto, conhecida como Lei do trabalho, que estabelece: “todo o direito resultante do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação prescreve no prazo de seis meses, a partir do dia da sua cessação, salvo disposição legal contrário”. A sentença foi proferida a 11 de Abril de 2016.
À direcção da Empresa, os ex-trabalhadores da Petromoc afirmaram que a sua desvinculação “não é imputável a nós, visto que esta se inseriu numa medida da empresa que tinha por finalidade diminuir a sua mão-de-obra, pelos motivos que diziam respeito à própria empresa”.
“Entendemos, nós, que constitui violação dos nossos direitos reconhecer o direito emergente da Apólice a alguns trabalhadores que estão no activo, em detrimento dos outros porque foram desvinculados da instituição, mesmo sabendo que o respectivo facto não é a nós imputável”, sublinham, numa exposição datada de 05 de Maio de 2015 e assinada pelo mandatário Elvino Dias.
Numa das comunicações de despacho a que “Carta” teve acesso, datada de 11 de Dezembro de 2013, a Petromoc afirma: “não é possível a transferência das contribuições da EMOSE para o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) porque os sistemas não são compatíveis. Como também, o esquema da EMOSE, a empresa é que era o único contribuinte e trabalhador o beneficiário caso atingisse a idade de reforma ao serviço desta. Por esta razão, não existem valores por transferir para o INSS, conforme o seu pedido”, sentenciava Maximiano Massingue, então Director de Recursos Humanos.
Aliás, na exposição que a empresa fez ao Provedor de Justiça, a 05 de Dezembro de 2016, em resposta à carta deste sobre a queixa apresentada pelo grupo, a 03 de Janeiro de 2017, o ex-PCA daquela empresa pública, Alberto Junteiro Chande, defendia que a Apólice, no seu ponto 11.2, “em caso de cessação do contrato de trabalho, seja a que motivos fossem (à excepção da reforma), o trabalhador na qualidade de pessoa segura não se beneficiava de qualquer valor, sendo que as contribuições que financiariam as pensões de reformas, em caso de atingir a idade normal da reforma ao serviço da empresa, seriam integradas como remanescentes para aquisição de Pensões da gestão deste Seguro de Grupo”.
Assim, “constituía condição para beneficiar da pensão de reforma, conforme dispõe o ponto 11.2 da Apólice nº 8, o trabalhador atingir a data normal de reforma ao serviço da empresa, com o mínimo de 20 anos de contribuições e/ou no máximo de 40 anos de contribuições. Ora, ambos assinantes da queixa cessaram seus contratos de trabalho por via de adesão voluntária ao processo de redimensionamento de mão-de-obra antes de atingirem a idade normal de reforma e, aquando da sua saída da empresa, não reuniam condições para se beneficiarem de qualquer valor do esquema em causa, designadamente o número mínimo de contribuições realizadas a seu favor”.
“O esquema de pensões que vigorava é similar a uma prova de atletismo ou de ciclismo, onde os participantes só ganham o prémio se cortarem a meta e, em caso de desistência no percurso da prova, ficam desclassificados”, considera, garantindo: “os trabalhadores que optaram pela desvinculação voluntária foram indemnizados e no mesmo acto foram também advertidos sobre a necessidade de regularizar junto do INSS a situação futura de reforma, à luz da Apólice nº 8”.
Entretanto, a 10 de Maio de 2017, as duas partes reuniram-se para discutir as questões relacionadas com a Apólice nº 8, tendo a Petromoc se comprometido a apresentar uma proposta no prazo de 20 dias. Mas, debalde!
Questionados sobre o recurso à PGR, depois de terem visto a sua reclamação recusada pelo Tribunal, os contestatários explicam que a via visa despertar o atropelo aos direitos humanos, pois, o “Tribunal não analisou o mérito da causa, apenas questões de formalidade”. Acrescentam ainda que o tempo expirou porque a Petromoc não quis resolver o problema no devido momento, pois, nunca foi sua intenção recorrer aos tribunais.
Referir que para além do Tribunal, PGR, Provedor de Justiça, os contestatários escreveram também para o Primeiro-Ministro (a 06 de Junho de 2016), Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo (18 de Julho de 2016), Assembleia da República, entre outras instituições, a pedir suas intervenções para resolução do problema. A Comissão de Petições, Queixas e Reclamações da AR decidiu indeferir liminarmente, alegando ter sido dirimido pelo Tribunal. (Abílio Maolela)