Uma carta enviada à nossa redacção, há dias, denuncia alegadas práticas de racismo, humilhação e nepotismo no Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas (MIMAIP), chefiado por Lídia Cardoso. Tratamento desumano aos quadros (incluindo o vice-Ministro, que por sinal não tem boas relações com a Ministra), com tendência a humilhar/instrumentalizar os de cor escura com competência e experiência e a acarinhar os poucos de cor clara como a da ministra, são algumas das alegações vertidas na carta enviada ao nosso jornal.
Para além da alegada prática de racismo, a ministra também é acusada de nepotismo, com a sistemática violação de procedimentos administrativos através da suposta priorização dos seus familiares (Inspectores-gerais e assessores) e de outras pessoas das suas ligações para cargos de chefia de postos críticos, como é o caso de três quadros provenientes do Ministério da Saúde (MISAU) onde ela foi dirigente, e das Directoras dos Recursos Humanos e Gabinete Jurídico.
“O processo de recrutamento destes quadros não foi transparente e todos não têm perfil ou competência técnica para acrescentar valor no quadro deste Ministério. São apenas lacaios da Ministra que apenas fazem de tudo para satisfazer os seus devaneios”, apontam os denunciantes.
As alegações traduzem-se igualmente na aversão a técnicos com domínio, ética e compromisso com a agenda nacional, o que culminou com o afastamento sem justa causa da antiga Directora de Políticas e de um Presidente do Conselho Administrativo (PCA) do ProAzul.
A Ministra chegou inclusive a recomendar a contratação de um Assessor Económico, sem competência técnica, mas posteriormente ela dispensou o indivíduo. A carta-denúncia aborda várias irregularidades no licenciamento das pescas, favorecendo pessoas da cor da pele da ministra.
"Há promoção de negociatas na gestão e no licenciamento da pesca industrial por meio da Administração Nacional das Pescas (ADNAP), cujo Director-Geral, uma pessoa de pele clara, é um dos 'meninos mimados e protegidos' da Ministra."
Outra alegação contra a ministra tem a ver com a interferência na gestão das instituições tuteladas, confundindo o seu papel de supervisora e orientadora com o de gestora dos Directores e PCA's.
Para o efeito, a estratégia da ministra Lídia Cardoso consiste no contacto directo com técnicos de áreas relevantes, especialmente os da área de contratações, desautorizando os respectivos Directores e buscando benefícios próprios.
"Infelizmente, esta Ministra entrou e vai terminar o mandato sem que alguém perceba qual é a sua visão para o sector, sobretudo na componente do Mar e Economia Azul (EA). Conseguiu até apagar a componente tradicional do sector: as pescas. Um exemplo disso é que, com ela, as capturas de camarão caíram de 8 mil toneladas para 3 mil toneladas em três anos. A pesca artesanal simplesmente deixou de ser mencionada e, em relação à EA, ela não conseguiu transformar os documentos estratégicos em realizações práticas. Isso demonstra a sua incapacidade de compreender o sector e de envolver quadros competentes (que preferiu afastar) em soluções estruturantes."
Na nota, aponta-se igualmente a contratação de familiares (inspector-geral, dois assessores, um para economia azul e outro para comunicação, sendo que este último tem um contrato de três meses, no valor de 1 milhão de Mts, de Novembro de 2024 a Janeiro de 2025, apenas para promover a imagem de um familiar.
A carta-denúncia arrola ainda a contratação de amigos, como o actual Director de Políticas, a Directora da Administração e Recursos Humanos, a Chefe do Gabinete Jurídico e outros técnicos, provenientes do MISAU.
O mais degradante no meio de tudo isto é a alegada falta de competência técnica desses quadros para agregar valor ao mandato do sector.
“O ambiente neste Ministério é de cortar à faca desde 2022, o que tem resultado na fuga de quadros competentes e na perda de identidade e capacidade do sector para acções estruturantes. Tudo isso é do conhecimento do Governo e do Partido, que dão respaldo aos desmandos da Ministra, para a infelicidade dos funcionários e da agenda do sector”, refere a carta.
De acordo com o documento, a gestão danosa da actual Ministra é revelada, por exemplo, quando, em 2022, a Ministra Augusta Maita deixou o cargo. Naquela época, este Ministério ocupava o segundo ou terceiro lugar no ranking dos melhores ministérios, mas, hoje, caiu drasticamente e encontra-se entre os últimos.
Em contacto com os actuais e com os antigos funcionários, “Carta” apurou que as reclamações sobre a gestão prejudicial desta dirigente não se limitam ao Ministério sede, mas também se estendem às instituições tuteladas.
"Em relação às contratações, é normal, em qualquer sector, que um chefe chegue e constitua a sua equipa, mas neste ministério, a ministra decidiu trazer tudo de fora. Assim, ela está a assumir que todos os que estavam no ministério não serviam para nada."
Entretanto, para apurar os factos aqui arrolados, "Carta" entrou em contacto com o Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas, o qual considerou a denúncia infundada.
Em conversa com a Directora Nacional da Administração e Recursos Humanos, Maria das Dores Madroba, por sinal uma das visadas nesta denúncia, esta explicou que as informações não constituem a verdade, visto que a ocupação de uma vaga no aparelho do Estado (no ministério) é regida pelo Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado. Explicou que qualquer tipo de selecção se baseia nos requisitos que constam no qualificador profissional de carreiras, categorias e funções de direcção e chefia e confiança.
“Na selecção de um candidato para ocupar uma vaga nesses sectores não há como ludibriar ou criar manobras, visto que o Tribunal Administrativo fará o seu trabalho de verificação de todos os procedimentos. Eu estou neste cargo por ser quadro da função pública e, no âmbito da mobilidade, o quadro pode ser movimentado de um sector para outro, mas antes passei por vários sectores, como é o caso do CEDSIF, Ministério da Indústria e Comércio, Ministério da Criança, Género e Acção Social. Não venho do Ministério da Saúde como foi dito. Passei também por um processo de selecção e entrevista e não tenho nenhum laço com a ministra que, por sinal, só conheci pessoalmente no dia da minha entrevista”, disse Maria das Dores.
Por outro lado, Madroba explicou que a Ministra também tem a prerrogativa de buscar pessoas de sua confiança, se necessário. No entanto, ela afirmou que isso não está a acontecer neste momento no Ministério, pois todas as contratações realizadas desde que a Ministra assumiu o cargo obedeceram a concurso público, entrevistas e, por fim, à contratação dos profissionais que ocupam tais vagas.
Em relação a alegações de racismo e humilhação, a Directora disse que nunca presenciou tais práticas. “Todo o cidadão, independentemente da cor, basta ter competência para ocupar um cargo neste ministério, será contratado, como é o caso da Chefe do Departamento Jurídico, que por sinal tem o mesmo tom de pele da Ministra (é mista), mas isso não significa que ela seja familiar ou amiga daquela dirigente.
“Antes mesmo desta assumir a pasta, a Ministra nem sequer a conhecia. O mesmo ocorreu com o assessor de comunicação, que antes concorreu e foi admitido para a vaga que ocupa, cumprindo todos os procedimentos legais (consultor para a área de comunicação)”, explicou Madroba.
Sobre a contratação do assessor económico do ProAZUL, a directora de RH explicou que este foi admitido por via de um concurso e não é familiar da ministra. Para o caso deste, a ministra inclusive convidou-o a se demitir por não ter trazido os resultados esperados.
Realçou que todas as contratações são feitas por mérito e mesmo os despedimentos são movidos por algum motivo, seja por fraco desempenho ou por não alcançar as metas para as quais a pessoa foi contratada ou indicada. (Carta)