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sexta-feira, 31 março 2023 07:26

Tribunal Administrativo revela limitações na fiscalização da indústria extractiva

industria extrativ min

A monitoria e fiscalização da indústria extractiva, a principal fonte de receitas da República de Moçambique, continua sendo um dos grandes desafios do Estado. Desta vez, o repto é assumido pelo Tribunal Administrativo, o órgão responsável pela fiscalização das contas públicas.

 

Enquanto o Governo manifesta incapacidade de fazer uma "marcação cerrada" às empresas envolvidas na extracção dos recursos minerais e hidrocarbonetos, o Tribunal Administrativo afirma estar a enfrentar dificuldades legais para fiscalizar directamente as multinacionais.

 

Falando esta semana, em Maputo, durante a apresentação da terceira edição do Índice de Transparência do Sector Extractivo, publicado pelo Centro de Integridade Pública (CIP), o Contador-Geral Adjunto da Contadoria da Conta Geral do Estado, Victor Guibunda, revelou que o Tribunal Administrativo não tem competências para fiscalizar e nem auditar as actividades das multinacionais, pelo que a sua actuação se limita à audição das entidades públicas envolvidas no sector, com destaque para as instituições reguladoras (Institutos Nacionais de Petróleos e de Minas) e Ministérios.

 

"O papel do Tribunal [Administrativo] é, de certa forma, limitado quando se fala deste sector [extractivo]. Estamos a falar de entes privados que contratam com o Estado. (...) O Tribunal não tem qualquer relação com as empresas, mas com os entes públicos que lidam com elas. Portanto, na sua actuação, o Tribunal verifica se estes entes públicos estão a cumprir com as suas atribuições", explicou Guibunda.

 

Segundo o Contador-Geral Adjunto da Contadoria da Conta Geral do Estado, a única forma encontrada pelo Tribunal para lidar com as empresas é "vasculhar" os seus relatórios de actividades e contas, publicados nos jornais nacionais e nos seus websites.

 

"O desafio é grande para todos, porque grande parte da legislação ainda não permite o Tribunal ir mais além. Estaríamos a punir alguém que se propôs a controlar, mas também não tem instrumentos jurídicos para o efeito. Há aspectos da nossa legislação que não são compatíveis a estes operadores", defendeu.

 

Entretanto, o Tribunal Administrativo diz ter encontrado uma forma de debater a indústria extractiva, com a criação de um capítulo dedicado àquele sector, no Relatório e Parecer da Conta Geral do Estado. O capítulo é elaborado há cinco anos e se tem revelado importante para a monitoria dos ganhos do Estado neste sector.

 

"Vezes sem conta, temos constatado que os dados constantes dos documentos presentes da Conta Geral do Estado sobre a arrecadação de receitas nesta indústria são conflituantes. O Ministério tem um dado, o regulador tem outro e quando cruzamos com a informação das empresas, que é publicada nos jornais, também verificamos algumas inconformidades", afirmou Guibunda.

 

"Em certa medida, estas inconformidades podem ser de ângulos de análise para mesmo objecto. Mas nós sabemos que, quando estamos a falar da produção, por exemplo do carvão, tem consequências no imposto sobre a produção. Este imposto de produção, por sua vez, tem impacto nos 2,75% (agora subiu para 10%) que devem ser canalizados para as comunidades", destacou.

 

"Também quando vemos os valores que são transferidos para as comunidades, às vezes, notamos que alguns valores são os mesmos que são transferidos às comunidades em dois ou três anos. Qualquer auditor, quando vê essa situação questiona-se se a produção foi justamente essa?! Então, há qualquer coisa que pode estar a falhar entre os entes do poder executivo", defende Guibunda, assegurando, porém, haver alguma melhoria na prestação de contas do sector extractivo por parte do Governo.

 

Para além das limitações legais, Guibunda disse existir também limitações técnicas por parte dos auditores, por se tratar de uma indústria complexa, cujos contratos, na sua maioria, estão redigidos em inglês, com termos técnicos que fogem às capacidades dos técnicos do Tribunal.

 

“É necessário haver formação dos auditores sobre esta cadeia de valor do sector extractivo e capacitações técnicas. Temos desafios de participar nas auditorias sobre saúde, segurança e meio ambiente, que é uma área que o Tribunal se predispõe a trazer um aspecto novo neste capítulo [Indústria Extractiva] em cada exercício económico [Relatório e Parecer da Conta Geral do Estado], porque a complexidade é enorme”, afirmou.

 

O Tribunal Administrativo defende ainda a adopção de políticas públicas duradouras, que não sejam alteradas a cada ciclo governamental, pois, por um lado, constitui um desafio para aquele órgão de soberania e, por outro, cria constrangimento à própria actuação do Tribunal, o que se reflecte na qualidade dos sucessivos Relatórios e Pareceres da Conta Geral do Estado, que teimam em apresentar as mesmas constatações.

 

Refira-se que o relatório do Índice de Transparência no Sector Extractivo 2021/2022 revela a degradação da transparência neste sector, com as empresas submetidas à avaliação, tendo somado uma média de 21 pontos, num total de 100 possíveis. O resultado representa uma redução de quatro pontos em relação à avaliação de 2020/2021 e um decréscimo de oito pontos em relação à primeira avaliação (2019/2020). (A. Maolela)

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