A Fundação do Desenvolvimento para a Comunidade (FDC), liderada por Graça Machel, antiga Primeira-Dama de Moçambique e África do Sul, viu a sua reputação deitada no caixote de lixo e empurrada à sarjeta pelo Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, sendo que a sentença de morte foi declarada pelo respectivo Coordenador da Direcção Executiva da organização, Joaquim Oliveira.
A reputação da organização, das mais respeitadas do país, foi colocada em causa esta quarta-feira, em Maputo, durante a apresentação do Relatório de Avaliação da Segurança Alimentar Pós-Colheita em Moçambique, elaborado pelo SETSAN (Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional), entre finais de Março e princípios de Outubro de 2022.
Num evento “costurado” à medida da propaganda governamental (desde o moderador, um jornalista da Rádio Moçambique, até à plateia, que foi mobilizada de alguns bairros da cidade de Maputo e transportada em dois autocarros até ao Distrito Municipal KaTembe), a FDC viu o seu activismo colocado na lama, quando Celso Correia foi convidado, pelo moderador, a comentar o comunicado emitido pela organização, no qual exigia explicações em torno da existência de 90% de moçambicanos que conseguem três refeições por dia.
Com o referido comunicado na mão direita e o microfone na mão esquerda, Correia partiu imediatamente para o ataque, num cenário visto como uma ofensiva directa contra a patrona da organização, cujas relações com o actual líder da Frelimo não são das melhores.
No seu discurso, Correia começa por fazer “reparos técnicos” e depois concentra-se nos aspectos de “juízo de valor”. Chegou a prometer criar cursos de capacitação para as organizações da sociedade civil.
“Carta” transcreve, a seguir, as partes mais importantes do ataque de Celso Correia à FDC e a surpreendente e caricata resposta dada pelo Coordenador da Direcção Executiva daquela organização.
“Quero começar por felicitar a FDC, porque participaram do debate. Agora, a FDC faz uma crítica técnica e um juízo de valor. (…) Usa alguns indicadores e um dos indicadores é que 70% da população moçambicana, de acordo com o PMA [Programa Mundial da Alimentação], está em insegurança alimentar. Tenho a máxima certeza de que não é de Moçambique que estamos a falar”, começou por dizer Celso Correia.
“Segundo, faz referência a indicadores de desnutrição crónica de 42,3%, de acordo com o IOF [Inquérito sobre Orçamento Familiar]. Mas o IOF já indica os avanços que Moçambique está a observar em termos de desnutrição crónica. Não é 42,3%, é 38%. Se for este o indicador, está errado. Depois diz que 70% da população vive em situação de vulnerabilidade. É muito difícil comparar e não aconselhamos a comparar dados de pobreza e com dados alimentares.
Não quero dizer que não tenham ligação. Por exemplo, do estudo de 2013, em Moçambique tínhamos indicação de 23% da população que estava em situação de insegurança alimentar crónica, mas os dados da pobreza indicavam 53% ou 54% da população. E depois não descreve porque existe pobreza alimentar, pobreza de rendimento e pobreza multidimensional e cada tipo de pobreza tem a sua definição. Portanto, era preciso ter cautela quando se faz este tipo de análise. Nós temos equipes que podem ajudar os parceiros a trabalhar neste valor”, disparou.
“Depois faz constatações que são humanamente impossíveis. Portanto, tecnicamente, eu acho que a FDC tem de trabalhar. Pedi ontem aos parceiros para a gente criar um programa para capacitarmos as ONG”, continuou.
Sobre questões de juízo de valor: “Nós não apresentamos o documento lá fora [na sede da FAO] e, se de facto acompanham a vida do país, deveriam ter acompanhado no Informe do Chefe de Estado. Provavelmente, estavam preocupados em saber se o Estado da Nação é bom ou não. Por isso, considero que a FDC induziu um debate que criou alguns problemas”.
“A segunda questão que a FDC põe, quando diz que, em Moçambique morrem pessoas, então estamos a projectar um país de miséria para mobilizarmos recursos e depois o custo de administração, 30%, fica no gabinete e depois tem workshops e depois não chegam as tais pessoas. Não contem comigo para perpetuar a indústria da pobreza e da miséria. Chega de usar o sofrimento do povo para mobilizar recursos para meia dúzia”, prosseguiu.
Resposta do Coordenador do FDC
Depois de ouvir estas palavras, num discurso de quase 30 minutos, o Coordenador da Direcção Executiva da organização, Joaquim Oliveira, pediu a palavra para pedir desculpas ao Ministro da Agricultura e afirmar que o comunicado emitido pela sua organização tinha informações falsas.
“Vou iniciar por uma felicitação por este estudo que, como os que me antecederam, as nossas intervenções eventualmente não teriam tido lugar, se tivéssemos em posse das informações que vossa excelência apresenta. Usamos critérios, fontes e mecanismos diferentes do IPC, reconhecemos o IPC e dizer que já temos estado a trabalhar com o SETSAN já há bastante tempo. Acho que tem todo o mérito a apresentação feita e merece a nossa saudação e nosso apoio”, introduziu o seu discurso Joaquim Oliveira, antes de soltar mísseis, que sepultariam a sua dignidade e a reputação da sua organização.
“A carta da FDC enferma de algumas incongruências e ela também traz alguns elementos que não estão directamente relacionados com o IPC. Falamos do IOF e de vários estudos que foram feitos. Eu levanto-me também para além de saudar este estudo, dizer que a FDC está alinhada com vossa excelência. A FDC tem estado a trabalhar bastante e até na criação e consolidação de mecanismos como esses que estamos aqui a assistir, como do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional”, prosseguiu.
“Provavelmente, não tenhamos sido felizes porque apresentamos uma pergunta antes de termos uma informação completa que vossa excelência apresentou aqui. Creio que nós temos que dizer, em público, que a nossa intenção não era reforçar essa indústria que quer reforçar a imagem de que Moçambique é pobre. Não queremos fazer parte disso. O nosso mandato não dá oportunidade de fazermos isso”.
Por isso, “com a nossa aparição aqui, conseguimos pedir desculpas à vossa excelência, se o ofendemos”, terminou Oliveira, para a indignação geral dos presentes na sala. Este é o retrato da “qualquerização” de uma organização, das mais respeitadas do país. (A. Maolela)