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quarta-feira, 14 setembro 2022 06:39

“Macuas” sempre foram marginalizados – defende pesquisa

Uma pesquisa desenvolvida pelos académicos Luca Bussotti e Laura Nhaueleque defende que os macuas/emakhuwa, que representam quase 30% da população do país, sempre foram marginalizados pelo poder político moçambicano – tanto nas suas tradições culturais, assim como nas suas produções artísticas – tal como os senasndaus e machuabos, em detrimento dos maxanganas/rongas e macondes.

 

As premissas constam de um artigo científico intitulado “Processos de marginalização étnica e cultural na África pós-colonial: O Caso dos Amakhuwa de Moçambique”, divulgado no volume 41 da revista portuguesa “Comunicação e Sociedade”, publicada no passado dia 22 de Junho.

 

A pesquisa, que visava mostrar os mecanismos que levaram à exclusão da agenda étnica em Moçambique e como as etnias fora da aliança maxangana-maconde, sobretudo os macuas, ficaram marginalizadas, foi resgatada pela “Carta” após as recentes declarações de Eduardo da Silva Nihia, membro sénior do partido Frelimo, que acusou aquela etnia, maioritariamente da província de Nampula, de ser falsa. Nihia, sublinhe-se, é também da etnia macua.

 

De acordo com o estudo, o esquecimento étnico foi, em boa verdade, um programa político pensado e implementado desde a luta de libertação nacional e que continuou até hoje, com as necessárias adaptações, influindo directamente na difusão da produção cultural e artística local.

 

Os pesquisadores explicam que, durante a luta de libertação nacional, dois grupos étnicos (os “intelectuais” ronga e os “guerrilheiros” maconde) aliaram-se, excluindo os outros povos de Moçambique deste processo, marcando indelevelmente a história do país pós-colonial.

 

Como resultado, produções culturais do sul do país, tais como a timbila, declarada Património Cultural Imaterial da Humanidade, e a dança marrabenta, tornaram-se símbolos culturais de unidade nacional, apesar de não serem conhecidos e reconhecidos pelas populações do norte do país.

 

No caso da zona norte, dizem os pesquisadores, as produções artísticas mais valorizadas são as de origem maconde que “representam uma minoria mesmo dentro da única província moçambicana [Cabo Delgado] em que vivem de forma estável”, sendo o mapiko e a arte maconde (esculturas) as mais famosas manifestações deste grupo étnico.

 

O estudo diz ainda que a expressão khanimambo, que significa obrigado, foi tornada nacional, sem considerar que a mesma não existe nas regiões centro e norte do país.

 

No entanto, “as províncias de Sofala (com presença de ndau e sena), Nampula (com presença maioritária de amakhuwa) e Zambézia (com amakhuwa e machuabo) foram penalizadas neste processo de valorização das culturas locais, com medidas apenas cosméticas, ‘como a declaração da primeira capital de Moçambique, a Ilha de Moçambique, como património da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura”, defendem os pesquisadores.

 

A mulher macua, por exemplo, de acordo com a pesquisa, não só está associada à beleza, mas também ao mistério, perigo, uso do mussiro e conhecedora de segredos ancestrais da feitiçaria.

 

“As opções de política cultural apenas recordadas são uma das expressões principais de marginalização indirecta da produção artística de outras etnias diferentes da maxangana e maronga e da maconde. A etnia makhuwa sempre se sentiu excluída do processo de unificação nacional e a situação não melhorou logo depois da independência”, defendem os pesquisadores.

 

“Para este processo de marginalização étnica contribuíram doadores e investigadores internacionais, que aceitaram e desenvolveram a pauta proposta pela Frente de Libertação de Moçambique, interpretando práticas tradicionais como os ritos de iniciação sob o ponto de vista da violação dos direitos humanos”, acrescentam, sublinhando que tais abordagens superficiais têm condicionado fortemente a representação que desta cultura tem sido feita quer dentro quer fora de Moçambique.

 

“O «esquecimento» da questão étnica por parte do Estado moçambicano não foi apenas um assunto institucional, limitado à acção do governo. Pelo contrário, foi perversivo e atravessou, com poucas excepções, os vários âmbitos da vida política, social, cultural do país”, reiteram, realçando que a cruzada contra as “tradições” começou muito cedo, sob o lema “matar a tribo para fazer nascer a nação”.

 

Refira-se que a questão étnica sempre marcou os debates internos na Frelimo, sobretudo no que toca à partilha do poder, porém, sempre foi negligenciada em nome da unidade nacional. No entanto, recentemente, a questão voltou à ribalta com Alberto Chipande, veterano da luta de libertação nacional, da etnia maconde, a denunciar o tribalismo nas instituições do Estado.

 

Numa palestra proferida em Maputo, Chipande, recorde-se, disse, por exemplo, ter ficado “muito chocado” quando viu a tenda da B.O., onde estava a ser julgado o caso das “dívidas ocultas”, constituída maioritariamente por arguidos da zona sul (marongasmanhembanas e machanganas), questionando onde foram deixados os macondesmacuassena e ndaus.

 

Assinalar que Luca Bussotti é doutorado em Sociologia do Desenvolvimento pela Universidade de Pisa (Itália) e professor no Programa de Doutoramento em Paz, Democracia, Movimentos Sociais e Desenvolvimento Humano na Universidade Técnica de Moçambique (UDM). Já Laura Nhaueleque é doutorada em Relações Interculturais na Universidade Aberta de Lisboa e professora em Direitos Humanos no curso de Mestrado em Direitos Humanos, Desenvolvimento Económico e Boa Governação da UDM. (Carta)

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