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segunda-feira, 30 maio 2022 05:51

Livro chega às mãos dos alunos com erros de palmatória após “aprovação” por professores universitários

Um livro do aluno de Ciências Sociais da 6ª Classe, de distribuição gratuita, está a deixar a sociedade moçambicana indignada, devido à quantidade de erros que apresenta, levantando, mais uma vez, o debate sobre a qualidade do ensino no país. Trata-se de um manual novo, editado pela editora portuguesa Porto Editora, e que chegou ao país há poucos dias, depois de cinco meses de espera.

 

O festival de erros inicia na página 48, em que se discute os “reinos e impérios antigos”. O livro, elaborado por Firoza Bicá, avança que o Grande Zimbabwe, que existiu entre 1250 e 1450, tinha como limites, a norte, o Mar Vermelho e o Golfo de Aden. No entanto, o Mar Vermelho e o Golfo de Aden localizam-se no nordeste de África e separam o continente africano do asiático, enquanto o Grande Zimbabwe “floresceu” nos territórios que hoje correspondem a Moçambique (região de Manica) e Zimbabwe (grande parte do território).

 

Já na página 59, o livro defende que Moçambique já faz parte da África Oriental, tal como a Zâmbia, Zimbabwe e Malawi, pelo que, na página 78, a região da África Austral aparece apenas com cinco países, nomeadamente, África do Sul, Botswana, Eswatini, Lesotho e Namíbia. Para piorar, o livro não traz qualquer explicação sobre as possíveis alterações que possam ter ocorrido e que ditaram a saída de Moçambique, Angola, Zimbabwe, Zâmbia e Malawi do grupo dos países da África Austral.

 

Na página 121, o manual ilustra a Assembleia da República de Moçambique com uma fotografia da Assembleia Nacional de Angola.

 

MINEDH pede desculpas

 

Perante o coro de indignação e gozação que se ouvia de todos os cantos do país, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) convocou a imprensa, na tarde deste domingo, para contar a sua versão.

 

Primeiro, a instituição liderada pela comissária política Carmelita Rita Namashulua começou por pedir desculpas e, de seguida, anunciou a produção de uma errata e a constituição de uma Comissão de Inquérito para apurar as responsabilidades.

 

“Nós sabemos que o facto de o livro estar na posse dos alunos, dos professores e/ou encarregados de educação, pode ter criado algum constrangimento e, por este motivo, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano pede desculpas”, afirmou Gina Guibunda, porta-voz da instituição.

 

Segundo Gina Guibunda, os erros foram constatados durante a revisão dos conteúdos, feita pelos professores, gestores e técnicos pedagógicos do Ministério, um procedimento que, segundo ela, é feito sempre que se recebe novos livros.

 

Aos jornalistas, Guibunda defendeu que o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano irá produzir uma errata para corrigir os erros verificados naquele manual de ensino. Disse também que a instituição está a fazer um trabalho de verificação dos conteúdos em todos os livros produzidos.

 

De acordo com aquela responsável, a produção da errata não irá acarretar custos adicionais ao Ministério porque é possível produzi-la em apenas uma página. Também será enviada por meios electrónicos aos gestores escolares, que terão a responsabilidade de imprimi-la e distribui-la aos professores e alunos.

 

Já a Comissão de Inquérito será liderada pela Inspecção-Geral da Administração Pública, contando com a participação da Inspecção do MINEDH. Porém, Guibunda disse ainda ser prematuro avançar quanto tempo os trabalhos irão levar devido à complexidade do assunto.

 

No entanto, a porta-voz do MINEDH minimiza o problema, alegando que o conteúdo ainda não foi leccionado. “Quero tranquilizar os pais que este conteúdo ainda não foi leccionado. Quando chegar o momento de ser leccionado, a errata certamente estará na posse dos professores, a partir da qual vão poder conduzir o processo de ensino e aprendizagem”, defendeu.

 

Mas como é produzido o livro?

 

Segundo Gina Guibunda, o processo de produção dos livros escolares obedece a várias etapas, entre as quais, a submissão dos conteúdos do livro a uma Comissão de Avaliação, constituída por técnicos do MINEDH, Ministério da Cultura e Turismo e professores universitários. Este órgão tem o dever de emitir parecer sobre os conteúdos que constam dos manuais e propor alterações, caso seja necessário.

 

“A produção do livro obedece a várias etapas. Uma delas é o lançamento de um concurso de contratação de consultoria editorial. Esta editora contrata os autores, os revisores dos conteúdos, os ilustradores, maquetizadores, enfim… contrata todos aqueles que são necessários para a produção do livro. Depois, o livro é submetido à avaliação, onde é elaborado um relatório pela respectiva Comissão [de Avaliação] com recomendações específicas para cada livro e para cada conteúdo. Este relatório e estas recomendações são enviados para consultoria editorial. Depois, as editoras inserem as observações e, de seguida, é enviado para o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação e depois verifica-se se há ou não alguma questão a mais a ser corrigida e, por fim, vai à impressão. Portanto, envolve muitos actores”, explicou Guibunda.

 

Ou seja, o livro de Ciências Sociais da 6ª classe passou por todas estas etapas e, mesmo assim, chegou às mãos dos alunos com erros, alguns considerados de palmatória. “Portanto, esta Comissão de Inquérito é que nos vai ajudar a perceber onde terá havido falha. Neste momento, não é possível dizer se a falha foi dos avaliadores, dos autores, da Comissão ou de quem”, defende a porta-voz do MINEDH.

 

Entretanto, independentemente dos resultados a serem produzidos pela Comissão de Inquérito, Gina Guibunda revela que a Comissão de Avaliação do Livro será revista, de modo a dotá-la de maior capacidade de análise em todos os domínios.

 

E qual é o futuro do livro?

 

“O livro não vai ser deitado fora. Foi feito um investimento enorme em relação ao livro. Este ano, a errata há-de ir à parte porque o livro já está com os alunos e professores. No entanto, quando se fizer a reposição do livro, esta será feita depois de inseridas todas as correcções que tiverem sido identificadas até ao momento que se fizer a reimpressão destes livros”, explicou a fonte, sem revelar o valor gasto pela produção daquele manual.

 

Refira-se que o MINEDH imprimiu, para este ano, 941.700 livros de Ciências Sociais da 6ª Classe. A produção do livro escolar de distribuição gratuita, sublinhe-se, tem sido, ao longo dos anos, um tema de debate, devido aos indícios de corrupção que este negócio envolve. (A. Maolela)

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