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quinta-feira, 14 abril 2022 06:09

Revisão da Política de Terras: Camponeses consideram um retrocesso a delimitação de terras comunitárias

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Quando faltam pouco mais de 15 dias para o fecho do processo de auscultação pública no âmbito da revisão da Política Nacional de Terras, a União Nacional de Camponeses (UNAC) relança o debate sobre a qualidade do conteúdo apresentado no Ante-Projecto da Política Nacional de Terras, divulgado em finais de Janeiro último.

 

Num documento de sete páginas, intitulado “a voz dos camponeses sobre o processo de revisão da Política Nacional de Terras”, divulgado na última segunda-feira, a UNAC apresenta cinco pontos que considera fundamentais para a sobrevivência dos seus associados: a delimitação de terras comunitárias, a manutenção da informalidade dos direitos costumeiros, a reserva de terras para plantações florestais, a transmissibilidade do título de DUAT (Direito do Uso e Aproveitamento de Terra) e a celebração de parcerias entre as comunidades e os investidores.

 

O primeiro ponto atacado pela UNAC é o da delimitação de terras comunitárias. Para a organização, tal facto representa um retrocesso no reconhecimento dos direitos costumeiros já adquiridos na Política Nacional de Terras de 1995, que constituíam “um ganho indiscutível para os camponeses, particularmente, do sector familiar e comunidades locais”.

 

Os camponeses explicam que a sua posição deriva do facto de o Ante-Projecto da Política Nacional de Terras, por um lado, colocar e destacar a delimitação de terras comunitárias como um fim, isolando-a do reconhecimento e protecção dos direitos adquiridos por ocupação. Por outro lado, considera a organização, abre espaço para a hipótese de, como resultado do plano de ordenamento, as áreas que não estejam a ser efectivamente usadas pelas comunidades locais, serem consideradas reservas do Estado para fins de promoção de investimentos.

 

“Na PNT 95 [Política Nacional de Terras de 1995], a delimitação de terras comunitárias não era estabelecida como um fim em si mesma, mas apenas como um mecanismo de garantir a segurança dos direitos costumeiros sobre a terra, de modo a prevenir a sua ocupação por terceiros (fonte de conflitualidade social) e permitir que se conhecessem os limites das vastas áreas ocupadas pelas comunidades locais, ainda que não estivessem em uso (prevenção de conflitualidade social)”, defende.

 

Assim, defendem a manutenção da abordagem predominante na Política Nacional de Terras de 1995, que reconhece o sistema costumeiro de posse de terra pelas populações rurais e valoriza o papel dos camponeses como actores relevantes e dinamizadores do sector familiar. Também exigem a eliminação do domínio sobre delimitação de terras comunitárias e a sua substituição pelo domínio do reconhecimento e consolidação dos direitos adquiridos por ocupação.

 

Terras para plantações florestais constituem perigo para subsistência dos camponeses

Outro aspecto anotado e amplamente discutido pela UNAC está relacionado com a previsão de se promover a inventariação, mapeamento e constituição de zonas preferenciais para o investimento florestal, tendo em conta as potencialidades e condições agroclimáticas adequadas.

 

Para a agremiação, os incentivos propostos no Ante-Projecto da Política Nacional de Terras têm um elevado potencial e risco de, a longo prazo, criarem condições para a substituição das áreas produtivas rurais em plantações florestais, comprometendo a produção de alimentos e soberania alimentar.

 

“Entendemos que a remoção destas matérias em nada iria prejudicar a coerência e a consistência dos conteúdos do Ante-Projecto da PNT 2022, tanto mais que não há conexão entre estas matérias e os objectivos e fundamentos da revisão, previstos nos documentos de referência do processo”, defendem os camponeses.

 

Flexibilidade da transmissão dos títulos de DUAT também pode constituir perigo

A UNAC diz ainda que o Ante-Projecto da Política Nacional de Terras não apresenta de forma clara os mecanismos próprios de transmissão de DUAT para fins agro-pecuários, diferentemente do que acontecia na Política Nacional de Terras de 1995. Defende ainda haver um tratamento igual no sector agro-pecuário, não se olhando a dimensão dos sujeitos beneficiários e titulares do DUAT, o que pode comprometer a subsistência dos camponeses do sector familiar.

 

Por essa razão, entende que a proposta de flexibilidade da transmissão dos títulos no meio rural e a colateralização dos DUAT podem constituir um perigo para a subsistência dos camponeses. “A PNT 95, no seu parágrafo 17, definiu princípios básicos orientadores para a transferência dos direitos de uso e aproveitamento da terra, entre cidadãos ou empresas nacionais, sempre que investimentos houverem sido feitos no terreno, instituindo um sistema de transferência de direitos que deveria observar a classificação e os limites de áreas de uso de terras tipo A, B, C, D, que seriam previamente estabelecidos pelo Ministério da Agricultura e Pescas, conforme previsto no parágrafo 57”, sublinha.

 

Os comentários da UNAC chegam quase um mês depois de a organização ter-se juntado a um grupo de organizações da sociedade civil que reivindicava exclusão no processo de revisão da Política Nacional de Terras. O grupo chegou a exigir que se suspendesse a entrega do Ante-Projecto da Política Nacional de Terras ao Conselho de Ministros por entender que não havia condições para que o país se apropriasse do documento.

 

Refira-se que, no documento partilhado ao público, a UNAC diz esperar que a Comissão criada para revisão da Política Nacional de Terras não só crie canais para recepção dos comentários, mas que também “crie condições para que as contribuições recebidas sejam efectivamente consideradas e influenciem os conteúdos dos documentos, na base de consensos e debates alargados”. (A. Maolela)

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