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quarta-feira, 23 março 2022 08:15

Sociedade Civil exige suspensão da entrega do Ante-projecto da Política Nacional de Terras ao Conselho de Ministros

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Um grupo de Organizações da Sociedade Civil exigiu, esta terça-feira, a suspensão da deposição, no Conselho de Ministros, do Ante-projecto da Política Nacional de Terras por entender que não estão reunidas as condições para que o documento seja apropriado e socializado por todos os moçambicanos. O Ante-Projecto da Política Nacional de Terras, disponível para comentários desde Janeiro último, deverá ser submetido ao Conselho de Ministros até 30 de Abril próximo.

 

A decisão foi tomada durante a Reunião Nacional do referido grupo, que teve lugar entre segunda e terça-feira em Maputo, que visava analisar o processo de revisão da Política Nacional de Terras em curso no país, desde Julho de 2020.

 

Segundo Abel Sainda, Director-Executivo da Associação Moçambicana de Desenvolvimento Rural Sustentável (AMDER), porta-voz do grupo, os 18 meses estabelecidos pelo Governo para revisão da Política Nacional de Terras foram insuficientes, pelo que exigem a definição de um novo calendário, que possa permitir a participação de todos os cidadãos.

 

“Notamos que houve uma grande exclusão dos seguimentos sociais, decorrente dos factores naturais (pandemia) e devido à instabilidade político-militar na província de Cabo Delgado. Os prazos não foram suficientes para a participação efectiva dos moçambicanos”, considera o grupo, sublinhando que a revisão de qualquer instrumento legal deve envolver a participação dos cidadãos.

 

O grupo, que integra organizações como SEKELEKANI, OMR (Observatório do Meio Rural), CTV (Centro Terra Viva) e Fórum Mulher, defende que o processo de auscultação pública para a revisão da Política Nacional de Terras “foi feito por pessoas que desconhecem o actual quadro legal” e que “não foi antecedido por nenhum processo de preparação social destes mesmos actores, facto que contribuiu para a qualidade da proposta do Ante-projecto”.

 

As Organizações da Sociedade Civil dizem ainda que o Diagnóstico (documento que apresenta problemas da actual Política de Terras) apresentado pela Comissão Técnica para Revisão da Política Nacional de Terras não foi validado pelas entidades que participam do processo, facto que o desqualifica como elemento que possa alimentar o Ante-projecto de Política Nacional de Terras.

 

Aliás, do distrito de Moma, província de Nampula, chega uma estória, segundo a qual, alguns cidadãos continuam com as fichas de inquérito entregues durante as reuniões de auscultação, visto que a Comissão Técnica não efectuou a recolha dos mesmos.

“A publicação simultânea do Diagnóstico e do Ante-projecto da Política Nacional de Terras viola os princípios científicos de elaboração de documentos, pois, o Diagnóstico devia ser o documento que devia alimentar a Política”, acrescenta Sainda, defendendo haver necessidade de se realizarem reuniões para socialização e validação do documento, pois, “não há fundamentos para avançar-se com a Política sem antes termos identificado, com clareza, os problemas que enfermam o actual quadro regulador de terras no país”.

 

Ante-projecto não preserva direitos adquiridos

Comentando em torno do conteúdo que consta do draft da Política Nacional de Terras, aquelas Organizações da Sociedade Civil afirmam ter constatado, com tristeza, que o documento descontinua os princípios emanados na actual Política. “Por exemplo, não foi respeitada a manutenção dos direitos adquiridos. Entendemos que o draft da Política Nacional de Terras pretende eliminar as consultas comunitárias, condição sine qua non para participação popular na concessão de terra para qualquer investimento”, explica Abel Sainda.

 

O porta-voz do grupo diz ainda haver uma grande inconsistência na análise das fraquezas e potencialidades do Ante-Projecto, pois, o documento mostra poucas mudanças em relação à actual Política Nacional de Terras (adoptada em 1995), o que demonstra haver pouca pertinência para se mudar a legislação.

 

“Entendemos também que o draft desta Política foi direccionado para proteger o acesso à terra e recursos naturais aos investimentos e isso se pode notar em todas as linhas e em todos os domínios, em particular no desenvolvimento económico. (…) A terra não pode ser usada apenas como activo económico, mas também como elemento de salvaguarda humana, social e ambiental”, defende o grupo.

 

As Organizações da Sociedade Civil avançam igualmente que o Ante-Projecto da Política Nacional de Terras não valoriza o campesinato, as mulheres e nem os jovens, apesar de serem o maior capital humano do país e os principais responsáveis pela produção agrícola nacional.

 

“Isto complementa os modelos e princípios extractivos que o país vem assistindo nos últimos anos, em que a terra e os recursos naturais são usados unicamente como matéria-prima para a indústria externa”, assegura o Director-Executivo da AMDER.

 

Na sua análise ao Ante-Projecto, as Organizações da Sociedade Civil não se esqueceram das indemnizações pagas pelo Estado às comunidades afectadas pelos projectos de exploração de recursos naturais. O grupo entende que as indemnizações não se devem apenas centrar nas benfeitorias, mas também no recurso natural a ser explorado pelo investidor.

 

“Nós somos unânimes em afirmar a necessidade de não se tomar apenas as benfeitorias construídas pelas vítimas, mas que se valorize o recurso em causa (petróleo, gás, etc.), porque os investimentos não estão interessados nas benfeitorias das comunidades, mas no recurso que se encontra na terra ocupada pela comunidade”, atira a fonte.

 

Sublinhar que a exigência de suspensão da deposição, no Conselho de Ministros, do Ante-Projecto da Política Nacional de Terras chega um mês depois de o mesmo grupo de Organizações da Sociedade Civil ter denunciado a sua exclusão durante o processo, lançado pelo Presidente da República, em Julho de 2020. (A. Maolela)

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