A sociedade civil moçambicana organizada, e não só, entende que a proposta de lei das organizações, a ser aprovada nos termos em que se apresenta, será um retrocesso para o exercício da liberdade de expressão no país. Que “Isto é muito mau” não restam dúvidas, sobretudo porque se receia o regresso à ditadura.
Contudo, por outro lado, há quem entenda que esta proposta será um sucesso porquanto, entre outras coisas, promoverá a indústria cultural e criativa nacional que, em abono da verdade, carece de um grande empurrão.
Sobre a plausibilidade do empurrão (a aprovação da proposta de lei em questão) Chico Buarque, cantor e compositor brasileiro, um dos recentes laureados do prémio camões, que se referindo aos tempos da ditadura no Brasil, disse: “Feliz a ditadura porque me fez poeta”. Isto em alusão ao exercício criativo de esconder o sentido das palavras nos versos das suas composições.
Nesta linha cultural, e ainda dos tempos da ditadura brasileira, é de lembrar o trecho “Pai, afasta de mim esse cálice” da música “Cálice”, um clássico de Buarque e Gilberto Gil. Por cá, tenho em mente, dos tempos da dita ditadura que se teima que regresse, uma música de Fernando Luís que a dada altura diz: “Peço um pingo de chuva para molhar a garganta seca”. De Angola, dos tempos da respectiva ditadura, o Bonga: “Comeram a fruta e caroço dela ficou no chão”.
Ora, se assim for: se esta proposta de lei das organizações, a par de outras, em forja, e no mesmo diapasão, como a da comunicação social, uma vez aprovada e implementada, venha a produzir monstros culturais do calibre dos citados acima é caso para repensar.
Oxalá, no mínimo, e para começar a reflexão, que seja convocada uma “Conferência Nacional sobre o Potencial Impacto (da proposta) da Lei das Organizações na Indústria Cultural e Criativa Nacional”. Certamente que seria um bom ponto de partida. Posso moderar (risos).
Em 1983, à saída do local do evento em que Moçambique fora admitido como membro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, a comitiva moçambicana, a que negociara a adesão, deu de caras com uma manifestação internacional da sociedade civil contra estas instituições.
Diante da situação, e visivelmente estupefacto, um dos membros da comitiva moçambicana, por sinal o actual Edil de Maputo, o economista Eneas Comiche, olhou para um colega como quem perguntasse se teriam feito uma boa coisa, designadamente o de terem pedido a entrada de Moçambique nestas instituições internacionais.
Este episódio foi contado pelo próprio Eneas Comiche numa palestra sobre o impacto desta adesão. E já agora, tenho fé de que Comiche tenha ficado aliviado quando, há dias, o Presidente da República (PR) anunciou uma grande vitória do seu executivo: a retoma da relação de Moçambique com o FMI depois de seis anos de separação.
O PR ainda deu uma outra novidade: nestes seis anos até a China – que se propala que não condiciona o acesso aos seus empréstimos – respondia negativamente ao constante assédio de Moçambique enquanto o país não reatasse a sua relação com o FMI. A resposta chinesa era do tipo: eu só ando com damas casadas (com o FMI).
Foram duas novidades dadas pelo PR - a da retoma com o FMI, e a do condicionalismo do apoio da China - que possivelmente o leitor, quanto eu, ache-as estranhas, pois, que se saiba - andar aos beijos com o FMI - não é boa coisa.
Enfim, e a terminar, referir que a retoma da relação com o FMI e, por tabela, o reatamento de outras relações afins exigi dos moçambicanos que esmerem e fortaleçam os beiços sob o risco de voltarem a estalar em plena actividade. Ainda, dita a experiência e é vital, recomenda-se que não se feche os olhos na hora dos suculentos beijos.
PS: Em caso de alguma dúvida sobre relacionamentos com o FMI, os portugueses que o digam, particularmente sobre a mais recente quanto dolorosa relação com uma “TROIKA” do FMI. Aliás, e é uma dica: numa audiência para a concessão de visto de viagem simples a Portugal, ameace chamar a “TROIKA” que o cônsul, na hora, concede-lhe até um “Visto Gold”.
Ontem na hora da sobremesa até que a garçonete insistiu que eu optasse pelo Pudim da casa. Por alguma coincidência esta iguaria não me tem feito bem desde o dia 24 de Fevereiro do ano corrente, data da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Ainda que eu estivesse só nesta situação. Tenho acompanhado notícias preocupantes de algumas hospitalizações de automobilistas e temo que as próximas decorram das idas do pacato cidadão à padaria.
A garçonete, não se dando por vencida, ainda lançou, em vão, olhares que me fizessem mudar de ideias, mas eu estava implacavelmente irredutível: Pudim, não!
A pesar deste posicionamento, que fique claro que eu não tenho nada contra o Pudim ou quem goste desta pastosa iguaria. Mas desde que passara a ser uma ameaça a minha saúde, e da própria saúde pública mundial, fui forçado a tomar medidas à luz do que se tem feito pelo globo fora.
Também que fique claro de que este posicionamento não é nenhuma guerra, mas apenas uma “operação gastronómica especial” com o objetivo de alertar aos fanáticos do Pudim para a possibilidade de que esta iguaria já não ser feita de trigo, mas de sangue liquefeito.
- Assim o que gostarias para a sobremesa?
Insistia a garçonete. Por acaso ocorreu-me perguntar se a casa tinha Kyir, uma outra saborosa sobremesa, mas lembrei-me de que também era feito de trigo importado de Kyiv/Kiev, a capital ucraniana.
Do resultado da votação nas Nações Unidas sobre a invasão da Rússia à Ucrânia, também julgo que alguns países que se abstiveram fora apenas por resguardo, pois um dia poderão ter que recorrer ao mesmo expediente – a guerra – para salvaguardar os seus interesses.
A título de exemplo, o suspeito do costume é a China (e tem força para isso). Esta desconfiança é suportada pela sua pretensão em relação a recuperação de Taiwan que ela considera uma sua província (separatista).
Um outro suspeito, e mais a título de notificação para a prestação de declarações, é o insuspeito Moçambique. O paleio oficial moçambicano (e não cola) diz que o voto pela abstenção deriva do facto de o governo ser – por princípio – um defensor do diálogo como método de resolução de conflitos/diferenças. A partida um argumento que serviria muito bem para a condenação da invasão.
De toda maneira resta apurar o que de facto significa o termo diálogo na política moçambicana. Lembrar que historicamente, e durante a governação de Samora Machel, este chegara a dizer que “Com a RENAMO/Bandidos Armados só o diálogo das armas”. O que, na altura deste pronunciamento, enclausurara qualquer tipo de esperança por tempos de paz.
Ademais, e o Malawi que confirme, Samora Machel, que visivelmente agastado com algumas das opções soberanas deste país, chegara a ameaçar remover o Malawi do mapa com recurso a poderosos mísseis. Nas vésperas do acidente aéreo de Mbuzine (1986) em que perecera Samora Machel, este reiterara vigorosamente esta ameaça.
Ainda no rol das ameaças a países vizinhos, consta que logo depois da independência de Moçambique, em 1975, a então Swazilândia, hoje E-swatini, reivindicara parcelas do sul de Moçambique como sua propriedade. Por acaso, amiúde este assunto tem vindo à mesa por aquelas bandas.
Na altura desta revindicação, Samora Machel convidara o monarca daquele país, Sobhuza II, a visitar Moçambique e por coincidência propositada se avistaram em terras (Namaacha) revindicadas. Por um lado estava Samora Machel, em pleno vigor físico e vestido a rigor militar, e por outro lado, estava o velho e adoentado Sobhuza II nas suas vestes tradicionais e descalço.
Em resultado da visita, o velho Sobhuza II nunca mais tocara no assunto da reivindicação, pois se apercebera da ameaça de Samora Machel ao levar-lhe a visitar Namaacha e a ter que percorrer descalço uma área cheia de pedras e pedregulhos, enquanto o anfitrião desfilava de botas russas (imagino) que, ruidosamente, esmagavam as pedras que obstruíssem a caminhada.
Dito isto, e em jeito de fecho, depreende-se que deste histórico, e é apenas um cheirinho, fica é à vista um certo, e ofensivo, pendor nacional pela ameaça bélica como método de resolução de conflitos/diferenças. E é provável que seja por aqui onde assenta alguma racionalidade (nem que seja involuntária) da diplomática abstenção de Moçambique quanto a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Do mesmo jeito que o cineasta norte-americano Woody Allen disse um dia – de que não podia escutar muito Wagner, maestro e compositor de ópera alemão que o ditador nazista Adolf Hitler adorava escutar, porque ficava com vontade de invadir a Polónia – eu tenho a mesma vontade em relação a Rússia depois que vejo um Telejornal que debruce sobre a invasão da Rússia à Ucrânia.
Agora estou curioso em saber o que Vladimir Putin, o presidente russo, adora escutar. Mais curioso ainda estou em saber se tal música fora a que ele, eventualmente, escutara na madrugada de 24 de Fevereiro de 2022, enquanto as suas tropas iniciavam a invasão à Ucrânia.
Mas vendo bem, não vou fazer essa pesquisa. E seja lá qual for a música ou músico que Putin goste, certamente que os efeitos de a escutar não são boa coisa.
Ademais, aconselho até a nossa classe política a não procurar saber e muito menos escutar tal música, pois os tempos eleitorais que se avizinham, a começar pelas hostes do partido glorioso, não são propícios para o tipo de música que Putin escute.
Por enquanto, e para fechar, partilhar que para conter os meus ânimos belicistas depois de cada Telejornal, tenho escutado muito a música ligeira moçambicana. Esta, talvez por ser ligeira, deixa-me manso. Porventura até seja o tipo de música que os líderes do Ocidente estejam a ouvir por estes dias.
No início das conversações do desfecho da II Guerra Mundial (1939-1945), o líder soviético, Joseph Stalin, respondendo ao líder americano, Franklin Roosevelt, quanto ao futuro da Alemanha, perguntara “Alemanha? Qual Alemanha?”, pois, para ele, a Alemanha do final da guerra era apenas uma noção geográfica.
No final, e para o bem das conversações, as partes acordaram que seria a Alemanha do dia anterior à data do início da II Guerra Mundial (data da invasão alemã à Polónia).
E se a mesma pergunta de Stalin tivesse que ser feita nas conversações sobre o futuro da Ucrânia pós-guerra da invasão russa?
No mínimo, seguramente que Vladimir Putin, presidente russo, responderia a Joe Biden, presidente americano, de que se trata da Ucrânia do dia anterior à sua invasão (a dita operação especial militar): sem o domínio da Crimeia (sob controle da Rússia desde 2014) e também das duas repúblicas separatistas, ora autoproclamadas independentes e reconhecidas pela própria Rússia nas vésperas da invasão.
Por outro lado, é certeiro que os aliados ocidentais da Ucrânia, concretamente os Estados Unidos da América e a União Europeia, respondessem de que seria a Ucrânia desde o dia da sua independência em 1991.
De toda a maneira, e seja qual for o entendimento de cada uma das partes, será por aqui - de que Ucrânia se trata – que Putin, durante as conversações sobre o futuro da Ucrânia no pós-guerra de invasão russa, empreenderá a sua última batalha por Kiev (capital ucraniana).
E até que se chegue a fase destas conversações é expectável (conjecturo) que o historiador que inspira as aspirações de Putin lembre a este que para o consenso entre Stalin e Roosevelt, fora determinante a clareza sobre quem invadira a soberania de outros.
É possível que a 17 de Fevereiro de 2032 (rigorosamente) seja a data da provável notícia que se segue.
É lançado esta tarde o livro “A Poeira Assentará” que se baseia no depoimento de um antigo presidente da Pátria Índica quando da sua audição, na qualidade de declarante, no julgamento do então afamado caso das “Dívidas Ocultas”, nos anos de 2021 e 2022, hoje conhecido como o caso das “Dívidas da Queda”.
O título é parte das declarações finais do citado cuja audição, em sede do julgamento, ele tomara como uma oportunidade para a defesa e reposição do seu bom nome e de sua família que dizia terem sido manchados em praça pública.
“Sempre defendi que o tribunal era o melhor local para o assunto ora em julgamento e com esta audição decerto que a poeira assentará”. Com estas palavras o antigo presidente dera por terminado a sua audição, a última de dezenas de declarantes, entre anónimos e notáveis, arrolados e presentes ao julgamento que decorreu numa antiga cadeia de máxima segurança.
Segundo o autor do livro, o conceituado jornalista Diocleciano dos Bons Sinais, o título “A Poeira Assentará” foi propositadamente escolhido por acoplagem a uma outra expressão - Há muita poeira - também proferida pelo antigo estadista muito antes do início do julgamento, em contestação a pronunciamentos que não abonavam a seu favor.
A título de esclarecimento importa referir que a alteração da denominação do caso – de “Dívidas Ocultas” para “Dívidas da Queda” - derivou de crispações no seio do Glorioso na sequência do supracitado Julgamento e que afectaram sobremaneira a sua cadência vitoriosa nas últimas eleições.
Este livro, cujo título lembra “A História me Absolverá”, uma famosa frase (e também livro) pronunciada por Fidel Castro, o líder histórico cubano, no final do seu julgamento em 1953, poderá ser adquirido nas principais plataformas digitais e livrarias nacionais da Pátria Índica. (Fim da notícia)
NB: Voltando à realidade: há dias que iniciaram obras no estacionamento central da Av. Guerra Popular, entre as avenidas 24 de Julho e Ho Chi Min. E porque não existe nenhuma placa no local a identificar o tipo de obra e outra informação pertinente, rezo que seja o início de uma de duas promessas da edilidade da capital: a construção do BRT (Bus Rapid Transit) ou do FUTRAN (Sistema de transporte com veículos suspensos). Vamos aguardar, no mínimo pela placa.
Entrara mudo e amuado até que a dado momento o taxista – que se atrasara - quebra o silêncio, introduzindo uma conversa sobre política. Na verdade era de políticos que diz não confiar.
- Entre um político e quem pinta o cabelo não existe nenhuma diferença. Não confio em ambos e se o político pinta o cabelo, ainda pior: desse quero é distância!
Embora achasse que eu não fosse o alvo – não só político - esta tirada do taxista tocara-me, pois estava a caminho de uma casa especializada para dar uma leve pintada ao cabelo. Teria ele sabido? Não! Até porque nem havia revelado o meu destino, apenas um ponto próximo de desembarque.
Em seguida, e por ter visto que eu carregava uma cesta transparente com alguns jornais e livros, o taxista aproveita este detalhe para exibir que é uma pessoa informada.
- Um dos poucos políticos que eu admirava era o antigo Chanceler alemão, Gerhard Schroeder, mas tudo terminou quando ele, depois de ter apresentado um relatório com dados que favoreciam a sua governação, foi posto em causa por um deputado da oposição.
Ainda sob efeitos da irritação da tirada, que deixara-me hesitante na empreitada da pintada, disse-o que não era nada de anormal um deputado contrariar um chefe de governo.
- De facto é perfeitamente normal, a anormalidade está no argumento usado pelo deputado.
Estas palavras do taxista foram ditas enquanto simulava alguma concentração na estrada, criando assim um suspense irritante. Resisti. Indiferente, ele prossegue com a sua política de suspense.
- Por acaso gostei do argumento do deputado. É forte e fortalece a minha posição sobre os políticos.
Com mais este suspense irritante voltei ao ponto de partida (mudo e amuado) cujos sinais eram bem visíveis no meu semblante (e do leitor) e desta vez num ambiente mais próximo da hostilização. Diante da situação, solicitei que descesse antes do ponto de desembarque.
- O deputado disse ao Chanceler que teria muito prazer em acreditar nos dados do relatório, mas porque o Chanceler pintava o cabelo, manipulando a sua identidade, podia, e muito facilmente, também manipular os dados do relatório.
Estas palavras são proferidas no momento em que eu descia do táxi e um mau jeito na porta esta derruba o meu gorro. Enquanto apanho o gorro, o taxista, já em marcha lenta, abre o vidro e em tom jocoso vocifera: “Já desconfiava de que não levavas jeito para político”.
Consta que o 32º presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), recusou que a sua equipe eleitoral usasse uma eventual adversidade do seu adversário político – fora descoberto de que era um mulherengo – alegando que teria um efeito contrário, pois aumentaria a chance de vitória do seu adversário.
Certamente que é uma dica para quem governa, porquanto, e por mais que se esteja cheio de razão, é sempre prudente que se avalie o contexto e as implicações de uma decisão.
Nesta linha, e a propósito da premiação feita a magistrados na recente abertura do ano judicial, que contemplou a procuradora em serviço no julgamento em curso sobre as “dívidas ocultas”, seguramente que Roosevelt teria previamente aconselhado o cancelamento da premiação e equacioná-la para um outro momento e mais apropriado.
Um factor determinante que concorreria para o cancelamento é o facto da cerimónia em alusão ter sido dirigida pelo Presidente da República, cujo titular, em função governamental anterior, é amiúde citado em processos judiciais sobre as dívidas ocultas, em particular no processo ora em julgamento.
Ainda, e na esteira de Roosevelt, confluiria para o cancelamento o facto de este julgamento, que decorre na cadeia de máxima segurança da Machava, vulgo B.O, também estar a ser usado pela sociedade como uma ferramenta de escrutínio público sobre a real separação de poderes no país, em particular sobre a efectiva independência dos tribunais.
Infelizmente, e é uma pena, o ensinamento de Roosevelt não é tido e nem achado na Pérola do Índico. Ademais, e para fechar, este ensinamento de Franklin Delano Roosevelt – que por acaso morreu em casa de uma amante – decorre de um anterior, a saber: “Se o teu telhado é de vidro não atire pedra para o telhado do outro”. Mas por cá, e porque “há muita poeira”, os telhados de vidro passam bem despercebidos.
A palavra “Retornados” está historicamente ligada ao êxodo ou saída de portugueses das suas antigas colónias africanas para a metrópole. Mas não são destes que o título faz referência. Siga-me que já saberá.
Este sábado, numa incursão para fora do centro urbano do Grande Maputo, outrora parte do rural colonial, cruzara com um conhecido que depois de 1975, então na flor da juventude, fizera parte de um outro êxodo: a saída de moçambicanos do campo em direcção às cidades.
Depois dos cumprimentos e os acertos de memória, o encontro ocasional, e com a decisão de o celebrar, acabaria, por espontânea e deliberada vontade, por emigrar para um outro numa concorrida casa de pasto local, afamada como o “Bar dos Retornados”.
Já à volta de uma mesa preenchida, fora apresentado pelo meu convidante como um seu puto e ex-vizinho, e com a nota de que o causara, na altura da vizinhança, uma elevada despesa com a reparação dos seus óculos que eu (supostamente) tê-los-ia quebrado com uma bola, enquanto jogava no passeio defronte de sua casa. Decerto uma astuta lembrança de antecipação fiscal.
Ainda à mesa, o sol cada vez distante, o copo e o papo mais íntimos, um dos presentes contara a sua áurea e térrea trajetória urbana, iniciada com a sua entrada num contexto socialista (ganha de bandeja uma casa) e finda com a sua saída num contexto capitalista (perde a casa para o capital). Agora vive num 15X30 que sobrara do esquartejamento de terras herdadas dos seus antepassados.
Do papo deste companheiro casual, retenho a parte final e que até dera pistas sobre a origem do nome informal do bar. Eis as palavras: “Em 1975, eu e ele (aponta para o anfitrião da mesa) entramos triunfalmente na cidade de Lourenço Marques, hoje de Maputo, e desfortunamente regressamos às origens no ano de 2016”.
Em seguida e sincronizado, o anfitrião da mesa, o então vizinho, acrescentara, concluindo: “Não resistimos a mais 40 anos de independência e há mais de cinco anos que este local (aponta os limites da esplanada) é o nosso espaço de memória, de liberdade e de resistência”.
(Aplausos e um brinde de despedida)
Já de regresso e à conversa, num grupo de “Whatsapp”, sobre a tarde no “Bar dos Retornados”, ficara a saber que um dos amigos também tivera, e é recente, uma experiência semelhante num café em Lisboa, capital portuguesa, na altura de seus estudos de pós-graduação.
Segundo este amigo, e em jeito de fecho, a única diferença entre as duas experiências reside no facto da sua tarde ter sido passada com os retornados (portugueses) das ex-colónias portuguesas, e eu tê-la passado com os retornados endógenos (moçambicanos) da independência nacional.